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O Livro do Espiritos.

O Livro do Espiritos.

 

O Livro dos

Espíritos

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O Livro dos Es

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dos Espíritos

Filosofia Espiritualista

PRINCÍPIOS DA DOUTRINA ESPÍRITA

SOBRE A IMORTALIDADE DA ALMA

 

, A NATUREZA

DOS ESPÍRITOS E SUAS RELAÇÕES COM OS HOMENS

 

,

AS LEIS MORAIS

 

, A VIDA PRESENTE, A VIDA

FUTURA E O PORVIR DA HUMANIDADE

 

SEGUNDO

OS ENSINOS DADOS POR ESPÍRITOS SUPERIORES

COM O CONCURSO DE DIVERSOS MÉDIUNS

 

RECEBIDOS E COORDENADOS

Por

A

 

LLAN KARDEC

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA

Departamento Editorial e Gráfico

Rua Souza Valente, 17

20941-040 – Rio de Janeiro-RJ – Brasil

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Sumário

Nota da editora

............................................................... 13

Introdução

......................................................................... 15

Prolegômenos

................................................................... 68

PARTE PRIMEIRA

Das causas primárias

CAPÍTULO I

 

De Deus....................................................... 73

Deus e o infinito ......................................................... 73

Provas da existência de Deus ...................................... 74

Atributos da Divindade ............................................... 76

Panteísmo ................................................................... 78

CAPÍTULO II

 

Dos elementos gerais do Universo ....... 80

Conhecimento do princípio das coisas ......................... 80

Espírito e matéria ....................................................... 81

Propriedades da matéria ............................................. 85

Espaço universal ........................................................ 87

CAPÍTULO III

 

Da Criação................................................ 89

Formação dos mundos ................................................ 89

Formação dos seres vivos ............................................ 91

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6

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Povoamento da Terra. Adão ......................................... 93

Diversidade das raças humanas .................................. 94

Pluralidade dos mundos .............................................. 95

Considerações e concordâncias bíblicas concernentes

à Criação .......................................................... 96

CAPÍTULO IV

 

Do princípio vital ................................... 101

Seres orgânicos e inorgânicos ................................... 101

A vida e a Morte ........................................................ 103

Inteligência e instinto................................................ 105

PARTE SEGUNDA

Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos

CAPÍTULO I

 

Dos Espíritos ............................................ 109

Origem e natureza dos Espíritos ................................ 109

Mundo normal primitivo ........................................... 112

Forma e ubiqüidade dos Espíritos ............................. 113

Perispírito ................................................................. 115

Diferentes ordens de Espíritos ................................... 116

Escala espírita .......................................................... 117

Terceira ordem. – Espíritos imperfeitos ............ 120

Segunda ordem. – Bons Espíritos .................... 124

Primeira ordem. – Espíritos puros ................... 126

Progressão dos Espíritos ........................................... 127

Anjos e demônios ...................................................... 132

CAPÍTULO II

 

Da encarnação dos Espíritos .............. 136

Objetivo da encarnação ............................................. 136

A alma ...................................................................... 137

Materialismo ............................................................. 143

CAPÍTULO III

 

Da volta do Espírito, extinta a vida

corpórea, à vida espiritual

...................................... 147

A alma após a morte ................................................. 147

Separação da alma e do corpo ................................... 149

Perturbação espiritual ............................................... 153

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SUMÁRIO

 

7

CAPÍTULO IV

 

Da pluralidade das existências ......... 156

A reencarnação ......................................................... 156

Justiça da reencarnação ........................................... 158

Encarnação nos diferentes mundos........................... 159

Transmigrações progressivas .................................... 166

Sorte das crianças depois da morte ........................... 171

Sexos nos Espíritos ................................................... 173

Parentesco, filiação ................................................... 174

Parecenças físicas e morais ....................................... 176

Idéias inatas ............................................................. 180

CAPÍTULO V

 

Considerações sobre a pluralidade

das existências

......................................................... 182

CAPÍTULO VI

 

Da vida espírita ..................................... 196

Espíritos errantes ..................................................... 196

Mundos transitórios ................................................. 200

Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos .... 202

Ensaio teórico da sensação nos Espíritos .................. 209

Escolha das provas ................................................... 216

As relações no além-túmulo ...................................... 226

Relações de simpatia e de antipatia entre os Espíritos.

Metades eternas ................................................. 231

Recordação da existência corpórea ............................ 235

Comemoração dos mortos. Funerais ......................... 240

CAPÍTULO VII

 

Da volta do Espírito à vida corporal ... 244

Prelúdio da volta ....................................................... 244

União da alma e do corpo .......................................... 248

Faculdades morais e intelectuais do homem .............. 253

Influência do organismo ............................................ 256

Idiotismo, loucura ..................................................... 258

A infância ................................................................. 261

Simpatia e antipatia terrenas .................................... 265

Esquecimento do passado ......................................... 267

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8

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

CAPÍTULO VIII

 

Da emancipação da alma ................. 274

O sono e os sonhos ................................................... 274

Visitas espíritas entre pessoas vivas .......................... 282

Transmissão oculta do pensamento .......................... 284

Letargia, catalepsia, mortes aparentes ...................... 285

Sonambulismo.......................................................... 286

Êxtase ...................................................................... 292

Dupla vista ............................................................... 294

Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da

dupla vista ............................................................ 296

CAPÍTULO IX

 

Da intervenção dos Espíritos no

mundo corporal

......................................................... 304

Faculdade, que têm os Espíritos, de penetrar em

nossos pensamentos ............................................ 305

Influência oculta dos Espíritos em nossos

pensamentos e atos ............................................. 305

Possessos ................................................................. 310

Convulsionários ........................................................ 313

Afeição que os Espíritos votam a certas pessoas ........ 315

Anjos-de-guarda. Espíritos protetores, familiares ou

simpáticos ........................................................... 317

Pressentimentos ....................................................... 331

Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida . 332

Ação dos Espíritos sobre os fenômenos da Natureza .. 337

Os Espíritos durante os combates ............................. 340

Pactos....................................................................... 342

Poder oculto. Talismãs. Feiticeiros ............................ 344

Bênçãos e maldições ................................................. 347

CAPÍTULO X

 

Das ocupações e missões dos

Espíritos

..................................................................... 348

CAPÍTULO XI

 

Dos três reinos ...................................... 360

Os minerais e as plantas ........................................... 360

Os animais e o homem .............................................. 362

Metempsicose ........................................................... 372

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SUMÁRIO

 

9

PARTE TERCEIRA

Das leis morais

CAPÍTULO I

 

Da lei divina ou natural ......................... 377

Caracteres da lei natural ........................................... 377

Conhecimento da lei natural ..................................... 379

O bem e o mal ........................................................... 383

Divisão da lei natural ................................................ 388

CAPÍTULO II

 

Da lei de adoração................................. 390

Objetivo da adoração ................................................. 390

Adoração exterior ...................................................... 391

Vida contemplativa ................................................... 393

A prece ..................................................................... 393

Politeísmo ................................................................. 398

Sacrifícios ................................................................. 400

CAPÍTULO III

 

Da lei do trabalho ................................. 404

Necessidade do trabalho ........................................... 404

Limite do trabalho. Repouso ...................................... 407

CAPÍTULO IV

 

Da lei de reprodução ............................ 409

População do Globo................................................... 409

Sucessão e aperfeiçoamento das raças ...................... 409

Obstáculos à reprodução .......................................... 411

Casamento e celibato ................................................ 412

Poligamia .................................................................. 414

CAPÍTULO V

 

Da lei de conservação........................ 415

Instinto de conservação ............................................ 415

Meios de conservação................................................ 416

Gozo dos bens terrenos ............................................. 419

Necessário e supérfluo .............................................. 420

Privações voluntárias. Mortificações .......................... 421

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10

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

CAPÍTULO VI

 

Da lei de destruição ............................. 425

Destruição necessária e destruição abusiva .............. 425

Flagelos destruidores ................................................ 428

Guerras .................................................................... 431

Assassínio ................................................................ 432

Crueldade ................................................................. 433

Duelo ........................................................................ 435

Pena de morte ........................................................... 437

CAPÍTULO VII

 

Da lei de sociedade ............................. 440

Necessidade da vida social ........................................ 440

Vida de insulamento. Voto de silêncio ........................ 441

Laços de família ........................................................ 442

CAPÍTULO VIII

 

Da lei do progresso ............................. 444

Estado de natureza ................................................... 444

Marcha do progresso ................................................. 445

Povos degenerados .................................................... 449

Civilização ................................................................ 453

Progresso da legislação humana ................................ 455

Influência do Espiritismo no progresso ...................... 456

CAPÍTULO IX

 

Da lei de igualdade .............................. 459

Igualdade natural ..................................................... 459

Desigualdade das aptidões ........................................ 459

Desigualdades sociais ............................................... 461

Desigualdade das riquezas ........................................ 461

As provas de riqueza e de miséria .............................. 464

Igualdade dos direitos do homem e da mulher ........... 465

Igualdade perante o túmulo ...................................... 467

CAPÍTULO X

 

Da lei de liberdade ................................ 468

Liberdade natural ..................................................... 468

Escravidão ................................................................ 469

Liberdade de pensar .................................................. 471

Liberdade de consciência .......................................... 471

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SUMÁRIO

 

11

Livre-arbítrio ............................................................. 473

Fatalidade ................................................................. 476

Conhecimento do futuro ........................................... 484

Resumo teórico do móvel das ações humanas ........... 486

CAPÍTULO XI

 

Da lei de justiça, de amor e

de caridade

............................................................... 492

Justiça e direitos naturais ........................................ 492

Direito de propriedade. Roubo ................................... 495

Caridade e amor do próximo ..................................... 497

Amor materno e filial ................................................ 500

CAPÍTULO XII

 

Da perfeição moral .............................. 502

As virtudes e os vícios ............................................... 502

Paixões ..................................................................... 509

O egoísmo ................................................................. 511

Caracteres do homem de bem ................................... 516

Conhecimento de si mesmo ....................................... 517

PARTE QUARTA

Das esperanças e consolações

CAPÍTULO I

 

Das penas e gozos terrenos.................. 521

Felicidade e infelicidade relativas .............................. 521

Perda dos entes queridos .......................................... 528

Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas ................ 530

Uniões antipáticas .................................................... 532

Temor da morte ........................................................ 534

Desgosto da vida. Suicídio ......................................... 535

CAPÍTULO II

 

Das penas e gozos futuros................... 543

O nada. Vida futura .................................................. 543

Intuição das penas e gozos futuros............................ 544

Intervenção de Deus nas penas e recompensas ......... 545

Natureza das penas e gozos futuros .......................... 547

Penas temporais ....................................................... 556

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12

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Expiação e arrependimento ....................................... 560

Duração das penas futuras ....................................... 565

Ressurreição da carne ............................................... 573

Paraíso, inferno e purgatório ..................................... 576

Conclusão

....................................................................... 583

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Nota da editora

A tradução desta obra, devemo-la ao saudoso presidente

da Federação Espírita Brasileira – Dr. Guillon Ribeiro,

engenheiro civil, poliglota e vernaculista.

Ruy Barbosa, em seu discurso pronunciado na sessão

de 14 de outubro de 1903 (Anais do Senado Federal, vol. II,

pág. 717), em se referindo ao seu trabalho de revisão do

Projeto do Código Civil, trabalho monumental que resultou

na

 

Réplica, e que lhe imortalizou o nome como filólogo e

purista da língua, disse:

“Devo, entretanto, Sr. Presidente, desempenhar-

-me de um dever de consciência

registrar e agradecer

da tribuna do Senado a colaboração preciosa do

Sr. Doutor Guillon Ribeiro, que me acompanhou nesse

trabalho com a maior inteligência, não limitando os seus

serviços à parte material do comum dos revisores, mas,

muitas vezes, suprindo até a desatenções e negligências

minhas.”

Como vemos, Guillon Ribeiro recebeu, aos vinte e oito

anos de idade, o maior prêmio, o maior elogio a que pode-

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14

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

ria aspirar um escritor, e a Federação Espírita Brasileira,

vinte anos depois, consagrou-lhe o nome, aprovando

unanimemente as suas impecáveis traduções de Kardec.

Jornalista emérito, Guillon Ribeiro foi redator do

 

Jornal

do Commercio

e colaborador dos maiores jornais da época.

Exerceu, durante anos, o cargo de Diretor-Geral da Secretaria

do Senado e foi diretor da Federação Espírita

Brasileira, no decurso de 26 anos consecutivos, tendo traduzido,

ainda,

 

O Evangelho segundo o Espiritismo, O Livro

dos Médiuns, A Gênese

e Obras Póstumas, todos de Kardec.

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Introdução

AO ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA

I

Para se designarem coisas novas são precisos termos

novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a

confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras.

Os vocábulos

 

espiritual, espiritualista, espiritualismo

têm acepção bem definida. Dar-lhes outra, para aplicá-los

à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas

de anfibologia. Com efeito, o espiritualismo é o

oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em

si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não

se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos

ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez

das palavras

 

espiritual, espiritualismo, empregamos, para

indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos

 

espírita

e

 

espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido

radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de

ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo

 

espiritualismo

a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a

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16

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

doutrina

 

espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações

do mundo material com os Espíritos ou seres do

mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os

 

espíritas,

ou, se quiserem, os

 

espiritistas.

Como especialidade,

 

O Livro dos Espíritos contém a doutrina

espírita; como generalidade, prende-se à doutrina

espiritualista

, uma de cujas fases apresenta. Essa a razão

por que traz no cabeçalho do seu título as palavras:

 

Filosofia

espiritualista

.

II

Há outra palavra acerca da qual importa igualmente

que todos se entendam, por constituir um dos fechos de

abóbada de toda doutrina moral e ser objeto de inúmeras

controvérsias, à míngua de uma acepção bem determinada.

É a palavra

 

alma. A divergência de opiniões sobre a

natureza da alma provém da aplicação particular que cada

um dá a esse termo. Uma língua perfeita, em que

cada idéia fosse expressa por um termo próprio, evitaria

muitas discussões.

Segundo uns, a alma é o princípio da vida material

orgânica. Não tem existência própria e se aniquila com a

vida: é o materialismo puro. Neste sentido e por comparação,

diz-se de um instrumento rachado, que nenhum som

mais emite: não tem alma. De conformidade com essa

opinião, a alma seria efeito e não causa.

Pensam outros que a alma é o princípio da inteligência,

agente universal do qual cada ser absorve uma certa

porção. Segundo esses, não haveria em todo o Universo

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INTRODUÇÃO

 

17

senão uma só alma a distribuir centelhas pelos diversos

seres inteligentes durante a vida destes, voltando cada centelha,

mortos os seres, à fonte comum, a se confundir com

o todo, como os regatos e os rios voltam ao mar, donde

saíram. Essa opinião difere da precedente em que, nesta

hipótese, não há em nós somente matéria, subsistindo alguma

coisa após a morte. Mas é quase como se nada subsistisse,

porquanto, destituídos de individualidade, não mais

teríamos consciência de nós mesmos. Dentro desta opinião,

a alma universal seria Deus, e cada ser um fragmento

da divindade. Simples variante do

 

panteísmo.

Segundo outros, finalmente, a alma é um ser moral,

distinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade

após a morte. Esta acepção é, sem contradita,

a mais geral, porque, debaixo de um nome ou de outro, a

idéia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra, no estado

de crença instintiva, não derivada de ensino, entre

todos os povos, qualquer que seja o grau de civilização de

cada um. Essa doutrina, segundo a qual a alma é

 

causa e

não

 

efeito, é a dos espiritualistas.

Sem discutir o mérito de tais opiniões e considerando

apenas o lado lingüístico da questão, diremos que estas

três aplicações do termo

 

alma correspondem a três idéias

distintas, que demandariam, para serem expressas, três

vocábulos diferentes. Aquela palavra tem, pois, tríplice acepção

e cada um, do seu ponto de vista, pode com razão defini-

la como o faz. O mal está em a língua dispor somente de

uma palavra para exprimir três idéias. A fim de evitar todo

equívoco, seria necessário restringir-se a acepção do termo

alma

a uma daquelas idéias. A escolha é indiferente; o que

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18

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

se faz mister é o entendimento entre todos, reduzindo-se o

problema a uma simples questão de convenção. Julgamos

mais lógico tomá-lo na sua acepção vulgar e por isso chamamos

ALMA

 

ao ser imaterial e individual que em nós reside

e sobrevive ao corpo

. Mesmo quando esse ser não existisse,

não passasse de produto da imaginação, ainda assim

fora preciso um termo para designá-lo.

Na ausência de um vocábulo especial para tradução

de cada uma das duas outras idéias a que corresponde a

palavra alma, denominamos:

Princípio vital

o princípio da vida material e orgânica,

qualquer que seja a fonte donde promane, princípio esse

comum a todos os seres vivos, desde as plantas até o homem.

Pois que pode haver vida com exclusão da faculdade

de pensar, o princípio vital é coisa distinta e independente.

A palavra

 

vitalidade não daria a mesma idéia. Para uns o

princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que

se produz achando-se a matéria em dadas circunstâncias.

Segundo outros, e esta é a idéia mais comum, ele reside em

um fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada

ser absorve e assimila uma parcela durante a vida, tal como

os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria então o

 

fluido

vital

que, na opinião de alguns, em nada difere do

fluido elétrico animalizado, ao qual também se dão os

nomes de

 

fluido magnético, fluido nervoso, etc.

Seja como for, um fato há que ninguém ousaria contestar,

pois que resulta da observação: é que os seres orgânicos

têm em si uma força íntima que determina o fenômeno

da vida, enquanto essa força existe; que a vida material

é comum a todos os seres orgânicos e independe da inte-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 18 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

19

ligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento

são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; finalmente,

que entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência

e de pensamento há uma dotada também de um

senso moral especial, que lhe dá incontestável superioridade

sobre as outras: a espécie humana.

Concebe-se que, com uma acepção múltipla, o termo

alma

não exclui o materialismo, nem o panteísmo. O próprio

espiritualismo pode entender a alma de acordo com

uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo

do Ser imaterial distinto, a que então dará um nome qualquer.

Assim, aquela palavra não representa uma opinião: é

um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer. Daí tantas

disputas intermináveis.

Evitar-se-ia igualmente a confusão, embora usando-se

do termo

 

alma nos três casos, desde que se lhe acrescentasse

um qualificativo especificando o ponto de vista em

que se está colocado, ou a aplicação que se faz da palavra.

Esta teria, então, um caráter genérico, designando, ao mesmo

tempo, o princípio da vida material, o da inteligência e o

do senso moral, que se distinguiriam mediante um atributo,

como os

 

gases, por exemplo, que se distinguem aditando-

se ao termo genérico as palavras

 

hidrogênio, oxigênio, ou

azoto

. Poder-se-ia, assim, dizer, e talvez fosse o melhor, a

alma vital

— indicando o princípio da vida material; a alma

intelectual

— o princípio da inteligência, e a alma espírita

— o da nossa individualidade após a morte. Como se vê,

tudo isto não passa de uma questão de palavras, mas questão

muito importante quando se trata de nos fazermos entendidos.

De conformidade com essa maneira de falar,

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20

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a

 

alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas,

animais e homens; a

 

alma intelectual pertenceria aos

animais e aos homens; e a

 

alma espírita somente ao

homem.

Julgamos dever insistir nestas explicações pela razão

de que a doutrina espírita repousa naturalmente sobre a

existência, em nós, de um ser independente da matéria e

que sobrevive ao corpo. A palavra

 

alma, tendo que aparecer

com freqüência no curso desta obra, cumpria fixássemos

bem o sentido que lhe atribuímos, a fim de evitarmos

qualquer engano.

Passemos agora ao objeto principal desta instrução

preliminar.

III

Como tudo que constitui novidade, a doutrina espírita

conta adeptos e contraditores. Vamos tentar responder a

algumas das objeções destes últimos, examinando o valor

dos motivos em que se apóiam sem alimentarmos, todavia,

a pretensão de convencer a todos, pois muitos há que

crêem ter sido a luz feita exclusivamente para eles. Dirigimo-

-nos aos de boa-fé, aos que não trazem idéias preconcebidas

ou decididamente firmadas contra tudo e todos, aos

que sinceramente desejam instruir-se e lhes demonstraremos

que a maior parte das objeções opostas à doutrina

promanam de incompleta observação dos fatos e de juízo

leviano e precipitadamente formado.

Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a

série progressiva dos fenômenos que deram origem a esta

doutrina.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 20 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

21

O primeiro fato observado foi o da movimentação de

objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome

de

 

mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno,

que parece ter sido notado primeiramente na América, ou,

melhor, que se repetiu nesse país, porquanto a História prova

que ele remonta à mais alta antiguidade, se produziu

rodeado de circunstâncias estranhas, tais como ruídos

insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva. Em

seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas

outras partes do mundo. A princípio quase que só encontrou

incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a

multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe

pusessem em dúvida a realidade.

Se tal fenômeno se houvesse limitado ao movimento

de objetos materiais, poderia explicar-se por uma causa

puramente física. Estamos longe de conhecer todos os

agentes ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos

que conhecemos: a eletricidade multiplica diariamente os

recursos que proporciona ao homem e parece destinada a

iluminar a Ciência com uma nova luz. Nada de impossível

haveria, portanto, em que a eletricidade modificada por

certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido,

fosse a causa dos movimentos observados. O fato de que a

reunião de muitas pessoas aumenta a potencialidade da

ação parecia vir em apoio dessa teoria, visto poder-se considerar

o conjunto dos assistentes como uma pilha múltipla,

com o seu potencial na razão direta do número dos

elementos.

O movimento circular nada apresentava de extraordinário:

está na Natureza. Todos os astros se movem em cur-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 21 16/09/04, 15:21

22

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

vas elipsóides; poderíamos, pois, ter ali, em ponto menor,

um reflexo do movimento geral do Universo, ou melhor,

uma causa, até então desconhecida, produzindo acidentalmente,

com pequenos objetos em dadas condições, uma

corrente análoga à que impele os mundos.

Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas

vezes era brusco e desordenado, sendo o objeto violentamente

sacudido, derribado, levado numa direção qualquer

e, contrariamente a todas as leis da estática, levantado e

mantido em suspensão. Ainda aqui nada havia que se não

pudesse explicar pela ação de um agente físico invisível.

Não vemos a eletricidade deitar por terra edifícios,

desarraigar árvores, atirar longe os mais pesados corpos,

atraí-los ou repeli-los?

Os ruídos insólitos, as pancadas, ainda que não fossem

um dos efeitos ordinários da dilatação da madeira, ou

de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser

produzidos pela acumulação de um fluido oculto: a eletricidade

não produz formidáveis ruídos?

Até aí, como se vê, tudo pode caber no domínio dos

fatos puramente físicos e fisiológicos. Sem sair desse âmbito

de idéias, já ali havia, no entanto, matéria para estudos

sérios e dignos de prender a atenção dos sábios. Por que

assim não aconteceu? É penoso dizê-lo, mas o fato deriva

de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade

do espírito humano. A vulgaridade do objeto principal

que serviu de base às primeiras experiências não foi

alheia à indiferença dos sábios. Que influência não tem

tido muitas vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!

7a prova A- livro dos espíritos.p65 22 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

23

Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso

a um objeto qualquer, a idéia das mesas prevaleceu, sem

dúvida, por ser o objeto mais cômodo e porque, à roda de

uma mesa, muito mais naturalmente do que em torno

de qualquer outro móvel, se sentam diversas pessoas. Ora,

os homens superiores são com freqüência tão pueris que

não há como ter por impossível que certos espíritos de escol

hajam considerado deprimente ocuparem-se com o que

se convencionara chamar a

 

dança das mesas. É mesmo

provável que se o fenômeno observado por Galvâni o fora

por homens vulgares e ficasse caracterizado por um nome

burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia à varinha

mágica. Qual, com efeito, o sábio que não houvera

julgado uma indignidade ocupar-se com a

 

dança das rãs?

Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em

que bem poderia dar-se não lhes ter ainda a Natureza dito

a última palavra, quiseram ver, para tranqüilidade de suas

consciências. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre

lhes correspondeu à expectativa e, do fato de não se haver

produzido constantemente à vontade deles e segundo a

maneira de se comportarem na experimentação, concluíram

pela negativa. Malgrado, porém, ao que decretaram, as

mesas — pois que há mesas — continuam a girar e podemos

dizer com Galileu:

 

todavia, elas se movem! Acrescentaremos

que os fatos se multiplicaram de tal modo que desfrutam

hoje do direito de cidade, não mais se cogitando

senão de lhes achar uma explicação racional.

Contra a realidade do fenômeno, poder-se-ia induzir

alguma coisa da circunstância de ele não se produzir de

modo sempre idêntico, conformemente à vontade e às exi-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 23 16/09/04, 15:21

24

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

gências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de

química não estão subordinados a certas condições? Será

lícito negá-los, porque não se produzem fora dessas condições?

Que há, pois, de surpreendente em que o fenômeno

do movimento dos objetos pelo fluido humano também se

ache sujeito a determinadas condições e deixe de se produzir

quando o observador, colocando-se no seu ponto de vista,

pretende fazê-lo seguir a marcha que caprichosamente

lhe imponha, ou queira sujeitá-lo às leis dos fenômenos

conhecidos, sem considerar que para fatos novos pode e

deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis,

preciso é que se estudem as circunstâncias em que os fatos

se produzem e esse estudo não pode deixar de ser fruto de

observação perseverante, atenta e às vezes muito longa.

Objetam, porém, algumas pessoas: há freqüentemente

fraudes manifestas. Perguntar-lhes-emos, em primeiro

lugar, se estão bem certas de que haja fraudes e se não

tomaram por fraude efeitos que não podiam explicar, mais

ou menos como o camponês que tomava por destro

escamoteador um sábio professor de Física a fazer experiências.

Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido

verificar-se algumas vezes, constituiria isso razão para negar-

se o fato? Dever-se-ia negar a Física, porque há prestidigitadores

que se exornam com o título de físicos? Cumpre,

ao demais, se leve em conta o caráter das pessoas e o

interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, então, mero

gracejo? Admite-se que uma pessoa se divirta por algum

tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se tornaria

tão fastidioso para o mistificador, como para o mistificado.

Acresce que, numa mistificação que se propaga de

um extremo a outro do mundo e por entre as mais auste-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 24 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

25

ras, veneráveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa

há, com certeza, tão extraordinária, pelo menos, quanto o

próprio fenômeno.

IV

Se os fenômenos, com que nos estamos ocupando, houvessem

ficado restritos ao movimento dos objetos, teriam

permanecido, como dissemos, no domínio das ciências físicas.

Assim, entretanto, não sucedeu: estava-lhes reservado

colocar-nos na pista de fatos de ordem singular. Acreditaram

haver descoberto, não sabemos pela iniciativa de

quem, que a impulsão dada aos objetos não era apenas o

resultado de uma força mecânica cega; que havia nesse

movimento a intervenção de uma causa inteligente. Uma

vez aberto, esse caminho conduziu a um campo totalmente

novo de observações. De sobre muitos mistérios se erguia o

véu. Haverá, com efeito, no caso, uma potência inteligente?

Tal a questão. Se essa potência existe, qual é ela, qual a

sua natureza, a sua origem? Encontra-se acima da Humanidade?

Eis outras questões que decorrem da anterior.

As primeiras manifestações inteligentes se produziram

por meio de mesas que se levantavam e, com um dos pés,

davam certo número de pancadas, respondendo desse modo

 

sim, ou — não, conforme fora convencionado, a uma

pergunta feita. Até aí nada de convincente havia para os

cépticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra

do acaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas

com o auxílio das letras do alfabeto: dando o móvel um

número de pancadas correspondente ao número de ordem

7a prova A- livro dos espíritos.p65 25 16/09/04, 15:21

26

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

de cada letra, chegava-se a formar palavras e frases que

respondiam às questões propostas. A precisão das respostas

e a correlação que denotavam com as perguntas causaram

espanto. O ser misterioso que assim respondia, interrogado

sobre a sua natureza, declarou que era

 

Espírito ou

Gênio

, declinou um nome e prestou diversas informações a

seu respeito. Há aqui uma circunstância muito importante,

que se deve assinalar. É que ninguém imaginou os

 

Espíritos

como meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno

que revelou a palavra. Muitas vezes, em se tratando

das ciências exatas, se formulam hipóteses para dar-se uma

base ao raciocínio. Não é aqui o caso.

Tal meio de correspondência era, porém, demorado e

incômodo. O Espírito (e isto constitui nova circunstância

digna de nota) indicou outro. Foi um desses seres invisíveis

quem aconselhou a adaptação de um lápis a uma cesta ou

a outro objeto. Colocada em cima de uma folha de papel, a

cesta é posta em movimento pela mesma potência oculta

que move as mesas; mas, em vez de um simples movimento

regular, o lápis traça por si mesmo caracteres formando

palavras, frases, dissertações de muitas páginas sobre as

mais altas questões de filosofia, de moral, de metafísica, de

psicologia, etc., e com tanta rapidez quanta se se escrevesse

com a mão.

O conselho foi dado simultaneamente na América, na

França e em diversos outros países. Eis em que termos o

deram em Paris, a 10 de junho de 1853, a um dos mais

fervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos,

desde 1849, se ocupava com a evocação dos Espíritos: “Vai

buscar, no aposento ao lado, a cestinha; amarra-lhe um

7a prova A- livro dos espíritos.p65 26 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

27

lápis; coloca-a sobre o papel; põe-lhe os teus dedos sobre a

borda.” Alguns instantes após, a cesta entrou a mover-se e

o lápis escreveu, muito legível, esta frase: “Proíbo expressamente

que transmitas a quem quer que seja o que acabo de

dizer. Da primeira vez que escrever, escreverei melhor.”

O objeto a que se adapta o lápis, não passando de mero

instrumento, completamente indiferentes são a natureza e

a forma que tenha. Daí o haver-se procurado dar-lhe a disposição

mais cômoda. Assim é que muita gente se serve de

uma prancheta pequena.

A cesta ou a prancheta só podem ser postas em movimento

debaixo da influência de certas pessoas, dotadas,

para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo

nome de

 

médiuns, isto é — meios ou intermediários entre

os Espíritos e os homens. As condições que dão esse poder

resultam de causas ao mesmo tempo físicas e morais, ainda

imperfeitamente conhecidas, porquanto há médiuns de

todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus

de desenvolvimento intelectual. É, todavia, uma faculdade

que se desenvolve pelo exercício.

V

Reconheceu-se mais tarde que a cesta e a prancheta

não eram, realmente, mais do que um apêndice da mão; e o

médium, tomando diretamente do lápis, se pôs a escrever

por um impulso involuntário e quase febril. Dessa maneira,

as comunicações se tornaram mais rápidas, mais fáceis

e mais completas. Hoje é esse o meio geralmente empregado

e com tanto mais razão quanto o número das pessoas

7a prova A- livro dos espíritos.p65 27 16/09/04, 15:21

28

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

dotadas dessa aptidão é muito considerável e cresce todos

os dias. Finalmente, a experiência deu a conhecer muitas

outras variedades da faculdade mediadora, vindo-se a saber

que as comunicações podiam igualmente ser transmitidas

pela palavra, pela audição, pela visão, pelo tato, etc., e

até pela escrita direta dos Espíritos, isto é, sem o concurso

da mão do médium, nem do lápis.

Obtido o fato, restava comprovar um ponto essencial

— o papel do médium nas respostas e a parte que, mecânica

e moralmente, pode ter nelas. Duas circunstâncias capitais,

que não escapariam a um observador atento, tornam

possível resolver-se a questão. A primeira consiste no modo

por que a cesta se move sob a influência do médium, apenas

lhe impondo este os dedos sobre os bordos. O exame

do fato demonstra a impossibilidade de o médium imprimir

uma direção qualquer ao movimento daquele objeto. Essa

impossibilidade se patenteia, sobretudo, quando duas ou

três pessoas colocam juntamente as mãos sobre a cesta.

Fora preciso entre elas uma concordância verdadeiramente

fenomenal de movimentos. Fora preciso, demais, a concordância

dos pensamentos, para que pudessem estar de acordo

quanto à resposta a dar à questão formulada. Outro

fato, não menos singular, ainda vem aumentar a dificuldade.

É a mudança radical da caligrafia, conforme o Espírito

que se manifesta, reproduzindo-se a de um determinado

Espírito todas as vezes que ele volta a escrever. Fora necessário,

pois, que o médium se houvesse exercitado em dar à

sua própria caligrafia vinte formas diferentes e, principalmente,

que pudesse lembrar-se da que corresponde a tal

ou tal Espírito.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 28 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

29

A segunda circunstância resulta da natureza mesma

das respostas que, as mais das vezes, especialmente quando

se ventilam questões abstratas e científicas, estão notoriamente

fora do campo dos conhecimentos e, amiúde, do

alcance intelectual do médium, que, além disso, como de

ordinário sucede, não tem consciência do que se escreve

debaixo da sua influência; que, freqüentemente, não entende

ou não compreende a questão proposta, pois que esta

o pode ser num idioma que ele desconheça, ou mesmo mentalmente,

podendo a resposta ser dada nesse idioma. Enfim,

acontece muito escrever a cesta espontaneamente, sem

que se haja feito pergunta alguma, sobre um assunto

qualquer, inteiramente inesperado.

Em certos casos, as respostas revelam tal cunho de

sabedoria, de profundeza e de oportunidade; exprimem pensamentos

tão elevados, tão sublimes, que não podem emanar

senão de uma Inteligência superior, impregnada da mais

pura moralidade. Doutras vezes, são tão levianas, tão frívolas,

tão triviais, que a razão recusa admitir derivem da mesma

fonte. Tal diversidade de linguagem não se pode explicar

senão pela diversidade das Inteligências que se

manifestam. E essas Inteligências estão na Humanidade

ou fora da Humanidade? Este o ponto a esclarecer-se e

cuja explicação se encontrará completa nesta obra, como a

deram os próprios Espíritos.

Eis, pois, efeitos patentes, que se produzem fora do

círculo habitual das nossas observações; que não ocorrem

misteriosamente, mas, ao contrário, à luz meridiana, que

toda gente pode ver e comprovar; que não constituem privilégio

de um único indivíduo e que milhares de pessoas re-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 29 16/09/04, 15:21

30

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

petem todos os dias. Esses efeitos têm necessariamente uma

causa e, do momento que denotam a ação de uma inteligência

e de uma vontade, saem do domínio puramente físico.

Muitas teorias foram engendradas a este respeito.

Examiná-las-emos dentro em pouco e veremos se são capazes

de oferecer a explicação de todos os fatos que se observam.

Admitamos, enquanto não chegamos até lá, a existência

de seres distintos dos humanos, pois que esta é a

explicação ministrada pelas Inteligências que se manifestam,

e vejamos o que eles nos dizem.

VI

Conforme notamos acima, os próprios seres que se comunicam

se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos

ou Gênios, declarando, alguns, pelo menos, terem pertencido

a homens que viveram na Terra. Eles compõem o mundo

espiritual, como nós constituímos o mundo corporal

durante a vida terrena.

Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais

da doutrina que nos transmitiram, a fim de mais facilmente

respondermos a certas objeções.

“Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente,

soberanamente justo e bom.

“Criou o Universo, que abrange todos os seres animados,

e inanimados, materiais e imateriais.

“Os seres materiais constituem o mundo visível ou

corpóreo, e os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita,

isto é, dos Espíritos.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 30 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

31

“O mundo espírita é o mundo normal, primitivo,

eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.

“O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir,

ou não ter jamais existido, sem que por isso se alterasse

a essência do mundo espírita.

“Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro

material perecível, cuja destruição pela morte lhes restitui

a liberdade.

“Entre as diferentes espécies de seres corpóreos, Deus

escolheu a espécie humana para a encarnação dos Espíritos

que chegaram a certo grau de desenvolvimento,

dando-lhe superioridade moral e intelectual sobre as

outras.

“A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo

apenas o seu envoltório.

“Há no homem três coisas: 1º, o corpo ou ser material

análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital;

2º, a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo;

3º, o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário

entre a matéria e o Espírito.

“Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo,

participa da natureza dos animais, cujos instintos lhe são

comuns; pela alma, participa da natureza dos Espíritos.

“O laço ou

 

perispírito, que prende ao corpo o Espírito, é

uma espécie de envoltório semimaterial. A morte é a destruição

do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o

segundo, que lhe constitui um corpo etéreo, invisível para

7a prova A- livro dos espíritos.p65 31 16/09/04, 15:21

32

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

nós no estado normal, porém que pode tornar-se acidentalmente

visível e mesmo tangível, como sucede no fenômeno

das aparições.

“O Espírito não é, pois, um ser abstrato, indefinido, só

possível de conceber-se pelo pensamento. É um ser real,

circunscrito, que, em certo casos, se torna apreciável

 

pela

vista

, pelo ouvido e pelo tato.

“Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são

iguais, nem em poder, nem em inteligência, nem em saber,

nem em moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos

superiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeição,

seus conhecimentos, sua proximidade de Deus, pela

pureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: são os

anjos ou puros Espíritos. Os das outras classes se acham

cada vez mais distanciados dessa perfeição, mostrando-se

os das categorias inferiores, na sua maioria, eivados das

nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc.

Comprazem-se no mal. Há também, entre os inferiores, os

que não são nem muito bons nem muito maus, antes

perturbadores e enredadores, do que perversos. A malícia e

as inconseqüências parecem ser o que neles predomina.

São os Espíritos estúrdios ou levianos.

“Os Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria.

Todos se melhoram passando pelos diferentes graus

da hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio da

encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros

como missão. A vida material é uma prova que lhes cumpre

sofrer repetidamente, até que hajam atingido a absoluta

perfeição moral.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 32 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

33

“Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espíritos,

donde saíra, para passar por nova existência material,

após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o

qual permanece em estado de Espírito errante.

 

1

“Tendo o Espírito que passar por muitas encarnações,

segue-se que todos nós temos tido muitas existências e que

teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas, quer

na Terra, quer em outros mundos.

“A encarnação dos Espíritos se dá sempre na espécie

humana; seria erro acreditar-se que a alma ou Espírito possa

encarnar no corpo de um animal.

“As diferentes existências corpóreas do Espírito são

sempre progressivas e nunca regressivas; mas, a rapidez

do seu progresso depende dos esforços que faça para

chegar à perfeição.

“As qualidades da alma são as do Espírito que está

encarnado em nós; assim, o homem de bem é a encarnação

de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito

impuro.

“A alma possuía sua individualidade antes de encarnar;

conserva-a depois de se haver separado do corpo.

“Na sua volta ao mundo dos Espíritos, encontra ela

todos aqueles que conhecera na Terra, e todas as suas

existências anteriores se lhe desenham na memória, com a

lembrança de todo bem e de todo mal que fez.

1

 

Há entre esta doutrina da reencarnação e a da metempsicose, como

a admitem certas seitas, uma diferença característica, que é

explicada no curso da presente obra.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 33 16/09/04, 15:21

34

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria;

o homem que vence esta influência, pela elevação e

depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos,

em cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar

pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na

satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos

impuros, dando preponderância à sua natureza

animal.

“Os Espíritos encarnados habitam os diferentes

globos do Universo.

“Os não encarnados ou errantes não ocupam uma região

determinada e circunscrita; estão por toda parte no

espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de

contínuo. É toda uma população invisível, a mover-se em

torno de nós.

“Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo

moral e mesmo sobre o mundo físico. Atuam sobre a matéria

e sobre o pensamento e constituem uma das potências

da Natureza, causa eficiente de uma multidão de fenômenos

até então inexplicados ou mal explicados e que não

encontram explicação racional senão no Espiritismo.

“As relações dos Espíritos com os homens são constantes.

Os bons Espíritos nos atraem para o bem, nos sustentam

nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com

coragem e resignação. Os maus nos impelem para o mal:

é-lhes um gozo ver-nos sucumbir e assemelhar-nos a eles.

“As comunicações dos Espíritos com os homens são

ocultas ou ostensivas. As ocultas se verificam pela influência

boa ou má que exercem sobre nós, à nossa revelia. Cabe

7a prova A- livro dos espíritos.p65 34 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

35

ao nosso juízo discernir as boas das más inspirações. As

comunicações ostensivas se dão por meio da escrita, da

palavra ou de outras manifestações materiais, quase

sempre pelos médiuns que lhes servem de instrumentos.

“Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou

mediante evocação.

“Podem evocar-se todos os Espíritos: os que animaram

homens obscuros, como os das personagens mais ilustres,

seja qual for a época em que tenham vivido; os de nossos

parentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicações

escritas ou verbais, conselhos, informações sobre a

situação em que se encontram no Além, sobre o que

pensam a nosso respeito, assim como as revelações que

lhes sejam permitidas fazer-nos.

“Os Espíritos são atraídos na razão da simpatia que

lhes inspire a natureza moral do meio que os evoca. Os

Espíritos superiores se comprazem nas reuniões sérias, onde

predominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte

dos que as compõem, de se instruírem e melhorarem. A

presença deles afasta os Espíritos inferiores que, inversamente,

encontram livre acesso e podem obrar com toda a

liberdade entre pessoas frívolas ou impelidas unicamente

pela curiosidade e onde quer que existam maus instintos.

Longe de se obterem bons conselhos, ou informações úteis,

deles só se devem esperar futilidades, mentiras, gracejos

de mau gosto, ou mistificações, pois que muitas vezes tomam

nomes venerados, a fim de melhor induzirem ao erro.

“Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente

fácil. Os Espíritos superiores usam constantemente de

linguagem digna, nobre, repassada da mais alta moralida-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 35 16/09/04, 15:21

36

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

de, escoimada de qualquer paixão inferior; a mais pura sabedoria

lhes transparece dos conselhos, que objetivam sempre

o nosso melhoramento e o bem da Humanidade. A dos

Espíritos inferiores, ao contrário, é inconseqüente, amiúde

trivial e até grosseira. Se, por vezes, dizem alguma coisa

boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e absurdos,

por malícia ou ignorância. Zombam da credulidade

dos homens e se divertem à custa dos que os interrogam,

lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos com

falazes esperanças. Em resumo, as comunicações sérias,

na mais ampla acepção do termo, só são dadas nos centros

sérios, onde reine íntima comunhão de pensamentos,

tendo em vista o bem.

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a

do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que

quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem

e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra

universal de proceder, mesmo para as suas menores ações.

“Ensinam-nos que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade

são paixões que nos aproximam da natureza animal,

prendendo-nos à matéria; que o homem que, já neste mundo,

se desliga da matéria, desprezando as futilidades

mundanas e amando o próximo, se avizinha da natureza

espiritual; que cada um deve tornar-se útil, de acordo com

as faculdades e os meios que Deus lhe pôs nas mãos para

experimentá-lo; que o Forte e o Poderoso devem amparo e

proteção ao Fraco, porquanto transgride a Lei de Deus aquele

que abusa da força e do poder para oprimir o seu semelhante.

Ensinam, finalmente, que, no mundo dos Espíri-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 36 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

37

tos, nada podendo estar oculto, o hipócrita será desmascarado

e patenteadas todas as suas torpezas; que a presença

inevitável, e de todos os instantes, daqueles para com quem

houvermos procedido mal constitui um dos castigos que

nos estão reservados; que ao estado de inferioridade e

superioridade dos Espíritos correspondem penas e gozos

desconhecidos na Terra.

“Mas, ensinam também não haver faltas irremissíveis,

que a expiação não possa apagar. Meio de consegui-lo encontra

o homem nas diferentes existências que lhe permitem

avançar, conformemente aos seus desejos e esforços,

na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu

destino final.”

Este o resumo da Doutrina Espírita, como resulta dos

ensinamentos dados pelos Espíritos superiores. Vejamos

agora as objeções que se lhe contrapõem.

VII

Para muita gente, a oposição das corporações científicas

constitui, senão uma prova, pelo menos forte presunção

contra o que quer que seja. Não somos dos que se insurgem

contra os sábios, pois não queremos dar azo a que

de nós digam que escouceamos. Temo-los, ao contrário,

em grande apreço e muito honrado nos julgaríamos se fôssemos

contado entre eles. Suas opiniões, porém, não podem

representar, em todas as circunstâncias, uma sentença

irrevogável.

Desde que a Ciência sai da observação material dos

fatos, em se tratando de os apreciar e explicar, o campo

7a prova A- livro dos espíritos.p65 37 16/09/04, 15:21

38

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

está aberto às conjeturas. Cada um arquiteta o seu

sistemazinho, disposto a sustentá-lo com fervor, para

fazê-lo prevalecer. Não vemos todos os dias as mais opostas

opiniões serem alternativamente preconizadas e rejeitadas,

ora repelidas como erros absurdos, para logo depois aparecerem

proclamadas como verdades incontestáveis? Os fatos,

eis o verdadeiro critério dos nossos juízos, o argumento

sem réplica. Na ausência dos fatos, a dúvida se justifica

no homem ponderado.

Com relação às coisas notórias, a opinião dos sábios é,

com toda razão, fidedigna, porquanto eles sabem mais e

melhor do que o vulgo. Mas, no tocante a princípios novos,

a coisas desconhecidas, essa opinião quase nunca é mais

do que hipotética, por isso que eles não se acham, menos

que os outros, sujeitos a preconceitos. Direi mesmo que o

sábio tem mais prejuízos que qualquer outro, porque uma

propensão natural o leva a subordinar tudo ao ponto de

vista donde mais aprofundou os seus conhecimentos: o

matemático não vê prova senão numa demonstração

algébrica, o químico refere tudo à ação dos elementos, etc.

Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à

especialidade que adotou. Tirai-o daí e o vereis quase sempre

desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo

cadinho: conseqüência da fraqueza humana. Assim, pois,

consultarei, do melhor grado e com a maior confiança, um

químico sobre uma questão de análise, um físico sobre a

potência elétrica, um mecânico sobre uma força motriz. Hão

de eles, porém, permitir-me, sem que isto afete a estima a

que lhes dá direito o seu saber especial, que eu não tenha

em melhor conta suas opiniões negativas acerca do Espiritismo,

do que o parecer de um arquiteto sobre uma

questão de música.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 38 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

39

As ciências ordinárias assentam nas propriedades da

matéria, que se pode experimentar e manipular livremente;

os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências

dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante

não se acharem subordinadas aos nossos caprichos.

As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma

forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida.

Querer submetê-las aos processos comuns de investigação

é estabelecer analogias que não existem. A Ciência,

propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para

se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se

ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável

ou não, nenhum peso poderá ter. O Espiritismo é o

resultado de uma convicção pessoal, que os sábios, como

indivíduos, podem adquirir, abstração feita da qualidade

de sábios. Pretender deferir a questão à Ciência equivaleria

a querer que a existência ou não da alma fosse decidida por

uma assembléia de físicos ou de astrônomos. Com efeito, o

Espiritismo está todo na existência da alma e no seu estado

depois da morte. Ora, é soberanamente ilógico imaginar-

se que um homem deva ser grande psicologista, porque

é eminente matemático ou notável anatomista.

Dissecando o corpo humano, o anatomista procura a alma

e, porque não a encontra, debaixo do seu escalpelo, como

encontra um nervo, ou porque não a vê evolar-se como um

gás, conclui que ela não existe, colocado num ponto de

vista exclusivamente material. Segue-se que tenha razão

contra a opinião universal? Não. Vedes, portanto, que o

Espiritismo não é da alçada da Ciência.

Quando as crenças espíritas se houverem vulgarizado,

quando estiverem aceitas pelas massas humanas (e, a jul-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 39 16/09/04, 15:21

40

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

gar pela rapidez com que se propagam, esse tempo não vem

longe), com elas se dará o que tem acontecido a todas as

idéias novas que hão encontrado oposição: os sábios se

renderão à evidência. Lá chegarão, individualmente, pela

força das coisas. Até então será intempestivo desviá-los de

seus trabalhos especiais, para obrigá-los a se ocuparem

com um assunto estranho, que não lhes está nem nas atribuições,

nem no programa. Enquanto isso não se verifica,

os que, sem estudo prévio e aprofundado da matéria, se

pronunciam pela negativa e escarnecem de quem não lhes

subscreve o conceito, esquecem que o mesmo se deu com

a maior parte das grandes descobertas que fazem honra à

Humanidade. Expõem-se a ver seus nomes alongando

a lista dos ilustres proscritores das idéias novas e inscritos a

par dos membros da douta assembléia que, em 1752,

acolheu com retumbante gargalhada a memória de Franklin

sobre os pára-raios, julgando-a indigna de figurar entre as

comunicações que lhe eram dirigidas; e dos daquela outra

que ocasionou perder a França as vantagens da iniciativa

da marinha a vapor, declarando o sistema de Fulton um

sonho irrealizável. Entretanto, essas eram questões da alçada

daquelas corporações. Ora, se tais assembléias, que contavam

em seu seio a nata dos sábios do mundo, só tiveram

a zombaria e o sarcasmo para idéias que elas não percebiam,

idéias que, alguns anos mais tarde, revolucionaram a ciência,

os costumes e a indústria, como esperar que uma questão,

alheia aos trabalhos que lhes são habituais, alcance hoje das

suas congêneres melhor acolhimento?

Esses erros de alguns homens eminentes, se bem que

deploráveis, atenta a memória deles, de nenhum modo poderiam

privá-los dos títulos que a outros respeitos conquista-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 40 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

41

ram à nossa estima; mas, será precisa a posse de um diploma

oficial para se ter bom-senso? Dar-se-á que fora das

cátedras acadêmicas só se encontrem tolos e imbecis? Dignem-

se de lançar os olhos para os adeptos da Doutrina

Espírita e digam se só com ignorantes deparam e se a imensa

legião de homens de mérito que a têm abraçado autoriza

seja ela atirada ao rol das crendices de simplórios. O caráter

e o saber desses homens dão peso a esta proposição:

pois que eles afirmam, forçoso é reconhecer que alguma

coisa há.

Repetimos mais uma vez que, se os fatos a que aludimos

se houvessem reduzido ao movimento mecânico dos

corpos, a indagação da causa física desse fenômeno caberia

no domínio da Ciência; porém, desde que se trata de

uma manifestação que se produz com exclusão das leis da

Humanidade, ela escapa à competência da ciência material,

visto não poder explicar-se por algarismos, nem por uma

força mecânica. Quando surge um fato novo, que não guarda

relação com alguma ciência conhecida, o sábio, para

estudá-lo, tem que abstrair da sua ciência e dizer a si

mesmo que o que se lhe oferece constitui um estudo novo,

impossível de ser feito com idéias preconcebidas.

O homem que julga infalível a sua razão está bem perto

do erro. Mesmo aqueles, cujas idéias são as mais falsas,

se apóiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam

tudo o que lhes parece impossível. Os que outrora repeliram

as admiráveis descobertas de que a Humanidade se

honra, todos endereçavam seus apelos a esse juiz, para repeli-

las. O que se chama razão não é muitas vezes senão

orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível

7a prova A- livro dos espíritos.p65 41 16/09/04, 15:21

42

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos

ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando

do futuro pelo passado, não crêem que o homem

haja chegado ao apogeu, nem que a Natureza lhe tenha

facultado ler a última página do seu livro.

VIII

Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a

Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de

coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade

por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e

animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado.

Não sabemos como dar esses qualificativos aos que

julgam

 

a priori, levianamente, sem tudo ter visto; que não

imprimem a seus estudos a continuidade, a regularidade e

o recolhimento indispensáveis. Ainda menos saberíamos

dá-los a alguns que, para não decaírem da reputação de

homens de espírito, se afadigam por achar um lado burlesco

nas coisas mais verdadeiras, ou tidas como tais por pessoas

cujo saber, caráter e convicções lhes dão direito à consideração

de quem quer que se preze de bem-educado. Abstenham-

se, portanto, os que entendem não serem dignos

de sua atenção os fatos. Ninguém pensa em lhes violentar

a crença; concordem, pois, em respeitar a dos outros.

O que caracteriza um estudo sério é a continuidade

que se lhe dá. Será de admirar que muitas vezes não se

obtenha nenhuma resposta sensata a questões de si mesmas

graves, quando propostas ao acaso e à queima-roupa,

em meio de uma aluvião de outras extravagantes? Demais,

sucede freqüentemente que, por complexa, uma questão,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 42 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

43

para ser elucidada, exige a solução de outras preliminares

ou complementares. Quem deseje tornar-se versado numa

ciência tem que a estudar metodicamente, começando pelo

princípio e acompanhando o encadeamento e o desenvolvimento

das idéias. Que adiantará àquele que, ao acaso, dirigir

a um sábio perguntas acerca de uma ciência cujas primeiras

palavras ignore? Poderá o próprio sábio, por maior

que seja a sua boa vontade, dar-lhe resposta satisfatória?

A resposta isolada, que der, será forçosamente incompleta

e quase sempre, por isso mesmo, ininteligível, ou parecerá

absurda e contraditória. O mesmo ocorre em nossas relações

com os Espíritos. Quem quiser com eles instruir-se

tem que com eles fazer um curso; mas, exatamente como

se procede entre nós, deverá escolher seus professores e

trabalhar com assiduidade.

Dissemos que os Espíritos superiores somente às sessões

sérias acorrem, sobretudo às em que reina perfeita

comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem. A

leviandade e as questões ociosas os afastam, como, entre

os homens, afastam as pessoas criteriosas; o campo fica,

então, livre à turba dos Espíritos mentirosos e frívolos, sempre

à espreita de ocasiões propícias para zombarem de nós

e se divertirem à nossa custa. Que é o que se dará com uma

questão grave em reuniões de tal ordem? Será respondida;

mas, por quem? Acontece como se a um bando de levianos,

que estejam a divertir-se, propusésseis estas questões: Que

é a alma? Que é a morte? e outras tão recreativas quanto

essas. Se quereis respostas sisudas, haveis de comportar-

-vos com toda a sisudeza, na mais ampla acepção do termo,

e de preencher todas as condições reclamadas. Só assim

obtereis grandes coisas. Sede, além do mais, laboriosos

7a prova A- livro dos espíritos.p65 43 16/09/04, 15:21

44

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os Espíritos

superiores vos abandonarão, como faz um professor com

os discípulos negligentes.

IX

O movimento dos objetos é um fato incontestável. A

questão está em saber se, nesse movimento, há ou não uma

manifestação inteligente e, em caso de afirmativa, qual a

origem dessa manifestação.

Não falamos do movimento inteligente de certos objetos,

nem das comunicações verbais, nem das que o médium

escreve diretamente. Este gênero de manifestações,

evidente para os que viram e aprofundaram o assunto, não

se mostra, à primeira vista, bastante independente da vontade,

para firmar a convicção de um observador novato.

Não trataremos, portanto, senão da escrita obtida com o

auxílio de um objeto qualquer munido de um lápis, como

cesta, prancheta, etc. A maneira pela qual os dedos do

médium repousam sobre os objetos desafia, como atrás dissemos,

a mais consumada destreza de sua parte no intervir,

de qualquer modo, em o traçar das letras. Mas, admitamos

que a alguém, dotado de maravilhosa habilidade, seja

isso possível e que esse alguém consiga iludir o olhar do

observador; como explicar a natureza das respostas, quando

se apresentam fora do quadro das idéias e conhecimentos

do médium? E note-se que não se trata de respostas

monossilábicas, porém, muitas vezes, de numerosas páginas

escritas com admirável rapidez, quer espontaneamente,

quer sobre determinado assunto. De sob os dedos do

médium menos versado em literatura, surgem de quando

7a prova A- livro dos espíritos.p65 44 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

45

em quando poesias de impecáveis sublimidade e pureza,

que os melhores poetas humanos não se dedignariam de

subscrever. O que ainda torna mais estranhos esses fatos é

que ocorrem por toda parte e que os médiuns se multiplicam

ao infinito. São eles reais ou não? Para esta pergunta

só temos uma resposta: vede e observai; não vos faltarão

ocasiões de fazê-lo; mas, sobretudo, observai repetidamente,

por longo tempo e de acordo com as condições exigidas.

Que respondem a essa evidência os antagonistas? —

Sois vítimas do charlatanismo ou joguete de uma ilusão.

Diremos, primeiramente, que a palavra

 

charlatanismo não

cabe onde não há proveito. Os charlatães não fazem grátis

o seu ofício. Seria, quando muito, uma mistificação. Mas,

por que singular coincidência esses mistificadores se achariam

acordes, de um extremo a outro do mundo, para proceder

do mesmo modo, produzir os mesmos efeitos e dar,

sobre os mesmos assuntos e em línguas diversas, respostas

idênticas, senão quanto à forma, pelo menos quanto ao

sentido? Como compreender-se que pessoas austeras, honradas,

instruídas se prestassem a tais manejos? E com que

fim? Como achar em crianças a paciência e a habilidade

necessárias a tais resultados? Porque, se os médiuns não

são instrumentos passivos, indispensáveis se lhes fazem

habilidade e conhecimentos incompatíveis com a idade

infantil e com certas posições sociais.

Dizem então que, se não há fraude, pode haver ilusão

de ambos os lados. Em boa lógica, a qualidade das testemunhas

é de alguma importância. Ora, é aqui o caso de

perguntarmos se a Doutrina Espírita, que já conta milhões

de adeptos, só os recruta entre os ignorantes? Os fenômenos

em que ela se baseia são tão extraordinários que con-

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46

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

cebemos a existência da dúvida. O que, porém, não podemos

admitir é a pretensão de alguns incrédulos, a de terem

o monopólio do bom-senso e que, sem guardarem as conveniências

e respeitarem o valor moral de seus adversários,

tachem, com desplante, de ineptos os que lhes não seguem

o parecer. Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa, a opinião

das que, esclarecidas, observaram durante muito tempo,

estudaram e meditaram uma coisa, constituirá sempre,

quando não uma prova, uma presunção, no mínimo, a seu

favor, visto ter logrado prender a atenção de homens respeitáveis,

que não tinham interesse algum em propagar erros

nem tempo a perder com futilidades.

X

Entre as objeções, algumas há das mais especiosas,

ao menos na aparência, porque tiradas da observação e

feitas por pessoas respeitáveis.

A uma delas serve de base a linguagem de certos Espíritos,

que não parece digna da elevação atribuída a seres

sobrenaturais. Quem se reportar ao resumo da doutrina

acima apresentado, verá que os próprios Espíritos nos ensinam

não haver entre eles igualdade de conhecimentos

nem de qualidades morais, e que não se deve tomar ao pé

da letra tudo quanto dizem. Às pessoas sensatas incumbe

separar o bom do mau. Indubitavelmente, os que desse fato

deduzem que só se comunicam conosco seres malfazejos,

cuja única ocupação consista em nos mistificar, não conhecem

as comunicações que se recebem nas reuniões onde

só se manifestam Espíritos superiores; do contrário, assim

não pensariam. É de lamentar que o acaso os tenha servido

7a prova A- livro dos espíritos.p65 46 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

47

tão mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do

mundo espírita, pois nos repugna supor que uma tendência

simpática atraia para eles, em vez dos bons Espíritos,

os maus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem é de

revoltante grosseria. Poder-se-ia, quando muito, deduzir daí

que a solidez dos princípios dessas pessoas não é bastante

forte para preservá-las do mal e que; achando certo prazer

em lhes satisfazerem a curiosidade, os maus Espíritos disso

se aproveitam para se aproximar delas, enquanto os bons

se afastam.

Julgar a questão dos Espíritos por esses fatos seria

tão pouco lógico, quanto julgar do caráter de um povo pelo

que se diz e faz numa reunião de desatinados ou de gente

de má nota, com os quais não entretêm relações as pessoas

circunspectas nem as sensatas. Os que assim julgam se

colocam na situação do estrangeiro que, chegando a uma

grande capital pelo mais abjeto dos seus arrabaldes, julgasse

de todos os habitantes pelos costumes e linguagem

desse bairro ínfimo. No mundo dos Espíritos também há

uma sociedade boa e uma sociedade má; dignem-se, os que

daquele modo se pronunciam, de estudar o que se passa

entre os Espíritos de escol e se convencerão de que a cidade

celeste não contém apenas a escória popular.

Perguntam eles: os Espíritos de escol descem até nós?

Responderemos: Não fiqueis no subúrbio; vede, observai e

julgareis; os fatos aí estão para todo o mundo. A menos que

lhes sejam aplicáveis estas palavras de Jesus:

 

Têm olhos e

não vêem; têm ouvidos e não ouvem

.

Como variante dessa opinião, temos a dos que não

vêem, nas comunicações espíritas e em todos os fatos mate-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 47 16/09/04, 15:21

48

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

riais a que elas dão lugar, mais do que a intervenção de

uma potência diabólica, novo Proteu que revestiria todas

as formas, para melhor nos enganar. Não a julgamos suscetível

de exame sério, por isso não nos demoramos em

considerá-la. Aliás, ela está refutada pelo que acabamos de

dizer. Acrescentaremos, tão-somente, que, se assim fosse,

forçoso seria convir em que o diabo é às vezes bastante

criterioso e ponderado, sobretudo muito moral; ou, então,

em que também há bons diabos.

Efetivamente, como acreditar que Deus só ao Espírito

do mal permita que se manifeste, para perder-nos, sem nos

dar por contrapeso os conselhos dos bons Espíritos? Se ele

não o pode fazer, não é onipotente; se pode e não o faz,

desmente a sua bondade. Ambas as suposições seriam blasfemas.

Note-se que admitir a comunicação dos maus Espíritos

é reconhecer o princípio das manifestações. Ora, se

elas se dão, não pode deixar de ser com a permissão de

Deus. Como, então, se há de acreditar, sem impiedade, que

Ele só permita o mal, com exclusão do bem? Semelhante

doutrina é contrária às mais simples noções do bom-senso

e da Religião.

XI

Esquisito é, acrescentam, que só se fale dos Espíritos

de personagens conhecidas e perguntam por que são eles

os únicos a se manifestarem. Há ainda aqui um erro, oriundo,

como tantos outros, de superficial observação. Dentre

os Espíritos que vêm espontaneamente, muito maior é, para

nós, o número dos desconhecidos do que o dos ilustres,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 48 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

49

designando-se aqueles por um nome qualquer, muitas vezes

por um nome alegórico ou característico. Quanto aos

que se evocam, desde que não se trate de parente ou amigo,

é muito natural nos dirijamos aos que conhecemos, de

preferência a chamar pelos que nos são desconhecidos. O

nome das personagens ilustres atrai mais a atenção, por

isso é que são notadas.

Acham também singular que os Espíritos dos homens

eminentes acudam familiarmente ao nosso chamado e se

ocupem, às vezes, com coisas insignificantes, comparadas

com as de que cogitavam durante a vida. Nada aí há de surpreendente

para os que sabem que a autoridade, ou a consideração

de que tais homens gozaram neste mundo, nenhuma

supremacia lhes dá no mundo espírita. Nisto, os Espíritos

confirmam estas palavras do Evangelho: “Os grandes serão

rebaixados e os pequenos serão elevados”, devendo esta sentença

entender-se com relação à categoria em que

cada um de nós se achará entre eles. É assim que aquele

que foi primeiro na Terra pode vir a ser lá um dos últimos.

Aquele diante de quem curvávamos aqui a cabeça pode,

portanto, vir falar-nos como o mais humilde operário, pois

que deixou, com a vida terrena, toda a sua grandeza, e o

mais poderoso monarca pode achar-se lá muito abaixo do

último dos seus soldados.

XII

Um fato demonstrado pela observação e confirmado

pelos próprios Espíritos é o de que os Espíritos inferiores

muitas vezes usurpam nomes conhecidos e respeitados.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 49 16/09/04, 15:21

50

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Quem pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por

exemplo, Sócrates, Júlio César, Carlos Magno, Fénelon,

Napoleão, Washington, etc., tenham realmente animado

essas personagens? Esta dúvida existe mesmo entre alguns

adeptos fervorosos da Doutrina Espírita, os quais admitem

a intervenção e a manifestação dos Espíritos, mas inquirem

como se lhes pode comprovar a identidade. Semelhante

prova é, de fato, bem difícil de produzir-se. Conquanto,

porém, não o possa ser de modo tão autêntico como por

uma certidão de registro civil, pode-o ao menos por

presunção, segundo certos indícios.

Quando se manifesta o Espírito de alguém que conhecemos

pessoalmente, de um parente ou de um amigo, por

exemplo, mormente se há pouco tempo que morreu, sucede

geralmente que sua linguagem se revela de perfeito acordo

com o caráter que tinha aos nossos olhos, quando vivo. Já

isso constitui indício de identidade.Não mais, entretanto,

há lugar para dúvidas, desde que o Espírito fala de coisas

particulares, lembra acontecimentos de família, sabidos

unicamente do seu interlocutor. Um filho não se enganará,

decerto, com a linguagem de seu pai ou de sua mãe, nem

pais haverá que se equivoquem quanto à de um filho. Neste

gênero de evocações, passam-se às vezes coisas íntimas

verdadeiramente empolgantes, de natureza a convencerem

o maior incrédulo. O mais obstinado céptico fica, não raro,

aterrado com as inesperadas revelações que lhe são feitas.

Outra circunstância muito característica acode em

apoio da identidade. Dissemos que a caligrafia do médium

muda, em geral, quando outro passa a ser o Espírito evocado

e que a caligrafia é sempre a mesma quando o mesmo

Espírito se apresenta. Tem-se verificado inúmeras vezes,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 50 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

51

sobretudo se se trata de pessoas mortas recentemente, que

a escrita denota flagrante semelhança com a dessa pessoa

em vida. Assinaturas se hão obtido de exatidão perfeita.

Longe estamos, todavia, de querer apontar esse fato como

regra e menos ainda como regra constante. Mencionamo-lo

apenas como digno de nota.

Só os Espíritos que atingiram certo grau de purificação

se acham libertos de toda influência corporal. Quando

ainda não estão completamente desmaterializados (é a expressão

de que usam) conservam a maior parte das idéias,

dos pendores e até das

 

manias que tinham na Terra, o que

também constitui um meio de reconhecimento, ao qual

igualmente se chega por uma imensidade de fatos minuciosos,

que só uma observação acurada e detida pode revelar.

Vêem-se escritores a discutir suas próprias obras ou

doutrinas, a aprovar ou condenar certas partes delas; outros

a lembrar circunstâncias ignoradas, ou quase desconhecidas

de suas vidas ou de suas mortes, toda sorte de

particularidades, enfim, que são, quando nada, provas

morais de identidade, únicas invocáveis, tratando-se de

coisas abstratas.

Ora, se a identidade de um Espírito evocado pode, até

certo ponto, ser estabelecida em alguns casos, razão não

há para que não o seja em outros; e se, com relação a pessoas,

cuja morte data de muito tempo, não se têm os mesmos

meios de verificação, resta sempre o da linguagem e do

caráter, porquanto, inquestionavelmente, o Espírito de um

homem de bem não falará como o de um perverso ou de

um devasso. Quanto aos Espíritos que se apropriam

de nomes respeitáveis, esses se traem logo pela linguagem

7a prova A- livro dos espíritos.p65 51 16/09/04, 15:21

52

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

que empregam e pelas máximas que formulam. Um que se

dissesse Fénelon, por exemplo, e que, ainda quando apenas

acidentalmente ofendesse o bom-senso e a moral, mostraria,

por esse simples fato, o embuste. Se, ao contrário,

forem sempre puros os pensamentos que exprima, sem contradições

e constantemente à altura do caráter de Fénelon,

não há motivo para que se duvide da sua identidade. De

outra forma, havíamos de supor que um Espírito que só

prega o bem é capaz de mentir conscientemente e, ainda

mais, sem utilidade alguma.

A experiência nos ensina que os Espíritos da mesma

categoria, do mesmo caráter e possuídos dos mesmos sentimentos

formam grupos e famílias. Ora, incalculável é o

número dos Espíritos e longe estamos de conhecê-los a todos;

a maior parte deles não têm mesmo nomes para nós.

Nada, pois, impede que um Espírito da categoria de Fénelon

venha em seu lugar, muitas vezes até como seu mandatário.

Apresenta-se então com o seu nome, porque lhe é idêntico

e pode substituí-lo e ainda porque precisamos de um

nome para fixar as nossas idéias. Mas, que importa, afinal,

seja um Espírito, realmente ou não, o de Fénelon? Desde

que tudo o que ele diz é bom e que fala como o teria feito o

próprio Fénelon, é um bom Espírito. Indiferente é o nome

pelo qual se dá a conhecer, não passando muitas vezes de

um meio de que lança mão para nos fixar as idéias. O mesmo,

entretanto, não é admissível nas evocações íntimas;

mas, aí, como dissemos há pouco, se consegue estabelecer

a identidade por provas de certo modo patentes.

Inegavelmente a substituição dos Espíritos pode dar

lugar a uma porção de equívocos, ocasionar erros e, amiú-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 52 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

53

de, mistificações. Essa é uma das dificuldades do

 

Espiritismo

prático

. Nunca, porém, dissemos que esta ciência fosse

fácil, nem que se pudesse aprendê-la brincando, o que, aliás,

não é possível, qualquer que seja a ciência. Jamais teremos

repetido bastante que ela demanda estudo assíduo e por

vezes muito prolongado. Não sendo lícito provocarem-se os

fatos, tem-se que esperar que eles se apresentem por si

mesmos. Freqüentemente ocorrem por efeito de circunstâncias

em que se não pensa. Para o observador atento e

paciente os fatos abundam, por isso que ele descobre milhares

de matizes característicos, que são verdadeiros raios

de luz. O mesmo se dá com as ciências comuns. Ao passo

que o homem superficial não vê numa flor mais do que

uma forma elegante, o sábio descobre nela tesouros para o

pensamento.

XIII

As observações que aí ficam nos levam a dizer alguma

coisa acerca de outra dificuldade, a da divergência que se

nota na linguagem dos Espíritos.

Diferindo estes muito uns dos outros, do ponto de vista

dos conhecimentos e da moralidade, é evidente que uma

questão pode ser por eles resolvida em sentidos opostos,

conforme a categoria que ocupam, exatamente como sucederia,

entre os homens, se a propusessem ora a um sábio,

ora a um ignorante, ora a um gracejador de mau gosto.

O ponto essencial, temo-lo dito, é sabermos a quem nos

dirigimos.

Mas, ponderam, como se explica que os tidos por Espíritos

de ordem superior nem sempre estejam de acordo?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 53 16/09/04, 15:21

54

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Diremos, em primeiro lugar, que, independentemente da

causa que vimos de assinalar, outras há de molde a exercerem

certa influência sobre a natureza das respostas, abstração

feita da probidade dos Espíritos. Este é um ponto

capital, cuja explicação alcançaremos pelo estudo. Por isso

é que dizemos que estes estudos requerem atenção demorada,

observação profunda e, sobretudo, como aliás o exigem

todas as ciências humanas, continuidade e perseverança.

Anos são precisos para formar-se um médico

medíocre e três quartas partes da vida para chegar-se a ser

um sábio. Como pretender-se em algumas horas adquirir a

Ciência do Infinito? Ninguém, pois, se iluda: o estudo do

Espiritismo é imenso; interessa a todas as questões da

metafísica e da ordem social; é um mundo que se abre

diante de nós. Será de admirar que o efetuá-lo demande

tempo, muito tempo mesmo?

A contradição, demais, nem sempre é tão real quanto

possa parecer. Não vemos todos os dias homens que professam

a mesma ciência divergirem na definição que dão

de uma coisa, quer empreguem termos diferentes, quer a

encarem de pontos de vista diversos, embora seja sempre

a mesma a idéia fundamental? Conte quem puder as definições

que se têm dado de gramática! Acrescentaremos que

a forma da resposta depende muitas vezes da forma da questão.

Pueril, portanto, seria apontar contradição onde freqüentemente

só há diferença de palavras. Os Espíritos

superiores não se preocupam absolutamente com a forma.

Para eles, o fundo do pensamento é tudo.

Tomemos, por exemplo, a definição de alma. Carecendo

este termo de uma acepção invariável, compreende-se

7a prova A- livro dos espíritos.p65 54 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

55

que os Espíritos, como nós, divirjam na definição que dela

dêem: um poderá dizer que é o princípio da vida, outro chamar-

lhe centelha anímica, um terceiro afirmar que ela é

interna, que é externa, etc., tendo todos razão, cada um do

seu ponto de vista. Poder-se-á mesmo crer que alguns deles

professem doutrinas materialistas e, todavia, não ser

assim. Outro tanto acontece relativamente a

 

Deus. Será: o

princípio de todas as coisas, o criador do Universo, a inteligência

suprema, o infinito, o grande Espírito, etc., etc. Em

definitivo, será sempre Deus. Citemos, finalmente, a classificação

dos Espíritos. Eles formam uma série ininterrupta,

desde o mais ínfimo grau até o grau superior. A classificação

é, pois, arbitrária. Um, grupá-los-á em três classes,

outro em cinco, dez ou vinte, à vontade, sem que nenhum

esteja em erro. Todas as ciências humanas nos oferecem

idênticos exemplos. Cada sábio tem o seu sistema; os sistemas

mudam, a Ciência, porém, não muda. Aprenda-se a

botânica pelo sistema de Linneu, ou pelo de Jussieu, ou

pelo de Tournefort, nem por isso se saberá menos botânica.

Deixemos, conseguintemente, de emprestar a coisas de

pura convenção mais importância do que merecem, para

só nos atermos ao que é verdadeiramente importante e,

não raro, a reflexão fará se descubra, no que pareça disparate,

uma similitude que escapara a um primeiro exame.

XIV

Passaríamos de longe pela objeção que fazem alguns

cépticos, a propósito das faltas ortográficas que certos Espíritos

cometem, se ela não oferecesse margem a uma observação

essencial. A ortografia deles, cumpre dizê-lo, nem

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56

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

sempre é irreprochável; mas, grande escassez de razões seria

mister para se fazer disso objeto de crítica séria, dizendo

que, visto saberem tudo, os Espíritos devem saber ortografia.

Poderíamos opor-lhes os múltiplos pecados desse gênero

cometidos por mais de um sábio da Terra, o que, entretanto,

em nada lhes diminui o mérito. Há, porém, no

fato, uma questão mais grave. Para os Espíritos, principalmente

para os Espíritos superiores, a idéia é tudo, a forma

nada vale. Livres da matéria, a linguagem de que usam

entre si é rápida como o pensamento, porquanto são os

próprios pensamentos que se comunicam sem intermediário.

Muito pouco à vontade hão de eles se sentirem, quando

obrigados, para se comunicarem conosco, a utilizarem-se

das formas longas e embaraçosas da linguagem humana e

a lutarem com a insuficiência e a imperfeição dessa linguagem,

para exprimirem todas as idéias. É o que eles próprios

declaram. Por isso mesmo, bastante curiosos são os meios

de que se servem com freqüência para obviarem a esse inconveniente.

O mesmo se daria conosco, se houvéssemos

de exprimir-nos num idioma de vocábulos e fraseados mais

longos e de maior pobreza de expressões do que o de que

usamos. É o embaraço que experimenta o homem de gênio,

para quem constitui motivo de impaciência a lentidão da

sua pena sempre muito atrasada no lhe acompanhar o pensamento.

Compreende-se, diante disto, que os Espíritos liguem

pouca importância à puerilidade da ortografia, mormente

quando se trata de ensino profundo e grave. Já não

é maravilhoso que se exprimam indiferentemente em todas

as línguas e que as entendam todas? Não se conclua daí,

todavia, que desconheçam a correção convencional da lin-

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INTRODUÇÃO

 

57

guagem. Observam-na, quando necessário. Assim é, por

exemplo, que a poesia por eles ditada desafiaria quase sempre

a crítica do mais meticuloso purista,

 

a despeito da ignorância

do médium

.

XV

Há também pessoas que vêem perigo por toda parte e

em tudo o que não conhecem. Daí a pressa com que, do

fato de haverem perdido a razão alguns dos que se entregaram

a estes estudos, tiram conclusões desfavoráveis ao

Espiritismo. Como é que homens sensatos enxergam nisto

uma objeção valiosa? Não se dá o mesmo com todas as

preocupações de ordem intelectual que empolguem um cérebro

fraco? Quem será capaz de precisar quantos loucos e

maníacos os estudos da matemática, da medicina, da música,

da filosofia e outros têm produzido? Dever-se-ia, em

conseqüência, banir esses estudos? Que prova isso? Nos

trabalhos corporais, estropiam-se os braços e as pernas,

que são os instrumentos da ação material; nos trabalhos

da inteligência, estropia-se o cérebro, que é o do pensamento.

Mas, por se haver quebrado o instrumento, não se

segue que o mesmo tenha acontecido ao Espírito. Este permanece

intacto e, desde que se liberte da matéria, gozará,

tanto quanto qualquer outro, da plenitude das suas faculdades.

No seu gênero, ele é, como homem, um mártir do

trabalho.

Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar

a loucura: as ciências, as artes e até a religião lhe

fornecem contingentes. A loucura tem como causa primá-

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58

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

ria uma predisposição orgânica do cérebro, que o torna mais

ou menos acessível a certas impressões. Dada a predisposição

para a loucura, esta tomará o caráter de preocupação

principal, que então se muda em idéia fixa, podendo tanto

ser a dos Espíritos, em quem com eles se ocupou, como a

de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma

arte, de uma ciência, da maternidade, de um sistema político

ou social. Provavelmente, o louco religioso se houvera

tornado um louco espírita, se o Espiritismo fora a sua

preocupação dominante, do mesmo modo que o louco

espírita o seria sob outra forma, de acordo com as

circunstâncias.

Digo, pois, que o Espiritismo não tem privilégio algum

a esse respeito. Vou mais longe: digo que, bem compreendido,

ele é um preservativo contra a loucura.

Entre as causas mais comuns de sobreexcitação cerebral,

devem contar-se as decepções, os infortúnios, as afeições

contrariadas, que, ao mesmo tempo, são as causas

mais freqüentes de suicídio. Ora, o verdadeiro espírita vê

as coisas deste mundo de um ponto de vista tão elevado;

elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas, a par do

futuro que o aguarda; a vida se lhe mostra tão curta, tão

fugaz, que, aos seus olhos, as tribulações não passam de

incidentes desagradáveis, no curso de uma viagem. O que,

em outro, produziria violenta emoção, mediocremente o afeta.

Demais, ele sabe que as amarguras da vida são provas

úteis ao seu adiantamento, se as sofrer sem murmurar,

porque será recompensado na medida da coragem com que

as houver suportado. Suas convicções lhe dão, assim, uma

resignação que o preserva do desespero e, por conseguinte,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 58 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

59

de uma causa permanente de loucura e suicídio. Conhece

também, pelo espetáculo que as comunicações com os Espíritos

lhe proporcionam, qual a sorte dos que voluntariamente

abreviam seus dias e esse quadro é bem de molde a

fazê-lo refletir, tanto que a cifra muito considerável já ascende

o número dos que foram detidos em meio desse declive

funesto. Este é um dos resultados do Espiritismo. Riam

quanto queiram os incrédulos. Desejo-lhes as consolações

que ele prodigaliza a todos os que se hão dado ao trabalho

de lhe sondar as misteriosas profundezas.

Cumpre também colocar entre as causas da loucura o

pavor, sendo que o do diabo já desequilibrou mais de um

cérebro. Quantas vítimas não têm feito os que abalam imaginações

fracas com esse quadro, que cada vez mais pavoroso

se esforçam por tornar, mediante horríveis pormenores?

O diabo, dizem, só mete medo a crianças, é um freio

para fazê-las ajuizadas. Sim, é, do mesmo modo que o papão

e o lobisomem. Quando, porém, elas deixam de ter medo,

estão piores do que dantes. E, para alcançar-se tão belo

resultado, não se levam em conta as inúmeras epilepsias

causadas pelo abalo de cérebros delicados. Bem frágil seria

a religião se, por não infundir terror, sua força pudesse ficar

comprometida. Felizmente, assim não é. De outros meios

dispõe ela para atuar sobre as almas. Mais eficazes e mais

sérios são os que o Espiritismo lhe faculta, desde que ela os

saiba utilizar. Ele mostra a realidade das coisas e só com

isso neutraliza os funestos efeitos de um temor exagerado.

XVI

Resta-nos ainda examinar duas objeções, únicas que

realmente merecem este nome, porque se baseiam em teorias

7a prova A- livro dos espíritos.p65 59 16/09/04, 15:21

60

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

racionais. Ambas admitem a realidade de todos os fenômenos

materiais e morais, mas excluem a intervenção dos Espíritos.

Segundo a primeira dessas teorias, todas as manifestações

atribuídas aos Espíritos não seriam mais do que efeitos

magnéticos. Os médiuns se achariam num estado a que

se poderia chamar sonambulismo desperto, fenômeno de

que podem dar testemunho todos os que hão estudado o

magnetismo. Nesse estado, as faculdades intelectuais adquirem

um desenvolvimento anormal; o círculo das operações

intuitivas se amplia para além das raias da nossa concepção

ordinária. Assim sendo, o médium tiraria de si

mesmo e por efeito da sua lucidez tudo o que diz e todas as

noções que transmite, mesmo sobre os assuntos que mais

estranhos lhe sejam, quando no estado habitual.

Não seremos nós quem conteste o poder do sonambulismo,

cujos prodígios observamos, estudando-lhe todas as

fases durante mais de trinta e cinco anos. Concordamos

em que, efetivamente, muitas manifestações espíritas são

explicáveis por esse meio. Contudo, uma observação cuidadosa

e prolongada mostra grande cópia de fatos em que

a intervenção do médium, a não ser como instrumento passivo,

é materialmente impossível. Aos que partilham dessa

opinião, como aos outros, diremos: “Vede e observai, porque

certamente ainda não vistes tudo.” Opor-lhes-emos,

em seguida, duas considerações tiradas da própria doutrina

deles. Donde veio a teoria espírita? É um sistema imaginado

por alguns homens para explicar os fatos? De modo

algum. Quem então a revelou? Precisamente esses mesmos

médiuns cuja lucidez exaltais. Ora, se essa lucidez é

tal como a supondes, por que teriam eles atribuído aos Espíritos

o que em si mesmos hauriam? Como teriam dado,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 60 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

61

sobre a natureza dessas inteligências extra-humanas, as

informações precisas, lógicas e tão sublimes, que conhecemos?

Uma de duas: ou eles são lúcidos, ou não o são. Se o

são e se se pode confiar na sua veracidade, não haveria

meio de admitir-se, sem contradição, que não estejam com

a verdade. Em segundo lugar, se todos os fenômenos

promanassem do médium, seriam sempre idênticos num

determinado indivíduo; jamais se veria a mesma pessoa usar

de uma linguagem disparatada, nem exprimir alternativamente

as coisas mais contraditórias. Esta falta de unidade

nas manifestações obtidas pelo mesmo médium prova a diversidade

das fontes. Ora, desde que não as podemos encontrar

todas nele, forçoso é que as procuremos fora dele.

Segundo outra opinião, o médium é a única fonte produtora

de todas as manifestações; mas, em vez de extraí-las

de si mesmo, como o pretendem os partidários da teoria

sonambúlica, ele as toma ao meio ambiente. O médium

será então uma espécie de espelho a refletir todas as idéias,

todos os pensamentos e todos os conhecimentos das pessoas

que o cercam; nada diria que não fosse conhecido,

pelo menos, de algumas destas. Não é lícito negar-se, e isso

constitui mesmo um princípio da doutrina, a influência que

os assistentes exercem sobre a natureza das manifestações.

Esta influência, no entanto, difere muito da que supõem

existir, e, dela à que faria do médium um eco dos pensamentos

daqueles que o rodeiam, vai grande distância, porquanto

milhares de fatos demonstram o contrário. Há, pois,

nessa maneira de pensar, grave erro, que uma vez mais

prova o perigo das conclusões prematuras. Sendo-lhes impossível

negar a realidade de um fenômeno que a ciência

vulgar não pode explicar e não querendo admitir a presen-

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62

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

ça dos Espíritos, os que assim opinam o explicam a seu

modo. Seria especiosa a teoria que sustentam, se pudesse

abranger todos os fatos. Tal, entretanto, não se dá. Quando

se lhes demonstra, até à evidência, que certas comunicações

do médium são completamente estranhas aos pensamentos,

aos conhecimentos, às opiniões mesmo de todos

os assistentes, que essas comunicações freqüentemente são

espontâneas e contradizem todas as idéias preconcebidas,

ah! eles não se embaraçam com tão pouca coisa. Respondem

que a irradiação vai muito além do círculo imediato

que nos envolve; o médium é o reflexo de toda a Humanidade,

de tal sorte que, se as inspirações não lhe vêm dos que

se acham a seu lado, ele as vai beber fora, na cidade, no

país, em todo o globo e até nas outras esferas.

Não me parece que em semelhante teoria se encontre

explicação mais simples e mais provável que a do Espiritismo,

visto que ela se baseia numa causa bem mais maravilhosa.

A idéia de que seres que povoam os espaços e que,

em contacto conosco, nos comunicam seus pensamentos,

nada tem que choque mais a razão do que a suposição

dessa irradiação universal, vindo, de todos os pontos do

Universo, concentrar-se no cérebro de um indivíduo.

Ainda uma vez, e este é ponto capital sobre que nunca

insistiremos bastante: a teoria sonambúlica e a que se poderia

chamar

 

refletiva foram imaginadas por alguns homens;

são opiniões individuais, criadas para explicar um fato, ao

passo que a Doutrina dos Espíritos não é de concepção

humana. Foi ditada pelas próprias inteligências que se manifestam,

quando ninguém disso cogitava, quando até a

opinião geral a repelia. Ora, perguntamos, onde foram os

médiuns beber uma doutrina que não passava pelo pensa-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 62 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

63

mento de ninguém na Terra? Perguntamos ainda mais: por

que estranha coincidência milhares de médiuns espalhados

por todos os pontos do globo terráqueo, e que jamais se

viram, acordaram em dizer a mesma coisa? Se o primeiro

médium que apareceu na França sofreu a influência de

opiniões já aceitas na América, por que singularidade foi

ele buscá-las a 2.000 léguas além-mar e no seio de um

povo tão diferente pelos costumes e pela linguagem, em vez

de as tomar ao seu derredor?

Também ainda há outra circunstância em que não se

tem atentado muito. As primeiras manifestações, na França,

como na América, não se verificaram por meio da escrita

nem da palavra, e, sim, por pancadas concordantes com

as letras do alfabeto e formando palavras e frases. Foi por

esse meio que as inteligências, autoras das manifestações,

se declararam Espíritos. Ora, dado se pudesse supor a intervenção

do pensamento dos médiuns nas comunicações

verbais ou escritas, outro tanto não seria lícito fazer-se com

relação às pancadas, cuja significação não podia ser

conhecida de antemão.

Poderíamos citar inúmeros fatos que demonstram, na

inteligência que se manifesta, uma individualidade evidente

e uma absoluta independência de vontade. Recomendamos,

portanto, aos dissidentes, observação mais cuidadosa

e, se quiserem estudar bem, sem prevenções, e não

formular conclusões antes de terem visto tudo, reconhecerão

a impotência de sua teoria para tudo explicar.

Limitar-nos-emos a propor as questões seguintes: Por que

é que a inteligência que se manifesta, qualquer que ela seja,

recusa responder a certas perguntas sobre assuntos perfeitamente

conhecidos, como, por exemplo, sobre o nome

7a prova A- livro dos espíritos.p65 63 16/09/04, 15:21

64

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

ou a idade do interlocutor, sobre o que ele tem na mão, o

que fez na véspera, o que pensa fazer no dia seguinte, etc.?

Se o médium fosse o espelho do pensamento dos assistentes,

nada lhe seria mais fácil do que responder.

A esse argumento retrucam os adversários, perguntando,

a seu turno, por que os Espíritos, que devem saber

tudo, não podem dizer coisa tão simples, de acordo com o

axioma:

 

Quem pode o mais pode o menos, e daí concluem

que não são os Espíritos os que respondem. Se um ignorante

ou um zombador, apresentando-se a uma douta assembléia,

perguntasse, por exemplo, por que é dia às doze

horas, acreditará alguém que ela se daria o incômodo de

responder seriamente e fora lógico que, do seu silêncio ou

das zombarias com que pagasse ao interrogante, se concluísse

serem tolos os seus membros? Ora, exatamente

porque os Espíritos são superiores, é que não respondem a

questões ociosas ou ridículas e não consentem em ir para

a berlinda; é por isso que se calam ou declaram que só se

ocupam com coisas sérias.

Perguntaremos, finalmente, por que é que os Espíritos

vêm e vão-se, muitas vezes, em dado momento e, passado

este, não há pedidos, nem súplicas que os façam voltar? Se

o médium obrasse unicamente por impulsão mental dos

assistentes, é claro que, em tal circunstância, o concurso

de todas as vontades reunidas haveria de estimular-lhe a

clarividência. Desde, portanto, que não cede ao desejo da

assembléia, corroborado pela própria vontade dele, é que o

médium obedece a uma influência que lhe é estranha e aos

que o cercam, influência que, por esse simples fato, testifica

da sua independência e da sua individualidade.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 64 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

65

XVII

O cepticismo, no tocante à Doutrina Espírita, quando

não resulta de uma oposição sistemática por interesse,

origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos

fatos, o que não obsta a que alguns cortem a questão como

se a conhecessem a fundo. Pode-se ter muito atilamento,

muita instrução mesmo, e carecer-se de bom-senso. Ora, o

primeiro indício da falta de bom-senso está em crer alguém

infalível o seu juízo. Muita gente também há para quem as

manifestações espíritas nada mais são do que objeto de

curiosidade. Confiamos em que, lendo este livro, encontrarão

nesses extraordinários fenômenos alguma coisa mais

do que simples passatempo.

A ciência espírita compreende duas partes: experimental

uma, relativa às manifestações em geral; filosófica, outra,

relativa às manifestações inteligentes. Aquele que apenas

haja observado a primeira se acha na posição de quem

não conhecesse a Física senão por experiências recreativas,

sem haver penetrado no âmago da ciência. A verdadeira

Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram,

e os conhecimentos que esse ensino comporta são por

demais profundos e extensos para serem adquiridos de

qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito

no silêncio e no recolhimento. Porque, só dentro desta condição

se pode observar um número infinito de fatos e particularidades

que passam despercebidos ao observador superficial,

e firmar opinião. Não produzisse este livro outro

resultado além do de mostrar o lado sério da questão e de

provocar estudos neste sentido e rejubilaríamos por haver

sido eleito para executar uma obra em que, aliás, nenhum

7a prova A- livro dos espíritos.p65 65 16/09/04, 15:21

66

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

mérito pessoal pretendemos ter, pois que os princípios nela

exarados não são de criação nossa. O mérito que apresenta

cabe todo aos Espíritos que a ditaram. Esperamos que dará

outro resultado, o de guiar os homens que desejem esclarecer-

se, mostrando-lhes, nestes estudos, um fim grande e

sublime: o do progresso individual e social e o de lhes

indicar o caminho que conduz a esse fim.

Concluamos, fazendo uma última consideração. Alguns

astrônomos, sondando o espaço, encontraram, na distribuição

dos corpos celestes, lacunas não justificadas e em

desacordo com as leis do conjunto. Suspeitaram que essas

lacunas deviam estar preenchidas por globos que lhes tinham

escapado à observação. De outro lado, observaram

certos efeitos, cuja causa lhes era desconhecida e disseram:

Deve haver ali um mundo, porquanto esta lacuna não

pode existir e estes efeitos hão de ter uma causa. Julgando

então da causa pelo efeito, conseguiram calcular-lhe os elementos

e mais tarde os fatos lhes vieram confirmar as previsões.

Apliquemos este raciocínio a outra ordem de idéias.

Se se observa a série dos seres, descobre-se que eles formam

uma cadeia sem solução de continuidade, desde a

matéria bruta até o homem mais inteligente. Porém, entre

o homem e Deus, alfa e ômega de todas as coisas, que imensa

lacuna! Será racional pensar-se que no homem terminam

os anéis dessa cadeia e que ele transponha sem transição

a distância que o separa do infinito? A razão nos diz

que entre o homem e Deus outros elos necessariamente

haverá, como disse aos astrônomos que, entre os mundos

conhecidos, outros haveria, desconhecidos. Que filosofia já

preencheu essa lacuna? O Espiritismo no-la mostra preenchida

pelos seres de todas as ordens do mundo invisível e

7a prova A- livro dos espíritos.p65 66 16/09/04, 15:21

INTRODUÇÃO

 

67

estes seres não são mais do que os Espíritos dos homens,

nos diferentes graus que levam à perfeição. Tudo então se

liga, tudo se encadeia, desde o alfa até o ômega. Vós, que

negais a existência dos Espíritos, preenchei o vácuo

que eles ocupam. E vós, que rides deles, ousai rir das obras

de Deus e da sua onipotência!

A

 

LLAN KARDEC.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 67 16/09/04, 15:21

Fenômenos alheios às leis da ciência humana se dão

por toda parte, revelando na causa que os produz a ação de

uma vontade livre e inteligente.

A razão diz que um efeito inteligente há de ter como

causa uma força inteligente e os fatos hão provado que essa

força é capaz de entrar em comunicação com os homens

por meio de sinais materiais.

Interrogada acerca da sua natureza, essa força declarou

pertencer ao mundo dos seres espirituais que se despojaram

do invólucro corporal do homem. Assim é que foi

revelada a Doutrina dos Espíritos.

As comunicações entre o mundo espírita e o mundo

corpóreo estão na ordem natural das coisas e não constituem

fato sobrenatural, tanto que de tais comunicações se

acham vestígios entre todos os povos e em todas as épocas.

Hoje se generalizaram e tornaram patentes a todos.

Os Espíritos anunciam que chegaram os tempos marcados

pela Providência para uma manifestação universal e

que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de sua

vontade, têm por missão instruir e esclarecer os homens,

abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.

Prolegômenos

7a prova A- livro dos espíritos.p65 68 16/09/04, 15:21

PROLEGÔMENOS

 

69

Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito

por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para

estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta

dos preconceitos do espírito de sistema. Nada contém

que não seja a expressão do pensamento deles e que não

tenha sido por eles examinado. Só a ordem e a distribuição

metódica das matérias, assim como as notas e a forma de

algumas partes da redação constituem obra daquele que

recebeu a missão de os publicar.

Em o número dos Espíritos que concorreram para a

execução desta obra, muitos se contam que viveram, em

épocas diversas, na Terra, onde pregaram e praticaram a

virtude e a sabedoria. Outros, pelos seus nomes, não pertencem

a nenhuma personagem, cuja lembrança a História

guarde, mas cuja elevação é atestada pela pureza de seus

ensinamentos e pela união em que se acham com os que

usam de nomes venerados.

Eis em que termos nos deram, por escrito e por muitos

médiuns, a missão de escrever este livro:

“Ocupa-te, cheio de zelo e perseverança, do trabalho

que empreendeste com o nosso concurso, pois esse trabalho

é nosso. Nele pusemos as bases de um novo edifício que

se eleva e que um dia há de reunir todos os homens num

mesmo sentimento de amor e caridade. Mas, antes de o

divulgares, revê-lo-emos juntos, a fim de lhe verificarmos

todas as minúcias.

“Estaremos contigo sempre que o pedires, para te ajudarmos

nos teus trabalhos, porquanto esta é apenas uma

parte da missão que te está confiada e que já um de nós te

revelou.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 69 16/09/04, 15:21

70

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Entre os ensinos que te são dados, alguns há que

deves guardar para ti somente, até nova ordem. Quando

chegar o momento de os publicares, nós to diremos. Enquanto

esperas, medita sobre eles, a fim de estares pronto

quando te dissermos.

“Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos

 

1,

porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se

acham reunidos todos os princípios materiais que melhor

podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o

espírito é o licor; a alma ou espírito ligado à matéria é

o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e

tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito

adquire conhecimentos.

“Não te deixes desanimar pela crítica. Encontrarás

contraditores encarniçados, sobretudo entre os que têm

interesse nos abusos. Encontrá-los-ás mesmo entre os Espíritos,

por isso que os que ainda não estão completamente

desmaterializados procuram freqüentemente semear a dúvida

por malícia ou ignorância. Prossegue sempre. Crê em

Deus e caminha com confiança: aqui estaremos para te

amparar e vem próximo o tempo em que a Verdade brilhará

de todos os lados.

“A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e

tudo querem explicar a seu modo, dará nascimento a opiniões

dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista o

grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento:

o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno,

1

 

A cepa que se vê na pág. 68 é o fac-símile da que os Espíritos

desenharam.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 70 16/09/04, 15:21

PROLEGÔMENOS

 

71

que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as

miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com

o que é essencial. E a doutrina será sempre a mesma, quanto

ao fundo, para todos os que receberem comunicações

de Espíritos superiores.

“Com a perseverança é que chegarás a colher os frutos

de teus trabalhos. O prazer que experimentarás, vendo a

doutrina propagar-se e bem compreendida, será uma recompensa,

cujo valor integral conhecerás, talvez mais no

futuro do que no presente. Não te inquietes, pois, com os

espinhos e as pedras que os incrédulos ou os maus acumularão

no teu caminho. Conserva a confiança: com ela

chegarás ao fim e merecerás ser sempre ajudado.

“Lembra-te de que os Bons Espíritos só dispensam assistência

aos que servem a Deus com humildade e desinteresse

e que repudiam a todo aquele que busca na senda do

Céu um degrau para conquistar as coisas da Terra; que

se afastam do orgulhoso e do ambicioso. O orgulho e a ambição

serão sempre uma barreira erguida entre o homem e

Deus. São um véu lançado sobre as claridades celestes,

e Deus não pode servir-se do cego para fazer perceptível

a luz.”

São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de

Paulo, São Luís, O Espírito de Verdade, Sócrates, Platão,

Fénelon, Franklin, Swedenborg, etc., etc.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 71 16/09/04, 15:21

P A R T E P R I M E I R A

Das causas primárias

CAPÍTULO I

 

DE DEUS

CAPÍTULO II

 

DOS ELEMENTOS GERAIS DO UNIVERSO

CAPÍTULO III

 

DA CRIAÇÃO

CAPÍTULO IV

 

DO PRINCÍPIO VITAL

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C A P Í T U L O I

De Deus

 

 

Deus e o infinito

 

 

Provas da existência de Deus

 

 

Atributos da Divindade

 

 

Panteísmo

D

 

EUS E O INFINITO

1.

Que é Deus?

“Deus é a inteligência suprema, causa primária de

todas as coisas.”

 

1 (Vide Nota Especial nº 1, da Editora (FEB),

à pág. 604.)

2.

Que se deve entender por infinito?

“O que não tem começo nem fim: o desconhecido; tudo

o que é desconhecido é infinito.”

1

 

O texto colocado entre aspas, em seguida às perguntas, é a resposta

que os Espíritos deram. Para destacar as notas e explicações

aditadas pelo autor, quando haja possibilidade de serem confundidas

com o texto da resposta, empregou-se um outro tipo menor.

Quando formam capítulos inteiros, sem ser possível a confusão, o

mesmo tipo usado para as perguntas e respostas foi o empregado.

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74

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

3.

Poder-se-ia dizer que Deus é o infinito?

“Definição incompleta. Pobreza da linguagem humana,

insuficiente para definir o que está acima da linguagem

dos homens.”

Deus é infinito em suas perfeições, mas o infinito é uma

abstração. Dizer que Deus é o

 

infinito é tomar o atributo de

uma coisa pela coisa mesma, é definir uma coisa que não está

conhecida por uma outra que não o está mais do que a primeira.

P

 

ROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

4.

Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?

“Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há

efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é

obra do homem e a vossa razão responderá.”

Para crer-se em Deus, basta se lance o olhar sobre as obras

da Criação. O Universo existe, logo tem uma causa. Duvidar da

existência de Deus é negar que todo efeito tem uma causa e

avançar que o nada pôde fazer alguma coisa.

5.

Que dedução se pode tirar do sentimento instintivo, que

todos os homens trazem em si, da existência de Deus?

“A de que Deus existe; pois, donde lhes viria esse sentimento,

se não tivesse uma base? É ainda uma conseqüência

do princípio — não há efeito sem causa.”

6.

O sentimento íntimo que temos da existência de Deus não

poderia ser fruto da educação, resultado de idéias adquiridas?

“Se assim fosse, por que existiria nos vossos selvagens

esse sentimento?”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 74 16/09/04, 15:21

DE DEUS

 

75

Se o sentimento da existência de um ser supremo fosse tão-

-somente produto de um ensino, não seria universal e não existiria

senão nos que houvessem podido receber esse ensino, conforme

se dá com as noções científicas.

7.

Poder-se-ia achar nas propriedades íntimas da matéria a

causa primária da formação das coisas?

“Mas, então, qual seria a causa dessas propriedades?

É indispensável sempre uma causa primária.”

Atribuir a formação primária das coisas às propriedades íntimas

da matéria seria tomar o efeito pela causa, porquanto essas

propriedades são, também elas, um efeito que há de ter uma causa.

8.

Que se deve pensar da opinião dos que atribuem a formação

primária a uma combinação fortuita da matéria, ou,

por outra, ao acaso?

“Outro absurdo! Que homem de bom-senso pode

considerar o acaso um ser inteligente? E, demais, que é o

acaso? Nada.”

A harmonia existente no mecanismo do Universo patenteia

combinações e desígnios determinados e, por isso mesmo, revela

um poder inteligente. Atribuir a formação primária ao acaso é

insensatez, pois que o acaso é cego e não pode produzir os efeitos

que a inteligência produz. Um acaso inteligente já não seria acaso.

9.

Em que é que, na causa primária, se revela uma inteligência

suprema e superior a todas as inteligências?

“Tendes um provérbio que diz: Pela obra se reconhece

o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor. O orgulho

é que gera a incredulidade. O homem orgulhoso nada

7a prova A- livro dos espíritos.p65 75 16/09/04, 15:21

76

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

admite acima de si. Por isso é que ele se denomina a si

mesmo de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus

pode abater!”

Do poder de uma inteligência se julga pelas suas obras. Não

podendo nenhum ser humano criar o que a Natureza produz, a

causa primária é, conseguintemente, uma inteligência superior à

Humanidade.

Quaisquer que sejam os prodígios que a inteligência humana

tenha operado, ela própria tem uma causa e, quanto maior for

o que opere, tanto maior há de ser a causa primária. Aquela inteligência

superior é que é a causa primária de todas as coisas, seja

qual for o nome que lhe dêem.

A

 

TRIBUTOS DA DIVINDADE

10.

Pode o homem compreender a natureza íntima de Deus?

“Não; falta-lhe para isso o sentido.”

11.

Será dado um dia ao homem compreender o mistério da

Divindade?

“Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria.

Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado

de Deus, ele o verá e compreenderá.”

A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite

compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da Humanidade,

o homem o confunde muitas vezes com a criatura, cujas

imperfeições lhe atribui; mas, à medida que nele se desenvolve o

senso moral, seu pensamento penetra melhor no âmago das coisas;

então, faz idéia mais justa da Divindade e, ainda que sempre

incompleta, mais conforme à sã razão.

12.

Embora não possamos compreender a natureza íntima

de Deus, podemos formar idéia de algumas de suas

perfeições?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 76 16/09/04, 15:21

DE DEUS

 

77

“De algumas, sim. O homem as compreende melhor à

proporção que se eleva acima da matéria. Entrevê-as pelo

pensamento.”

13.

Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável,

imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom,

temos idéia completa de seus atributos?

“Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger

tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência

do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem,

restrita às vossas idéias e sensações, não tem meios

de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir

em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma

lhe faltasse, ou não fosse infinita, já ele não seria superior

a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima

de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de

qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a

imaginação possa conceber.”

Deus é

 

eterno. Se tivesse tido princípio, teria saído do nada,

ou, então, também teria sido criado, por um ser anterior. É assim

que, de degrau em degrau, remontamos ao infinito e à eternidade.

É

 

imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, as leis que

regem o Universo nenhuma estabilidade teriam.

É

 

imaterial. Quer isto dizer que a sua natureza difere

de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, ele não seria

imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria.

É

 

único. Se muitos Deuses houvesse, não haveria unidade

de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.

É

 

onipotente. Ele o é, porque é único. Se não dispusesse

do soberano poder, algo haveria mais poderoso ou tão poderoso

quanto ele, que então não teria feito todas as coisas. As que não

houvesse feito seriam obra de outro Deus.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 77 16/09/04, 15:21

78

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

É

 

soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das

leis divinas se revela, assim nas mais pequeninas coisas, como

nas maiores, e essa sabedoria não permite se duvide nem da

justiça nem da bondade de Deus.

P

 

ANTEÍSMO

14.

Deus é um ser distinto, ou será, como opinam alguns, a

resultante de todas as forças e de todas as inteligências

do Universo reunidas?

“Se fosse assim, Deus não existiria, porquanto seria

efeito e não causa. Ele não pode ser ao mesmo tempo uma

e outra coisa.

“Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial.

Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto

donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores,

antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis

saber, quando na realidade nada saberíeis. Deixai, conseguintemente,

de lado todos esses sistemas; tendes bastantes

coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós

mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de

vos libertardes delas, o que será mais útil do que

pretenderdes penetrar no que é impenetrável.”

15.

Que se deve pensar da opinião segundo a qual todos os

corpos da Natureza, todos os seres, todos os globos do

Universo seriam partes da Divindade e constituiriam,

em conjunto, a própria Divindade, ou, por outra, que se

deve pensar da doutrina panteísta?

“Não podendo fazer-se Deus, o homem quer ao menos

ser uma parte de Deus.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 78 16/09/04, 15:21

DE DEUS

 

79

16.

Pretendem os que professam esta doutrina achar nela a

demonstração de alguns dos atributos de Deus: Sendo

infinitos os mundos, Deus é, por isso mesmo, infinito;

não havendo o vazio, ou o nada em parte alguma, Deus

está por toda parte; estando Deus em toda parte, pois

que tudo é parte integrante de Deus, ele dá a todos os

fenômenos da Natureza uma razão de ser inteligente.

Que se pode opor a este raciocínio?

“A razão. Refleti maduramente e não vos será difícil

reconhecer-lhe o absurdo.”

Esta doutrina faz de Deus um ser material que, embora

dotado de suprema inteligência, seria em ponto grande o que somos

em ponto pequeno. Ora, transformando-se a matéria incessantemente,

Deus, se fosse assim, nenhuma estabilidade teria;

achar-se-ia sujeito a todas as vicissitudes, mesmo a todas as

necessidades da Humanidade; faltar-lhe-ia um dos atributos

essenciais da Divindade: a imutabilidade. Não se podem aliar as

propriedades da matéria à idéia de Deus, sem que ele fique

rebaixado ante a nossa compreensão e não haverá sutilezas de

sofismas que cheguem a resolver o problema da sua natureza

íntima. Não sabemos tudo o que ele é, mas sabemos o que ele não

pode deixar de ser e o sistema de que tratamos está em contradição

com as suas mais essenciais propriedades. Ele confunde o

Criador com a criatura, exatamente como o faria quem pretendesse

que engenhosa máquina fosse parte integrante do mecânico

que a imaginou.

A inteligência de Deus se revela em suas obras como a de um

pintor no seu quadro; mas, as obras de Deus não são o próprio

Deus, como o quadro não é o pintor que o concebeu e executou.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 79 16/09/04, 15:21

C

 

ONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DAS COISAS

17.

É dado ao homem conhecer o princípio das coisas?

“Não, Deus não permite que ao homem tudo seja revelado

neste mundo.”

18.

Penetrará o homem um dia o mistério das coisas que

lhe estão ocultas?

“O véu se levanta a seus olhos, à medida que ele se

depura; mas, para compreender certas coisas, são-lhe

precisas faculdades que ainda não possui.”

19.

Não pode o homem, pelas investigações científicas,

penetrar alguns dos segredos da Natureza?

“A Ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas

as coisas; ele, porém, não pode ultrapassar os limites

que Deus estabeleceu.”

C A P Í T U L O I I

Dos elementos gerais

do Universo

 

 

Conhecimento do princípio das coisas

 

 

Espírito e matéria

 

 

Propriedades da matéria

 

 

Espaço universal

7a prova A- livro dos espíritos.p65 80 16/09/04, 15:21

DOS ELEMENTOS GERAIS DO UNIVERSO

 

81

Quanto mais consegue o homem penetrar nesses mistérios,

tanto maior admiração lhe devem causar o poder e a sabedoria do

Criador. Entretanto, seja por orgulho, seja por fraqueza, sua própria

inteligência o faz joguete da ilusão. Ele amontoa sistemas

sobre sistemas e cada dia que passa lhe mostra quantos erros

tomou por verdades e quantas verdades rejeitou como erros. São

outras tantas decepções para o seu orgulho.

20.

Dado é ao homem receber, sem ser por meio das investigações

da Ciência, comunicações de ordem mais elevada

acerca do que lhe escapa ao testemunho dos sentidos?

“Sim, se o julgar conveniente, Deus pode revelar o que

à ciência não é dado apreender.”

Por essas comunicações é que o homem adquire, dentro de

certos limites, o conhecimento do seu passado e do seu futuro.

E

 

SPÍRITO E MATÉRIA

21.

A matéria existe desde toda a eternidade, como Deus,

ou foi criada por ele em dado momento?

“Só Deus o sabe. Há uma coisa, todavia, que a razão

vos deve indicar: é que Deus, modelo de amor e caridade,

nunca esteve inativo. Por mais distante que logreis figurar

o início de sua ação, podereis concebê-lo ocioso, um

momento que seja?”

22.

Define-se geralmente a matéria como sendo — o que tem

extensão, o que é capaz de nos impressionar os sentidos,

o que é impenetrável. São exatas estas definições?

“Do vosso ponto de vista, elas o são, porque não falais

senão do que conheceis. Mas a matéria existe em estados

que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil, que

7a prova A- livro dos espíritos.p65 81 16/09/04, 15:21

82

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é

sempre matéria. Para vós, porém, não o seria.”

a)

— Que definição podeis dar da matéria?

“A matéria é o laço que prende o espírito; é o instrumento

de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo

tempo, exerce sua ação.”

Deste ponto de vista, pode dizer-se que a matéria é o agente, o

intermediário com o auxílio do qual e sobre o qual atua o espírito.

23.

Que é o espírito?

“O princípio inteligente do Universo.”

a)

— Qual a natureza íntima do espírito?

“Não é fácil analisar o espírito com a vossa linguagem.

Para vós, ele nada é, por não ser palpável. Para nós, entretanto,

é alguma coisa. Ficai sabendo: coisa nenhuma é o

nada e o nada não existe.”

24.

É o espírito sinônimo de inteligência?

“A inteligência é um atributo essencial do espírito. Uma

e outro, porém, se confundem num princípio comum, de

sorte que, para vós, são a mesma coisa.”

25.

O espírito independe da matéria, ou é apenas uma

propriedade desta, como as cores o são da luz e o som o

é do ar?

“São distintos uma do outro; mas, a união do espírito

e da matéria é necessária para intelectualizar a matéria.”

a)

— Essa união é igualmente necessária para a manifestação

do espírito? (Entendemos aqui por espírito o princí-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 82 16/09/04, 15:21

DOS ELEMENTOS GERAIS DO UNIVERSO

 

83

pio da inteligência, abstração feita das individualidades que

por esse nome se designam.)

“É necessária a vós outros, porque não tendes organização

apta a perceber o espírito sem a matéria. A isto não

são apropriados os vossos sentidos.”

26.

Poder-se-á conceber o espírito sem a matéria e a matéria

sem o espírito?

“Pode-se, é fora de dúvida, pelo pensamento.”

27.

Há então dois elementos gerais do Universo: a matéria

e o espírito?

“Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as

coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de

tudo o que existe, a trindade universal. Mas, ao elemento

material se tem que juntar o fluido universal, que desempenha

o papel de intermediário entre o espírito e a matéria

propriamente dita, por demais grosseira para que o espírito

possa exercer ação sobre ela. Embora, de certo ponto de

vista, seja lícito classificá-lo com o elemento material, ele

se distingue deste por propriedades especiais. Se o fluido

universal fosse positivamente matéria, razão não haveria

para que também o espírito não o fosse. Está colocado entre

o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria,

e suscetível, pelas suas inumeráveis combinações com

esta e sob a ação do espírito, de produzir a infinita variedade

das coisas de que apenas conheceis uma parte mínima.

Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o

agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual

a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca

adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 83 16/09/04, 15:21

84

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Esse fluido será o que designamos pelo nome de

eletricidade?

“Dissemos que ele é suscetível de inúmeras combinações.

O que chamais fluido elétrico, fluido magnético, são

modificações do fluido universal, que não é, propriamente

falando, senão matéria mais perfeita, mais sutil e que se

pode considerar independente.”

28.

Pois que o espírito é, em si, alguma coisa, não seria mais

exato e menos sujeito a confusão dar aos dois elementos

gerais as designações de — matéria inerte e matéria

inteligente?

“As palavras pouco nos importam. Compete-vos a vós

formular a vossa linguagem de maneira a vos entenderdes.

As vossas controvérsias provêm, quase sempre, de não vos

entenderdes acerca dos termos que empregais, por ser

incompleta a vossa linguagem para exprimir o que não

vos fere os sentidos.”

Um fato patente domina todas as hipóteses: vemos matéria

destituída de inteligência e vemos um princípio inteligente que

independe da matéria. A origem e a conexão destas duas coisas

nos são desconhecidas. Se promanam ou não de uma só fonte; se

há pontos de contacto entre ambas; se a inteligência tem existência

própria, ou se é uma propriedade, um efeito; se é mesmo,

conforme à opinião de alguns, uma emanação da Divindade,

ignoramos. Elas se nos mostram como sendo distintas; daí o

considerarmo-las formando os dois princípios constitutivos do

Universo. Vemos acima de tudo isso uma inteligência que domina

todas as outras, que as governa, que se distingue delas por atributos

essenciais. A essa inteligência suprema é que chamamos

Deus.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 84 16/09/04, 15:21

DOS ELEMENTOS GERAIS DO UNIVERSO

 

85

P

 

ROPRIEDADES DA MATÉRIA

29.

A ponderabilidade é um atributo essencial da matéria?

“Da matéria como a entendeis, sim; não, porém, da

matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea

e sutil que constitui esse fluido vos é imponderável. Nem

por isso, entretanto, deixa de ser o princípio da vossa

matéria pesada.”

A gravidade é uma propriedade relativa. Fora das esferas de

atração dos mundos, não há peso, do mesmo modo que não há

alto nem baixo.

30.

A matéria é formada de um só ou de muitos elementos?

“De um só elemento primitivo. Os corpos que considerais

simples não são verdadeiros elementos, são transformações

da matéria primitiva.”

31.

Donde se originam as diversas propriedades da matéria?

“São modificações que as moléculas elementares

sofrem, por efeito da sua união, em certas circunstâncias.”

32.

De acordo com o que vindes de dizer, os sabores, os

odores, as cores, o som, as qualidades venenosas ou

salutares dos corpos não passam de modificações de

uma única substância primitiva?

“Sem dúvida e que só existem devido à disposição dos

órgãos destinados a percebê-las.”

A demonstração deste princípio se encontra no fato de que

nem todos percebemos as qualidades dos corpos do mesmo modo:

enquanto que uma coisa agrada ao gosto de um, para o de outro

7a prova A- livro dos espíritos.p65 85 16/09/04, 15:21

86

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

é detestável; o que uns vêem azul, outros vêem vermelho; o que

para uns é veneno, para outros é inofensivo ou salutar.

33.

A mesma matéria elementar é suscetível de experimentar

todas as modificações e de adquirir todas as

propriedades?

“Sim e é isso o que se deve entender, quando dizemos

que

 

tudo está em tudo!”1

O oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o carbono e todos os corpos

que consideramos simples são meras modificações de uma

substância primitiva. Na impossibilidade em que ainda nos achamos

de remontar, a não ser pelo pensamento, a esta matéria primária,

esses corpos são para nós verdadeiros elementos e podemos,

sem maiores conseqüências, tê-los como tais, até nova ordem.

a)

— Não parece que esta teoria dá razão aos que não

admitem na matéria senão duas propriedades essenciais: a

força e o movimento, entendendo que todas as demais propriedades

não passam de efeitos secundários, que variam

conforme à intensidade da força e à direção do movimento?

1

 

Este princípio explica o fenômeno conhecido de todos os

magnetizadores e que consiste em dar-se, pela ação da vontade, a

uma substância qualquer, à água, por exemplo, propriedades muito

diversas: um gosto determinado e até as qualidades ativas de

outras substâncias. Desde que não há mais de um elemento primitivo

e que as propriedades dos diferentes corpos são apenas modificações

desse elemento, o que se segue é que a mais inofensiva

substância tem o mesmo princípio que a mais deletéria. Assim, a

água, que se compõe de uma parte de oxigênio e de duas de hidrogênio,

se torna corrosiva, duplicando-se a proporção do oxigênio.

Transformação análoga se pode produzir por meio da ação magnética

dirigida pela vontade.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 86 16/09/04, 15:21

DOS ELEMENTOS GERAIS DO UNIVERSO

 

87

“É acertada essa opinião. Falta somente acrescentar: e

conforme à disposição das moléculas, como o mostra, por

exemplo, um corpo opaco, que pode tornar-se transparente

e vice-versa.”

34.

As moléculas têm forma determinada?

“Certamente, as moléculas têm uma forma, porém não

sois capazes de apreciá-la.”

a)

— Essa forma é constante ou variável?

“Constante a das moléculas elementares primitivas; variável

a das moléculas secundárias, que mais não são do

que aglomerações das primeiras. Porque, o que chamais

molécula longe ainda está da molécula elementar.”

E

 

SPAÇO UNIVERSAL

35.

O Espaço universal é infinito ou limitado?

“Infinito. Supõe-no limitado: que haverá para lá de seus

limites? Isto te confunde a razão, bem o sei; no entanto, a

razão te diz que não pode ser de outro modo. O mesmo se

dá com o infinito em todas as coisas. Não é na pequenina

esfera em que vos achais que podereis compreendê-lo.”

Supondo-se um limite ao Espaço, por mais distante que a

imaginação o coloque, a razão diz que além desse limite alguma

coisa há e assim, gradativamente, até ao infinito, porquanto,

embora essa alguma coisa fosse o vazio absoluto, ainda seria

Espaço.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 87 16/09/04, 15:21

88

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

36.

O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço

universal?

“Não, não há o vácuo. O que te parece vazio está

ocupado por matéria que te escapa aos sentidos e aos

instrumentos.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 88 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O I I I

Da Criação

 

 

Formação dos mundos

 

 

Formação dos seres vivos

 

 

Povoamento da Terra. Adão

 

 

Diversidade das raças humanas

 

 

Pluralidade dos mundos

 

 

Considerações e concordâncias bíblicas

concernentes à Criação

F

 

ORMAÇÃO DOS MUNDOS

O Universo abrange a infinidade dos mundos que vemos e

dos que não vemos, todos os seres animados e inanimados, todos

os astros que se movem no espaço, assim como os fluidos que o

enchem

 

.

37.

O Universo foi criado, ou existe de toda a eternidade,

como Deus?

“É fora de dúvida que ele não pode ter-se feito a si

mesmo. Se existisse, como Deus, de toda a eternidade, não

seria obra de Deus.”

Diz-nos a razão não ser possível que o Universo se tenha

feito a si mesmo e que, não podendo também ser obra do acaso,

há de ser obra de Deus.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 89 16/09/04, 15:21

90

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

38.

Como criou Deus o Universo?

“Para me servir de uma expressão corrente, direi: pela

sua Vontade. Nada caracteriza melhor essa vontade onipotente

do que estas belas palavras da

 

Gênese – ‘Deus disse:

Faça-se a luz e a luz foi feita.’ ”

39.

Poderemos conhecer o modo de formação dos mundos?

“Tudo o que a esse respeito se pode dizer e podeis

compreender é que os mundos se formam pela condensação

da matéria disseminada no Espaço.”

40.

Serão os cometas, como agora se pensa, um começo de

condensação da matéria, mundos em via de formação?

“Isso está certo; absurdo, porém, é acreditar-se na

influência deles. Refiro-me à influência que vulgarmente

lhes atribuem, porquanto todos os corpos celestes influem

de algum modo em certos fenômenos físicos.”

41.

Pode um mundo completamente formado desaparecer

e disseminar-se de novo no Espaço a matéria que o

compõe?

“Sim, Deus renova os mundos, como renova os seres

vivos.”

42.

Poder-se-á conhecer o tempo que dura a formação dos

mundos: da Terra, por exemplo?

“Nada te posso dizer a respeito, porque só o Criador o

sabe e bem louco será quem pretenda sabê-lo, ou conhecer

que número de séculos dura essa formação.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 90 16/09/04, 15:21

DA CRIAÇÃO

 

91

F

 

ORMAÇÃO DOS SERES VIVOS

43.

Quando começou a Terra a ser povoada?

“No começo tudo era caos; os elementos estavam em

confusão. Pouco a pouco cada coisa tomou o seu lugar.

Apareceram então os seres vivos apropriados ao estado do

globo.”

44.

Donde vieram para a Terra os seres vivos?

“A Terra lhes continha os germens, que aguardavam

momento favorável para se desenvolverem. Os princípios

orgânicos se congregaram, desde que cessou a atuação da

força que os mantinha afastados, e formaram os germens

de todos os seres vivos. Estes germens permaneceram em

estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes

das plantas, até o momento propício ao surto de cada espécie.

Os seres de cada uma destas se reuniram, então, e se

multiplicaram.”

45.

Onde estavam os elementos orgânicos, antes da formação

da Terra?

“Achavam-se, por assim dizer, em estado de fluido no

Espaço, no meio dos Espíritos, ou em outros planetas, à

espera da criação da Terra para começarem existência nova

em novo globo.”

A Química nos mostra as moléculas dos corpos inorgânicos

unindo-se para formarem cristais de uma regularidade constante,

conforme cada espécie, desde que se encontrem nas condições

precisas. A menor perturbação nestas condições basta para

7a prova A- livro dos espíritos.p65 91 16/09/04, 15:21

92

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

impedir a reunião dos elementos, ou, pelo menos, para obstar à

disposição regular que constitui o cristal. Por que não se daria o

mesmo com os elementos orgânicos? Durante anos se conservam

germens de plantas e de animais, que não se desenvolvem senão

a uma certa temperatura e em meio apropriado. Têm-se visto grãos

de trigo germinarem depois de séculos. Há, pois, nesses germens

um princípio

 

latente de vitalidade, que apenas espera uma circunstância

favorável para se desenvolver. O que diariamente ocorre

debaixo das nossas vistas, por que não pode ter ocorrido desde a

origem do globo terráqueo? A formação dos seres vivos, saindo

eles do caos pela força mesma da Natureza, diminui de alguma

coisa a grandeza de Deus? Longe disso: corresponde melhor à

idéia que fazemos do seu poder a se exercer sobre a infinidade

dos mundos por meio de leis eternas. Esta teoria não resolve, é

verdade, a questão da origem dos elementos vitais; mas, Deus

tem seus mistérios e pôs limites às nossas investigações.

46.

Ainda há seres que nasçam espontaneamente?

“Sim, mas o gérmen primitivo já existia em estado latente.

Sois todos os dias testemunhas desse fenômeno. Os

tecidos do corpo humano e do dos animais não encerram

os germens de uma multidão de vermes que só esperam,

para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária

à existência? É um mundo minúsculo que dormita

e se cria.”

47.

A espécie humana se encontrava entre os elementos

orgânicos contidos no globo terrestre?

“Sim, e veio a seu tempo. Foi o que deu lugar a que se

dissesse que o homem se formou do limo da terra.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 92 16/09/04, 15:21

DA CRIAÇÃO

 

93

48.

Poderemos conhecer a época do aparecimento do homem

e dos outros seres vivos na Terra?

“Não; todos os vossos cálculos são quiméricos.”

49.

Se o gérmen da espécie humana se encontrava entre os

elementos orgânicos do globo, por que não se formam

espontaneamente homens, como na origem dos tempos?

“O princípio das coisas está nos segredos de Deus.

Entretanto, pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados

pela Terra, absorveram em si mesmos os elementos

necessários à sua própria formação, para os transmitir segundo

as leis da reprodução. O mesmo se deu com as

diferentes espécies de seres vivos.”

P

 

OVOAMENTO DA TERRA. ADÃO

50.

A espécie humana começou por um único homem?

“Não; aquele a quem chamais Adão não foi o primeiro,

nem o único a povoar a Terra.”

51

 

.

Poderemos saber em que época viveu Adão?

“Mais ou menos na que lhe assinais: cerca de 4.000

anos antes do Cristo.”

O homem, cuja tradição se conservou sob o nome de Adão, foi

dos que sobreviveram, em certa região, a alguns dos grandes cataclismos

que revolveram em diversas épocas a superfície

do globo, e se constituiu tronco de uma das raças que atualmente o

povoam. As leis da Natureza se opõem a que os progressos da Humanidade,

comprovados muito tempo antes do Cristo, se tenham

realizado em alguns séculos, como houvera sucedido se o homem

7a prova A- livro dos espíritos.p65 93 16/09/04, 15:21

94

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

não existisse na Terra senão a partir da época indicada para a existência

de Adão. Muitos, com mais razão, consideram Adão um mito

ou uma alegoria que personifica as primeiras idades do mundo.

D

 

IVERSIDADE DAS RAÇAS HUMANAS

52.

Donde provêm as diferenças físicas e morais que distinguem

as raças humanas na Terra?

“Do clima, da vida e dos costumes. Dá-se aí o que se dá

com dois filhos de uma mesma mãe que, educados longe um

do outro e de modos diferentes, em nada se assemelharão,

quanto ao moral.”

53.

O homem surgiu em muitos pontos do globo?

“Sim e em épocas várias, o que também constitui uma das

causas da diversidade das raças. Depois, dispersando-se os

homens por climas diversos e aliando-se os de uma aos de

outras raças, novos tipos se formaram.”

a)

— Estas diferenças constituem espécies distintas?

“Certamente que não; todos são da mesma família. Porventura

as múltiplas variedades de um mesmo fruto são motivo

para que elas deixem de formar uma só espécie?”

54.

Pelo fato de não proceder de um só indivíduo a espécie

humana, devem os homens deixar de considerar-se

irmãos?

“Todos os homens são irmãos em Deus, porque são animados

pelo espírito e tendem para o mesmo fim. Estais sempre

inclinados a tomar as palavras na sua significação literal.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 94 16/09/04, 15:21

DA CRIAÇÃO

 

95

P

 

LURALIDADE DOS MUNDOS

55.

São habitados todos os globos que se movem no

espaço?

“Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe,

o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição.

Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito

fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o

privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade!

Julgam que só para eles criou Deus o Universo.”

Deus povoou de seres vivos os mundos, concorrendo todos

esses seres para o objetivo final da Providência. Acreditar que só

os haja no planeta que habitamos fora duvidar da sabedoria de

Deus, que não fez coisa alguma inútil. Certo, a esses mundos há

de ele ter dado uma destinação mais séria do que a de nos recrearem

a vista. Aliás, nada há, nem na posição, nem no volume, nem

na constituição física da Terra, que possa induzir à suposição de

que ela goze do privilégio de ser habitada, com exclusão de tantos

milhares de milhões de mundos semelhantes.

56.

É a mesma a constituição física dos diferentes globos?

“Não; de modo algum se assemelham.”

57

 

.

Não sendo uma só para todos a constituição física dos

mundos, seguir-se-á tenham organizações diferentes os

seres que os habitam?

“Sem dúvida, do mesmo modo que no vosso os peixes

são feitos para viver na água e os pássaros no ar.”

58.

Os mundos mais afastados do Sol estarão privados de

luz e calor, por motivo de esse astro se lhes mostrar

apenas com a aparência de uma estrela?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 95 16/09/04, 15:21

96

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Pensais então que não há outras fontes de luz e calor

além do Sol e em nenhuma conta tendes a eletricidade que,

em certos mundos, desempenha um papel que desconheceis

e bem mais importante do que o que lhe cabe desempenhar

na Terra? Demais, não dissemos que todos os seres são

feitos de igual matéria que vós outros e com órgãos de

conformação idêntica à dos vossos.”

As condições de existência dos seres que habitam os diferentes

mundos hão de ser adequadas ao meio em que lhes cumpre

viver. Se jamais houvéramos visto peixes, não compreenderíamos

pudesse haver seres que vivessem dentro d’água. Assim

acontece com relação aos outros mundos, que sem dúvida contêm

elementos que desconhecemos. Não vemos na Terra as longas

noites polares iluminadas pela eletricidade das auroras

boreais? Que há de impossível em ser a eletricidade, nalguns mundos,

mais abundante do que na Terra e desempenhar neles uma

função de ordem geral, cujos efeitos não podemos compreender?

Bem pode suceder, portanto, que esses mundos tragam em si

mesmos as fontes de calor e de luz necessárias a seus habitantes.

C

 

ONSIDERAÇÕES E CONCORDÂNCIAS BÍBLICAS

CONCERNENTES À

 

CRIAÇÃO

59.

Os povos hão formado idéias muito divergentes acerca da

Criação, de acordo com as luzes que possuíam. Apoiada na Ciência,

a razão reconheceu a inverossimilhança de algumas dessas

teorias. A que os Espíritos apresentam confirma a opinião de há

muito partilhada pelos homens mais esclarecidos.

A objeção que se lhe pode fazer é a de estar em contradição

com o texto dos livros sagrados. Mas, um exame sério mostrará

que essa contradição é mais aparente do que real e que decorre

7a prova A- livro dos espíritos.p65 96 16/09/04, 15:21

DA CRIAÇÃO

 

97

da interpretação dada ao que muitas vezes só tinha sentido

alegórico.

A questão de ter sido Adão, como primeiro homem, a origem

exclusiva da Humanidade, não é a única a cujo respeito as crenças

religiosas tiveram que se modificar. O movimento da Terra

pareceu, em determinada época, tão em oposição às letras sagradas,

que não houve gênero de perseguições a que essa teoria não

tivesse servido de pretexto, e, no entanto, a Terra gira, malgrado

aos anátemas, não podendo ninguém hoje contestá-lo, sem

agravo à sua própria razão.

Diz também a Bíblia que o mundo foi criado em seis dias e

põe a época da sua criação há quatro mil anos, mais ou menos,

antes da era cristã. Anteriormente, a Terra não existia; foi tirada

do nada: o texto é formal. Eis, porém, que a ciência positiva, a

inexorável ciência, prova o contrário. A história da formação do

globo terráqueo está escrita em caracteres irrecusáveis no mundo

fóssil, achando-se provado que os seis dias da criação indicam

outros tantos períodos, cada um de, talvez, muitas centenas de

milhares de anos. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma

opinião insulada; é um fato tão certo como o do movimento da

Terra e que a Teologia não pode negar-se a admitir, o que demonstra

evidentemente o erro em que se está sujeito a cair tomando

ao pé da letra expressões de uma linguagem freqüentemente

figurada. Dever-se-á daí concluir que a Bíblia é um erro?

Não; a conclusão a tirar-se é que os homens se equivocaram ao

interpretá-la.

Escavando os arquivos da Terra, a Ciência descobriu em que

ordem os seres vivos lhe apareceram na superfície, ordem que está

de acordo com o que diz a

 

Gênese, havendo apenas a notar-se

a diferença de que essa obra, em vez de executada milagrosamente

por Deus em algumas horas, se realizou, sempre pela sua vontade,

mas conformemente à lei das forças da Natureza, em alguns

milhões de anos. Ficou sendo Deus, por isso, menor e menos

poderoso? Perdeu em sublimidade a sua obra, por não ter o pres-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 97 16/09/04, 15:21

98

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

tígio da instantaneidade? Indubitavelmente, não. Fora mister fazer-

se da Divindade bem mesquinha idéia, para se não reconhecer

a sua onipotência nas leis eternas que ela estabeleceu para

regerem os mundos. A Ciência, longe de apoucar a obra divina,

no-la mostra sob aspecto mais grandioso e mais acorde com as

noções que temos do poder e da majestade de Deus, pela razão

mesma de ela se haver efetuado sem derrogação das leis da Natureza.

De acordo, neste ponto, com Moisés, a Ciência coloca o homem

em último lugar na ordem da criação dos seres vivos. Moisés,

porém, indica, como sendo o do dilúvio universal, o ano 4.654 da

formação do mundo, ao passo que a Geologia nos aponta o grande

cataclismo como anterior ao aparecimento do homem, atendendo

a que, até hoje, não se encontrou, nas camadas primitivas,

traço algum de sua presença, nem da dos animais de igual

categoria, do ponto de vista físico. Contudo, nada prova que isso

seja impossível. Muitas descobertas já fizeram surgir dúvidas a

tal respeito. Pode dar-se que, de um momento para outro, se adquira

a certeza material da anterioridade da raça humana e então

se reconhecerá que, a esse propósito, como a tantos outros, o

texto bíblico encerra uma figura. A questão está em saber se

o cataclismo geológico é o mesmo a que assistiu Noé. Ora, o tempo

necessário à formação das camadas fósseis não permite confundi-

los e, desde que se achem vestígios da existência do homem

antes da grande catástrofe, provado ficará, ou que Adão não

foi o primeiro homem, ou que a sua criação se perde na noite dos

tempos. Contra a evidência não há raciocínios possíveis; forçoso

será aceitar-se esse fato, como se aceitaram o do movimento da

Terra e os seis períodos da Criação.

A existência do homem antes do dilúvio geológico ainda é,

com efeito, hipotética. Eis aqui, porém, alguma coisa que o é

menos. Admitindo-se que o homem tenha aparecido pela primeira

vez na Terra 4.000 anos antes do Cristo e que, 1.650 anos

mais tarde, toda a raça humana foi destruída, com exceção de

uma só família, resulta que o povoamento da Terra data apenas

7a prova A- livro dos espíritos.p65 98 16/09/04, 15:21

DA CRIAÇÃO

 

99

de Noé, ou seja: de 2.350 anos antes da nossa era. Ora, quando

os hebreus emigraram para o Egito, no décimo oitavo século, encontraram

esse país muito povoado e já bastante adiantado em

civilização. A História prova que, nessa época, as Índias e outros

países também estavam florescentes, sem mesmo se ter em conta

a cronologia de certos povos, que remonta a uma época muito

mais afastada. Teria sido preciso, nesse caso, que do vigésimo

quarto ao décimo oitavo século, isto é, que num espaço de 600

anos, não somente a posteridade de um único homem houvesse

podido povoar todos os imensos países então conhecidos, suposto

que os outros não o fossem, mas também que, nesse curto

lapso de tempo, a espécie humana houvesse podido elevar-se da

ignorância absoluta do estado primitivo ao mais alto grau de

desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis

antropológicas.

A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião.

O clima e os costumes produzem, é certo, modificações no caráter

físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a influência dessas

causas. Entretanto, o exame fisiológico demonstra haver, entre

certas raças, diferenças constitucionais mais profundas do que

as que o clima é capaz de determinar. O cruzamento das raças dá

origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres

extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para

que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse

raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas,

atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco

afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns

descendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem

a raça etíope, por exemplo? Tão pouco admissível é semelhante

metamorfose, quanto a hipótese de uma origem comum

para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro

e o peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência

dos fatos.

Tudo, ao invés, se explica, admitindo-se: que a existência do

homem é anterior à época em que vulgarmente se pretende que

7a prova A- livro dos espíritos.p65 99 16/09/04, 15:21

100

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

ela começou; que diversas são as origens; que Adão, vivendo há

seis mil anos, tenha povoado uma região ainda desabitada; que o

dilúvio de Noé foi uma catástrofe parcial, confundida com o cataclismo

geológico; e atentando-se, finalmente, na forma alegórica

peculiar ao estilo oriental, forma que se nos depara nos livros

sagrados de todos os povos. Isto faz ver quanto é prudente não

lançar levianamente a pecha de falsas as doutrinas que podem,

cedo ou tarde, como tantas outras, desmentir os que as combatem.

As idéias religiosas, longe de perderem alguma coisa, se engrandecem,

caminhando de par com a Ciência. Esse o meio único

de não apresentarem lado vulnerável ao cepticismo.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 100 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O I V

Do princípio vital

 

 

Seres orgânicos e inorgânicos

 

 

A vida e a morte

 

 

Inteligência e instinto

S

 

ERES ORGÂNICOS E INORGÂNICOS

Os seres orgânicos são os que têm em si uma fonte de

atividade íntima que lhes dá a vida. Nascem, crescem, reproduzem-

se por si mesmos e morrem. São providos de órgãos

especiais para a execução dos diferentes atos da vida,

órgãos esses apropriados às necessidades que a conservação

própria lhes impõe. Nessa classe estão compreendidos

os homens, os animais e as plantas. Seres inorgânicos são

todos os que carecem de vitalidade, de movimentos próprios

e que se formam apenas pela agregação da matéria.

Tais são os minerais, a água, o ar, etc.

60.

É a mesma a força que une os elementos da matéria

nos corpos orgânicos e nos inorgânicos?

“Sim, a lei de atração é a mesma para todos.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 101 16/09/04, 15:21

102

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

61.

Há diferença entre a matéria dos corpos orgânicos e a

dos inorgânicos?

“A matéria é sempre a mesma, porém nos corpos orgânicos

está animalizada.”

62.

Qual a causa da animalização da matéria?

“Sua união com o princípio vital.”

63.

O princípio vital reside nalgum agente particular, ou é

simplesmente uma propriedade da matéria organizada?

Numa palavra, é efeito, ou causa?

“Uma e outra coisa. A vida é um efeito devido à ação de

um agente sobre a matéria. Esse agente, sem a matéria,

não é a vida, do mesmo modo que a matéria não pode viver

sem esse agente. Ele dá a vida a todos os seres que o absorvem

e assimilam.”

64.

Vimos que o espírito e a matéria são dois elementos constitutivos

do Universo. O princípio vital será um terceiro?

“É, sem dúvida, um dos elementos necessários à constituição

do Universo, mas que também tem sua origem na

matéria universal modificada. É, para vós, um elemento,

como o oxigênio e o hidrogênio, que, entretanto, não são

elementos primitivos, pois que tudo isso deriva de um só

princípio.”

a)

— Parece resultar daí que a vitalidade não tem seu

princípio num agente primitivo distinto e sim numa propriedade

especial da matéria universal, devida a certas

modificações.

“Isto é conseqüência do que dissemos.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 102 16/09/04, 15:21

DO PRINCÍPIO VITAL

 

103

65.

O princípio vital reside em algum dos corpos que

conhecemos?

“Ele tem por fonte o fluido universal. É o que chamais

fluido magnético, ou fluido elétrico animalizado. É o intermediário,

o elo existente entre o Espírito e a matéria.”

66.

O princípio vital é um só para todos os seres orgânicos?

“Sim, modificado segundo as espécies. É ele que lhes

dá movimento e atividade e os distingue da matéria inerte,

porquanto o movimento da matéria não é a vida. Esse

movimento ela o recebe, não o dá.”

67.

A vitalidade é atributo permanente do agente vital, ou

se desenvolve tão-só pelo funcionamento dos órgãos?

“Ela não se desenvolve senão com o corpo. Não dissemos

que esse agente sem a matéria não é a vida? A união

dos dois é necessária para produzir a vida.”

a)

— Poder-se-á dizer que a vitalidade se acha em estado

latente, quando o agente vital não está unido ao corpo?

“Sim, é isso.”

O conjunto dos órgãos constitui uma espécie de mecanismo

que recebe impulsão da atividade íntima ou princípio vital que

entre eles existe. O princípio vital é a força motriz dos corpos

orgânicos. Ao mesmo tempo que o agente vital dá impulsão aos

órgãos, a ação destes entretém e desenvolve a atividade daquele

agente, quase como sucede com o atrito, que desenvolve o calor.

A

 

VIDA E A MORTE

68.

Qual a causa da morte dos seres orgânicos?

“Esgotamento dos órgãos.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 103 16/09/04, 15:21

104

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Poder-se-ia comparar a morte à cessação do movimento

de uma máquina desorganizada?

“Sim; se a máquina está mal montada, cessa o movimento;

se o corpo está enfermo, a vida se extingue.”

69.

Por que é que uma lesão do coração mais depressa

causa a morte do que as de outros órgãos?

“O coração é máquina de vida, não é, porém, o único

órgão cuja lesão ocasiona a morte. Ele não passa de uma

das peças essenciais.”

70.

Que é feito da matéria e do princípio vital dos seres

orgânicos, quando estes morrem?

“A matéria inerte se decompõe e vai formar novos

organismos. O princípio vital volta à massa donde saiu.”

Morto o ser orgânico, os elementos que o compõem sofrem

novas combinações, de que resultam novos seres, os quais haurem

na fonte universal o princípio da vida e da atividade, o absorvem

e assimilam, para novamente o restituírem a essa fonte,

quando deixarem de existir.

Os órgãos se impregnam, por assim dizer, desse fluido vital

e esse fluido dá a todas as partes do organismo uma atividade

que as põe em comunicação entre si, nos casos de certas lesões,

e normaliza as funções momentaneamente perturbadas. Mas,

quando os elementos essenciais ao funcionamento dos órgãos

estão destruídos, ou muito profundamente alterados, o fluido vital

se torna impotente para lhes transmitir o movimento da vida,

e o ser morre.

Mais ou menos necessariamente, os órgãos reagem uns sobre

os outros, resultando essa ação recíproca da harmonia do

conjunto por eles formado. Destruída que seja, por uma causa

qualquer, esta harmonia, o funcionamento deles cessa, como o

7a prova A- livro dos espíritos.p65 104 16/09/04, 15:21

DO PRINCÍPIO VITAL

 

105

movimento da máquina cujas peças principais se desarranjem. É

o que se verifica, por exemplo, com um relógio gasto pelo uso, ou

que sofreu um choque por acidente, no qual a força motriz fica

impotente para pô-lo de novo a andar.

Num aparelho elétrico temos imagem mais exata da vida e

da morte. Esse aparelho, como todos os corpos da Natureza, contém

eletricidade em estado latente. Os fenômenos elétricos, porém,

não se produzem senão quando o fluido é posto em atividade

por uma causa especial. Poder-se-ia então dizer que o aparelho

está vivo. Vindo a cessar a causa da atividade, cessa o fenômeno:

o aparelho volta ao estado de inércia. Os corpos orgânicos são,

assim, uma espécie de pilhas ou aparelhos elétricos, nos quais a

atividade do fluido determina o fenômeno da vida. A cessação

dessa atividade causa a morte.

A quantidade de fluido vital não é absoluta em todos os seres

orgânicos. Varia segundo as espécies e não é constante, quer

em cada indivíduo, quer nos indivíduos de uma espécie. Alguns

há, que se acham, por assim dizer, saturados desse fluido, enquanto

outros o possuem em quantidade apenas suficiente. Daí,

para alguns, vida mais ativa, mais tenaz e, de certo modo,

superabundante.

A quantidade de fluido vital se esgota. Pode tornar-se insuficiente

para a conservação da vida, se não for renovada pela

absorção e assimilação das substâncias que o contêm.

O fluido vital se transmite de um indivíduo a outro. Aquele

que o tiver em maior porção pode dá-lo a um que o tenha de

menos e em certos casos prolongar a vida prestes a extinguir-se.

I

 

NTELIGÊNCIA E INSTINTO

71.

A inteligência é atributo do princípio vital?

“Não, pois que as plantas vivem e não pensam: só têm

vida orgânica. A inteligência e a matéria são independentes,

porquanto um corpo pode viver sem a inteligência. Mas,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 105 16/09/04, 15:21

106

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a inteligência só por meio dos órgãos materiais pode manifestar-

se. Necessário é que o espírito se una à matéria

animalizada para intelectualizá-la.”

A inteligência é uma faculdade especial, peculiar a algumas

classes de seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a

vontade de atuar, a consciência de que existem e de que constituem

uma individualidade cada um, assim como os meios de estabelecerem

relações com o mundo exterior e de proverem às suas

necessidades.

Podem distinguir-se assim: lº, os seres inanimados, constituídos

só de matéria, sem vitalidade nem inteligência: são os corpos

brutos; 2º, os seres animados que não pensam, formados de

matéria e dotados de vitalidade, porém, destituídos de inteligência;

3º, os seres animados pensantes, formados de matéria, dotados

de vitalidade e tendo a mais um princípio inteligente que lhes

outorga a faculdade de pensar.

72.

Qual a fonte da inteligência?

“Já o dissemos; a inteligência universal.”

a)

— Poder-se-ia dizer que cada ser tira uma porção de

inteligência da fonte universal e a assimila, como tira e assimila

o princípio da vida material?

“Isto não passa de simples comparação, todavia inexata,

porque a inteligência é uma faculdade própria de cada

ser e constitui a sua individualidade moral. Demais, como

sabeis, há coisas que ao homem não é dado penetrar e esta,

por enquanto, é desse número.”

73.

O instinto independe da inteligência?

“Precisamente, não, por isso que o instinto é uma

espécie de inteligência. É uma inteligência sem raciocí-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 106 16/09/04, 15:21

DO PRINCÍPIO VITAL

 

107

nio. Por ele é que todos os seres provêem às suas

necessidades.”

74.

Pode estabelecer-se uma linha de separação entre instinto

e a inteligência, isto é, precisar onde um acaba e

começa a outra?

“Não, porque muitas vezes se confundem. Mas, muito

bem se podem distinguir os atos que decorrem do instinto

dos que são da inteligência.”

75.

É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem

à medida que crescem as intelectuais?

“Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza.

O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase

sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do

que a razão. Nunca se transvia.”

a)

— Por que nem sempre é guia infalível a razão?

“Seria infalível, se não fosse falseada pela má-educação,

pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina;

a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio.”

O instinto é uma inteligência rudimentar, que difere da inteligência

propriamente dita, em que suas manifestações são quase

sempre espontâneas, ao passo que as da inteligência resultam

de uma combinação e de um ato deliberado.

O instinto varia em suas manifestações, conforme às espécies

e às suas necessidades. Nos seres que têm a consciência e a

percepção das coisas exteriores, ele se alia à inteligência, isto é,

à vontade e à liberdade.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 107 16/09/04, 15:21

P A R T E S E G U N D A

Do mundo espírita ou

mundo dos Espíritos

CAPÍTULO I

 

DOS ESPÍRITOS

CAPÍTULO II

 

DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

CAPÍTULO III

 

DA VOLTA DO ESPÍRITO, EXTINTA A VIDA

CORPÓREA

 

, À VIDA ESPIRITUAL

CAPÍTULO IV

 

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

CAPÍTULO V

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS

EXISTÊNCIAS

CAPÍTULO VI

 

DA VIDA ESPÍRITA

CAPÍTULO VII

 

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

CAPÍTULO VIII

 

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

CAPÍTULO IX

 

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO

CORPORAL

CAPÍTULO X

 

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

CAPÍTULO XI

 

DOS TRÊS REINOS

7a prova A- livro dos espíritos.p65 108 16/09/04, 15:21

O

 

RIGEM E NATUREZA DOS ESPÍRITOS

76.

Que definição se pode dar dos Espíritos?

“Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes

da criação. Povoam o Universo, fora do mundo material

 

.”

Nota — A palavra

 

Espírito é empregada aqui para designar as

individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento

inteligente do Universo.

77.

Os Espíritos são seres distintos da Divindade, ou serão

simples emanações ou porções desta e, por isto, denominados

filhos de Deus?

C A P Í T U L O I

Dos Espíritos

 

 

Origem e natureza dos Espíritos

 

 

Mundo normal primitivo

 

 

Forma e ubiqüidade dos Espíritos

 

 

Perispírito

 

 

Diferentes ordens de Espíritos

 

 

Escala espírita

Terceira ordem. – Espíritos imperfeitos

Segunda ordem. – Bons Espíritos

Primeira ordem. – Espíritos puros

 

 

Progressão dos Espíritos

 

 

Anjos e demônios

7a prova A- livro dos espíritos.p65 109 16/09/04, 15:21

110

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Meu Deus! São obra de Deus, exatamente qual a máquina

o é do homem que a fabrica. A máquina é obra do

homem, não é o próprio homem. Sabes que, quando faz

alguma coisa bela, útil, o homem lhe chama sua filha,

criação sua. Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus:

somos seus filhos, pois que somos obra sua.”

78.

Os Espíritos tiveram princípio, ou existem, como Deus,

de toda a eternidade?

“Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus,

quando, ao invés, são criação sua e se acham submetidos à

sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, é incontestável.

Quanto, porém, ao modo por que nos criou e em que

momento o fez, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos

princípio, se quiseres com isso significar que, sendo

eterno, Deus há de ter sempre criado ininterruptamente.

Mas, quando e como cada um de nós foi feito, repito-te,

nenhum o sabe: aí é que está o mistério.”

79.

Pois que há dois elementos gerais no Universo: o elemento

inteligente e o elemento material, poder-se-á dizer

que os Espíritos são formados do elemento inteligente,

como os corpos inertes o são do elemento material?

“Evidentemente. Os Espíritos são a individualização

do princípio inteligente, como os corpos são a individualização

do princípio material. A época e o modo por que essa

formação se operou é que são desconhecidos.”

80.

A criação dos Espíritos é permanente, ou só se deu na

origem dos tempos?

“É permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 110 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

111

81.

Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem

uns dos outros?

“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela

sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é

mistério.”

82.

Será certo dizer-se que os Espíritos são imateriais?

“Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos

de comparação e com uma linguagem deficiente? Pode

um cego de nascença definir a luz? Imaterial não é bem o

termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender

que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma

coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para

vós outros, e tão etérea que escapa inteiramente ao alcance

dos vossos sentidos.”

Dizemos que os Espíritos são imateriais, porque, pela sua

essência, diferem de tudo o que conhecemos sob o nome de matéria.

Um povo de cegos careceria de termos para exprimir a luz e

seus efeitos. O cego de nascença se julga capaz de todas as percepções

pelo ouvido, pelo olfato, pelo paladar e pelo tato. Não

compreende as idéias que só lhe poderiam ser dadas pelo sentido

que lhe falta. Nós outros somos verdadeiros cegos com relação à

essência dos seres sobre-humanos. Não os podemos definir

senão por meio de comparações sempre imperfeitas, ou por um

esforço da imaginação.

83.

Os Espíritos têm fim? Compreende-se que seja eterno o

princípio donde eles emanam, mas o que perguntamos

é se suas individualidades têm um termo e se, em dado

tempo, mais ou menos longo, o elemento de que são formados

não se dissemina e volta à massa donde saiu,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 111 16/09/04, 15:21

112

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

como sucede com os corpos materiais. É difícil de conceber-

se que uma coisa que teve começo possa não ter fim.

“Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes

limitada a inteligência. Isso, porém, não é razão para

que as repilais. O filho não compreende tudo o que a seu

pai é compreensível, nem o ignorante tudo o que o sábio

apreende. Dizemos que a existência dos Espíritos não tem

fim. É tudo o que podemos, por agora, dizer.”

M

 

UNDO NORMAL PRIMITIVO

84.

Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora

daquele que vemos?

“Sim, o mundo dos Espíritos, ou das inteligências

incorpóreas.”

85.

Qual dos dois, o mundo espírita ou o mundo corpóreo, é

o principal, na ordem das coisas?

“O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo.”

86.

O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter

existido, sem que isso alterasse a essência do mundo

espírita?

“Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante

a correlação entre ambos, porquanto um sobre o

outro incessantemente reagem.”

87.

Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita

no espaço?

“Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços

infinitos. Tendes muitos deles de contínuo a vosso lado,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 112 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

113

observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes,

pois que os Espíritos são uma das potências da natureza e

os instrumentos de que Deus se serve para execução de seus

desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte,

por isso que há regiões interditas aos menos adiantados.”

F

 

ORMA E UBIQÜIDADE DOS ESPÍRITOS

88.

Os Espíritos têm forma determinada, limitada e

constante?

“Para vós, não; para nós, sim. O Espírito é, se quiserdes,

uma chama, um clarão, ou uma centelha etérea.”

a)

— Essa chama ou centelha tem cor?

“Tem uma coloração que, para vós, vai do colorido escuro

e opaco a uma cor brilhante, qual a do rubi, conforme

o Espírito é mais ou menos puro.”

Representam-se de ordinário os gênios com uma chama ou

estrela na fronte. É uma alegoria, que lembra a natureza essencial

dos Espíritos. Colocam-na no alto da cabeça, porque aí está a

sede da inteligência.

89.

Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço?

“Sim, mas fazem-no com a rapidez do pensamento.”

a)

— O pensamento não é a própria alma que se

transporta?

“Quando o pensamento está em alguma parte, a alma

também aí está, pois que é a alma quem pensa. O pensamento

é um atributo.”

90.

O Espírito que se transporta de um lugar a outro tem

consciência da distância que percorre e dos espaços que

7a prova A- livro dos espíritos.p65 113 16/09/04, 15:21

114

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

atravessa, ou é subitamente transportado ao lugar onde

quer ir?

“Dá-se uma e outra coisa. O Espírito pode perfeitamente,

se o quiser, inteirar-se da distância que percorre,

mas também essa distância pode desaparecer completamente,

dependendo isso da sua vontade, bem como da sua

natureza mais ou menos depurada.”

91.

A matéria opõe obstáculo aos Espíritos?

“Nenhum; eles passam através de tudo. O ar, a terra,

as águas e até mesmo o fogo lhes são igualmente

acessíveis.”

92.

Têm os Espíritos o dom da ubiqüidade? Por outras palavras:

um Espírito pode dividir-se, ou existir em muitos

pontos ao mesmo tempo?

“Não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas,

cada um é um centro que irradia para diversos lados. Isso é

que faz parecer estar um Espírito em muitos lugares ao

mesmo tempo. Vês o Sol? É um somente. No entanto, irradia

em todos os sentidos e leva muito longe os seus raios.

Contudo, não se divide.”

a)

— Todos os Espíritos irradiam com igual força?

“Longe disso. Essa força depende do grau de pureza de

cada um.”

Cada Espírito é uma unidade indivisível, mas cada um pode

lançar seus pensamentos para diversos lados, sem que se fracione

para tal efeito. Nesse sentido unicamente é que se deve entender

7a prova A- livro dos espíritos.p65 114 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

115

o dom da ubiqüidade atribuído aos Espíritos. Dá-se com eles o que

se dá com uma centelha, que projeta longe a sua claridade e pode

ser percebida de todos os pontos do horizonte; ou, ainda, o que se

dá com um homem que, sem mudar de lugar e sem se fracionar,

transmite ordens, sinais e movimento a diferentes pontos.

P

 

ERISPÍRITO

93.

O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem,

ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa

substância qualquer?

“Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus

olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa,

entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e

transportar-se aonde queira.”

Envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma; do mesmo

modo, uma substância que, por comparação, se pode chamar

perispírito

, serve de envoltório ao Espírito propriamente dito.

94.

De onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial?

“Do fluido universal de cada globo, razão por que não é

idêntico em todos os mundos. Passando de um mundo a

outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais de roupa.”

a)

— Assim, quando os Espíritos que habitam mundos

superiores vêm ao nosso meio, tomam um perispírito mais

grosseiro?

“É necessário que se revistam da vossa matéria, já o

dissemos.”

95.

O invólucro semimaterial do Espírito tem formas determinadas

e pode ser perceptível?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 115 16/09/04, 15:21

116

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Tem a forma que o Espírito queira. É assim que este

vos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no estado

de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo palpável.”

D

 

IFERENTES ORDENS DE ESPÍRITOS

96.

São iguais os Espíritos, ou há entre eles qualquer

hierarquia?

“São de diferentes ordens, conforme o grau de perfeição

que tenham alcançado.”

97.

As ordens ou graus de perfeição dos Espíritos são em

número determinado?

“São ilimitadas em número, porque entre elas não há

linhas de demarcação traçadas como barreiras, de sorte

que as divisões podem ser multiplicadas ou restringidas

livremente. Todavia, considerando-se os caracteres gerais

dos Espíritos, elas podem reduzir-se a três principais.

“Na primeira, colocar-se-ão os que atingiram a perfeição

máxima: os puros Espíritos. Formam a segunda os que

chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é o que neles

predomina. Pertencerão à terceira os que ainda se acham

na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos. A ignorância,

o desejo do mal e todas as paixões más que lhes

retardam o progresso, eis o que os caracteriza.”

98.

Os Espíritos da segunda ordem, para os quais o bem

constitui a preocupação dominante, têm o poder de

praticá-lo?

“Cada um deles dispõe desse poder, de acordo com o

grau de perfeição a que chegou. Assim, uns possuem a

7a prova A- livro dos espíritos.p65 116 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

117

ciência, outros a sabedoria e a bondade. Todos, porém, ainda

têm que sofrer provas.”

99.

Os da terceira categoria são todos essencialmente maus?

“Não; uns há que não fazem nem o mal nem o bem;

outros, ao contrário, se comprazem no mal e ficam satisfeitos

quando se lhes depara ocasião de praticá-lo. Há também

os levianos ou

 

estouvados, mais perturbadores do que

malignos, que se comprazem antes na malícia do que na

malvadez e cujo prazer consiste em mistificar e causar

pequenas contrariedades, de que se riem.”

E

 

SCALA ESPÍRITA

100.

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES. — A classificação dos Espíritos

se baseia no grau de adiantamento deles, nas qualidades

que já adquiriram e nas imperfeições de que ainda terão

de despojar-se. Esta classificação, aliás, nada tem de

absoluta. Apenas no seu conjunto cada categoria apresenta

caráter definido. De um grau a outro a transição é insensível

e, nos limites extremos, os matizes se apagam, como

nos reinos da natureza, como nas cores do arco-íris, ou,

também, como nos diferentes períodos da vida do homem.

Podem, pois, formar-se maior ou menor número de classes,

conforme o ponto de vista donde se considere a questão.

Dá-se aqui o que se dá com todos os sistemas de classificação

científica, que podem ser mais ou menos completos,

mais ou menos racionais, mais ou menos cômodos para a

inteligência. Sejam, porém, quais forem, em nada alteram

as bases da ciência. Assim, é natural que inquiridos sobre

este ponto, hajam os Espíritos divergido quanto ao número

7a prova A- livro dos espíritos.p65 117 16/09/04, 15:21

118

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

das categorias, sem que isto tenha valor algum. Entretanto,

não faltou quem se agarrasse a esta contradição aparente,

sem refletir que os Espíritos nenhuma importância

ligam ao que é puramente convencional. Para eles, o pensamento

é tudo. Deixam-nos a nós a forma, a escolha dos

termos, as classificações, numa palavra, os sistemas.

Façamos ainda uma consideração que se não deve jamais

perder de vista, a de que entre os Espíritos, do mesmo

modo que entre os homens, há os muito ignorantes, de

maneira que nunca serão demais as cautelas que se tomem

contra a tendência a crer que, por serem Espíritos,

todos devam saber tudo. Qualquer classificação exige método,

análise e conhecimento aprofundado do assunto. Ora,

no mundo dos Espíritos, os que possuem limitados conhecimentos

são, como neste mundo, os ignorantes, os inaptos

a apreender uma síntese, a formular um sistema. Só

muito imperfeitamente percebem ou compreendem uma

classificação qualquer. Consideram da primeira categoria

todos os Espíritos que lhes são superiores, por não poderem

apreciar as gradações de saber, de capacidade e de

moralidade que os distinguem, como sucede entre nós a

um homem rude com relação aos civilizados. Mesmo os que

sejam capazes de tal apreciação podem mostrar-se divergentes,

quanto às particularidades, conformemente aos

pontos de vista em que se achem, sobretudo se se trata de

uma divisão, que nenhum cunho absoluto apresente. Lineu,

Jussieu e Tournefort tiveram cada um o seu método, sem

que a Botânica houvesse em conseqüência experimentado

modificação alguma. É que nenhum deles inventou as plantas,

nem seus caracteres. Apenas observaram as analogias,

segundo as quais formaram os grupos ou classes. Foi as-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 118 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

119

sim que também nós procedemos. Não inventamos os Espíritos,

nem seus caracteres. Vimos e observamos,

julgamo-los pelas suas palavras e atos, depois os classificamos

pelas semelhanças, baseando-nos em dados que eles

próprios nos forneceram.

Os Espíritos, em geral, admitem três categorias principais,

ou três grandes divisões. Na última, a que fica na

parte inferior da escala, estão os Espíritos imperfeitos, caracterizados

pela predominância da matéria sobre o espírito

e pela propensão para o mal. Os da segunda se caracterizam

pela predominância do espírito sobre a matéria e pelo

desejo do bem: são os bons Espíritos. A primeira, finalmente,

compreende os Espíritos puros, os que atingiram o grau

supremo da perfeição.

Esta divisão nos pareceu perfeitamente racional e com

caracteres bem positivados. Só nos restava pôr em relevo, mediante

subdivisões em número suficiente, os principais matizes

do conjunto. Foi o que fizemos, com o concurso dos Espíritos,

cujas benévolas instruções jamais nos faltaram.

Com o auxílio desse quadro, fácil será determinar-se a

ordem, assim como o grau de superioridade ou de inferioridade

dos que possam entrar em relações conosco e, por

conseguinte, o grau de confiança ou de estima que mereçam.

É, de certo modo, a chave da ciência espírita, porquanto

só ele pode explicar as anomalias que as comunicações

apresentam, esclarecendo-nos acerca das desigualdades intelectuais

e morais dos Espíritos. Faremos, todavia, notar

que estes não ficam pertencendo, exclusivamente, a tal ou

tal classe. Sendo sempre gradual o progresso deles e muitas

vezes mais acentuado num sentido do que em outro,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 119 16/09/04, 15:21

120

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

pode acontecer que muitos reúnam em si os caracteres de

várias categorias, o que seus atos e linguagem tornam

possível apreciar-se.

T

 

ERCEIRA ORDEM. – ESPÍRITOS IMPERFEITOS

101.

CARACTERES GERAIS. — Predominância da matéria sobre

o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho,

egoísmo e todas as paixões que lhes são conseqüentes.

Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem.

Nem todos são essencialmente maus. Em alguns há

mais leviandade, irreflexão e malícia do que verdadeira

maldade. Uns não fazem o bem nem o mal; mas, pelo simples

fato de não fazerem o bem, já denotam a sua inferioridade.

Outros, ao contrário, se comprazem no mal e rejubilam

quando uma ocasião se lhes depara de praticá-lo.

A inteligência pode achar-se neles aliada à maldade

ou à malícia; seja, porém, qual for o grau que tenham alcançado

de desenvolvimento intelectual, suas idéias são

pouco elevadas e mais ou menos abjetos seus sentimentos.

Restritos conhecimentos têm das coisas do mundo espírita

e o pouco que sabem se confunde com as idéias e

preconceitos da vida corporal. Não nos podem dar mais do

que noções errôneas e incompletas; entretanto, nas suas

comunicações, mesmo imperfeitas, o observador atento encontra

a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos

Espíritos superiores.

Na linguagem de que usam se lhes revela o caráter.

Todo Espírito que, em suas comunicações, trai um mau

pensamento, pode ser classificado na terceira ordem. Conse-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 120 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

121

guintemente, todo mau pensamento que nos é sugerido vem

de um Espírito desta ordem.

Eles vêem a felicidade dos bons e esse espetáculo lhes

constitui incessante tormento, porque os faz experimentar

todas as angústias que a inveja e o ciúme podem causar.

Conservam a lembrança e a percepção dos sofrimentos

da vida corpórea e essa impressão é muitas vezes mais

penosa do que a realidade. Sofrem, pois, verdadeiramente,

pelos males de que padeceram em vida e pelos que ocasionam

aos outros. E, como sofrem por longo tempo, julgam

que sofrerão para sempre. Deus, para puni-los, quer que

assim julguem.

Podem compor cinco classes principais.

102.

Décima classe. ESPÍRITOS IMPUROS. — São inclinados ao

mal, de que fazem o objeto de suas preocupações. Como

Espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a

desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para

melhor enganar. Ligam-se aos homens de caráter bastante

fraco para cederem às suas sugestões, a fim de induzi-los à

perdição, satisfeitos com o conseguirem retardar-lhes o

adiantamento, fazendo-os sucumbir nas provas por que

passam.

Nas manifestações dão-se a conhecer pela linguagem.

A trivialidade e a grosseria das expressões, nos Espíritos,

como nos homens, é sempre indício de inferioridade moral,

senão também intelectual. Suas comunicações exprimem a

baixeza de seus pendores e, se tentam iludir, falando com

sensatez, não conseguem sustentar por muito tempo o

papel e acabam sempre por se traírem.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 121 16/09/04, 15:21

122

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Alguns povos os arvoraram em divindades maléficas;

outros os designam pelos nomes de demônios, maus

gênios, Espíritos do mal.

Quando encarnados, os seres vivos que eles constituem

se mostram propensos a todos os vícios geradores das paixões

vis e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a

felonia, a hipocrisia, a cupidez, a avareza sórdida. Fazem o

mal por prazer, as mais das vezes sem motivo, e, por ódio

ao bem, quase sempre escolhem suas vítimas entre as pessoas

honestas. São flagelos para a Humanidade, pouco importando

a categoria social a que pertençam, e o verniz da

civilização não os forra ao opróbrio e à ignomínia.

103.

Nona classe. ESPÍRITOS LEVIANOS. — São ignorantes, maliciosos,

irrefletidos e zombeteiros. Metem-se em tudo, a

tudo respondem, sem se incomodarem com a verdade. Gostam

de causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, de

intrigar, de induzir maldosamente em erro, por meio

de mistificações e de espertezas. A esta classe pertencem

os Espíritos vulgarmente tratados de

 

duendes, trasgos,

gnomos

, diabretes. Acham-se sob a dependência dos Espíritos

superiores, que muitas vezes os empregam, como

fazemos com os nossos servidores.

Em suas comunicações com os homens, a linguagem

de que se servem é, amiúde, espirituosa e faceta, mas quase

sempre sem profundeza de idéias. Aproveitam-se das esquisitices

e dos ridículos humanos e os apreciam, mordazes

e satíricos. Se tomam nomes supostos, é mais por malícia

do que por maldade.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 122 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

123

104.

Oitava classe. ESPÍRITOS PSEUDO-SÁBIOS. — Dispõem de

conhecimentos bastante amplos, porém, crêem saber mais

do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos

sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta

um cunho de seriedade, de natureza a iludir com respeito

às suas capacidades e luzes. Mas, em geral, isso não

passa de reflexo dos preconceitos e idéias sistemáticas que

nutriam na vida terrena. É uma mistura de algumas verdades

com os erros mais polpudos, através dos quais penetram

a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de

que ainda não puderam despir-se.

105.

Sétima classe. ESPÍRITOS NEUTROS. — Nem bastante bons

para fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o

mal. Pendem tanto para um como para o outro e não ultrapassam

a condição comum da Humanidade, quer no que

concerne ao moral, quer no que toca à inteligência. Apegam-

se às coisas deste mundo, de cujas grosseiras alegrias

sentem saudades.

106.

Sexta classe. ESPÍRITOS BATEDORES E PERTURBADORES. —

Estes Espíritos, propriamente falando, não formam uma

classe distinta pelas suas qualidades pessoais. Podem caber

em todas as classes da terceira ordem. Manifestam geralmente

sua presença por efeitos sensíveis e físicos, como

pancadas, movimento e deslocamento anormal de corpos

sólidos, agitação do ar, etc. Afiguram-se, mais do que outros,

presos à matéria. Parecem ser os agentes principais

das vicissitudes dos elementos do globo, quer atuem sobre

o ar, a água, o fogo, os corpos duros, quer nas entranhas

da terra. Reconhece-se que esses fenômenos não derivam

7a prova A- livro dos espíritos.p65 123 16/09/04, 15:21

124

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

de uma causa fortuita ou física, quando denotam caráter

intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir

tais fenômenos, mas os de ordem elevada os deixam, de

ordinário, como atribuições dos subalternos, mais aptos

para as coisas materiais do que para as coisas da inteligência;

quando julgam úteis as manifestações desse gênero,

lançam mão destes últimos como seus auxiliares.

S

 

EGUNDA ORDEM. — BONS ESPÍRITOS

107.

CARACTERES GERAIS. — Predominância do Espírito sobre

a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e poderes para

o bem estão em relação com o grau de adiantamento que

hajam alcançado; uns têm a ciência, outros a sabedoria e a

bondade. Os mais adiantados reúnem o saber às qualidades

morais. Não estando ainda completamente desmaterializados,

conservam mais ou menos, conforme a categoria

que ocupem, os traços da existência corporal, assim na

forma da linguagem, como nos hábitos, entre os quais se

descobrem mesmo algumas de suas manias. De outro modo,

seriam Espíritos perfeitos.

Compreendem Deus e o infinito e já gozam da felicidade

dos bons. São felizes pelo bem que fazem e pelo mal que

impedem. O amor que os une lhes é fonte de inefável ventura,

que não tem a perturbá-la nem a inveja, nem os remorsos,

nem nenhuma das más paixões que constituem o

tormento dos Espíritos imperfeitos. Todos, entretanto,

ainda têm que passar por provas, até que atinjam a perfeição.

Como Espíritos, suscitam bons pensamentos, desviam

os homens da senda do mal, protegem na vida os que se

7a prova A- livro dos espíritos.p65 124 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

125

lhes mostram dignos de proteção e neutralizam a influência

dos Espíritos imperfeitos sobre aqueles a quem não é

grato sofrê-la.

Quando encarnados, são bondosos e benevolentes com

os seus semelhantes. Não os movem o orgulho, nem o

egoísmo, ou a ambição. Não experimentam ódio, rancor,

inveja ou ciúme e fazem o bem pelo bem.

A esta ordem pertencem os Espíritos designados, nas

crenças vulgares, pelos nomes de

 

bons gênios, gênios protetores,

Espíritos do bem

. Em épocas de superstições e de

ignorância, eles hão sido elevados à categoria de

divindades benfazejas.

Podem ser divididos em quatro grupos principais:

108.

Quinta classe. ESPÍRITOS BENÉVOLOS. — A bondade é

neles a qualidade dominante. Apraz-lhes prestar serviço aos

homens e protegê-los. Limitados, porém, são os seus

conhecimentos. Hão progredido mais no sentido moral do

que no sentido intelectual.

109.

Quarta classe. ESPÍRITOS SÁBIOS. — Distinguem-se pela

amplitude de seus conhecimentos. Preocupam-se menos

com as questões morais, do que com as de natureza científica,

para as quais têm maior aptidão. Entretanto, só encaram

a ciência do ponto de vista da sua utilidade e jamais

dominados por quaisquer paixões próprias dos Espíritos

imperfeitos.

110.

Terceira classe. ESPÍRITOS DE SABEDORIA. — As qualidades

morais da ordem mais elevada são o que os caracteriza.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 125 16/09/04, 15:21

126

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Sem possuírem ilimitados conhecimentos, são dotados de

uma capacidade intelectual que lhes faculta juízo reto

sobre os homens e as coisas.

111.

Segunda classe. ESPÍRITOS SUPERIORES. — Esses em si

reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade. Da linguagem

que empregam se exala sempre a benevolência; é uma linguagem

invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes,

sublime. Sua superioridade os torna mais aptos do que os

outros a nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo

incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao

homem saber. Comunicam-se complacentemente com os

que procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está bastante

desprendida das ligações terrenas para compreendê-

-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a curiosidade

impele, ou que, por influência da matéria, fogem à prática

do bem.

Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir

missão de progresso e então nos oferecem o tipo da

perfeição a que a Humanidade pode aspirar neste mundo.

P

 

RIMEIRA ORDEM. — ESPÍRITOS PUROS

112.

CARACTERES GERAIS. — Nenhuma influência da matéria.

Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos

Espíritos das outras ordens.

113.

Primeira classe. CLASSE ÚNICA. — Os Espíritos que a

compõem percorreram todos os graus da escala e se despojaram

de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado

7a prova A- livro dos espíritos.p65 126 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

127

a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm

mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais

sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a

vida eterna no seio de Deus.

Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham

submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida

material. Essa felicidade, porém, não é a de

 

ociosidade monótona,

a transcorrer em perpétua contemplação

. Eles são

os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam

para manutenção da harmonia universal. Comandam

a todos os Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-

-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes designam as

suas missões. Assistir os homens nas suas aflições, concitá-

-los ao bem ou à expiação das faltas que os conservam

distanciados da suprema felicidade, constitui para eles

ocupação gratíssima. São designados às vezes pelos nomes

de anjos, arcanjos ou serafins.

Podem os homens pôr-se em comunicação com eles,

mas extremamente presunçoso seria aquele que pretendesse

tê-los constantemente às suas ordens.

P

 

ROGRESSÃO DOS ESPÍRITOS

114.

Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são

eles mesmos que se melhoram?

“São os próprios Espíritos que se melhoram e, melhorando-

se, passam de uma ordem inferior para outra mais

elevada.”

115.

Dos Espíritos, uns terão sido criados bons e outros

maus?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 127 16/09/04, 15:21

128

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes,

isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com

o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente

à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para

aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a

pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus

lhes impõe é que os Espíritos adquirem aquele conhecimento.

Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais

depressa à meta que lhes foi assinada. Outros, só a suportam

murmurando e, pela falta em que desse modo incorrem,

permanecem afastados da perfeição e da prometida

felicidade.”

a)

— Segundo o que acabais de dizer, os Espíritos, em

sua origem, seriam como as crianças, ignorantes e inexperientes,

só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos de

que carecem com o percorrerem as diferentes fases da vida?

“Sim, a comparação é boa. A criança rebelde se conserva

ignorante e imperfeita. Seu aproveitamento depende

da sua maior ou menor docilidade. Mas, a vida do homem

tem termo, ao passo que a dos Espíritos se prolonga ao

infinito.”

116.

Haverá Espíritos que se conservem eternamente nas

ordens inferiores?

“Não; todos se tornarão perfeitos. Mudam de ordem,

mas demoradamente, porquanto, como já doutra vez dissemos,

um pai justo e misericordioso não pode banir seus

filhos para sempre. Pretenderias que Deus, tão grande, tão

bom, tão justo, fosse pior do que vós mesmos?”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 128 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

129

117.

Depende dos Espíritos o progredirem mais ou menos

rapidamente para a perfeição?

“Certamente. Eles a alcançam mais ou menos rápido,

conforme o desejo que têm de alcançá-la e a submissão que

testemunham à vontade de Deus. Uma criança dócil não se

instrui mais depressa do que outra recalcitrante?”

118.

Podem os Espíritos degenerar?

“Não; à medida que avançam, compreendem o que os

distanciava da perfeição. Concluindo uma prova, o Espírito

fica com a ciência que daí lhe veio e não a esquece. Pode

permanecer estacionário, mas não retrograda.”

119.

Não podia Deus isentar os Espíritos das provas que

lhes cumpre sofrer para chegarem à primeira ordem?

“Se Deus os houvesse criado perfeitos, nenhum mérito

teriam para gozar dos benefícios dessa perfeição. Onde estaria

o merecimento sem a luta? Demais, a desigualdade

entre eles existente é necessária às suas personalidades.

Acresce ainda que as missões que desempenham nos diferentes

graus da escala estão nos desígnios da Providência,

para a harmonia do Universo.”

Pois que, na vida social, todos os homens podem chegar às

mais altas funções, seria o caso de perguntar-se por que o soberano

de um país não faz de cada um de seus soldados um general;

por que todos os empregados subalternos não são funcionários

superiores; por que todos os colegiais não são mestres. Ora,

entre a vida social e a espiritual há esta diferença: enquanto que

a primeira é limitada e nem sempre permite que o homem suba

todos os seus degraus, a segunda é indefinida e a todos oferece a

possibilidade de se elevarem ao grau supremo.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 129 16/09/04, 15:21

130

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

120.

Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para

chegar ao bem?

“Pela fieira do mal, não; pela fieira da ignorância.”

121.

Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do

bem e outros o do mal?

“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus;

criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão

para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se

tornaram por vontade própria.”

122.

Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda

não têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade

de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum

princípio, qualquer tendência que os encaminhe para

uma senda de preferência a outra?

“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito

adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria

liberdade, desde que a escolha fosse determinada por

uma causa independente da vontade do Espírito. A causa

não está nele, está fora dele, nas influências a que

cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém

na grande figura emblemática da queda do homem

e do pecado original: uns cederam à tentação, outros

resistiram.”

a)

— Donde vêm as influências que sobre ele se exercem?

“Dos Espíritos imperfeitos, que procuram apoderar-se

dele, dominá-lo, e que rejubilam com o fazê-lo sucumbir.

Foi isso o que se intentou simbolizar na figura de Satanás.”

b)

— Tal influência só se exerce sobre o Espírito em sua

origem?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 130 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

131

“Acompanha-o na sua vida de Espírito, até que haja

conseguido tanto império sobre si mesmo, que os maus

desistem de obsidiá-lo.”

123.

Por que há Deus permitido que os Espíritos possam

tomar o caminho do mal?

“Como ousais pedir a Deus contas de seus atos? Supondes

poder penetrar-lhe os desígnios? Podeis, todavia,

dizer o seguinte: A sabedoria de Deus está na liberdade de

escolher que ele deixa a cada um, porquanto, assim, cada

um tem o mérito de suas obras.”

124.

Pois que há Espíritos que desde o princípio seguem o

caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto,

deve haver, sem dúvida, gradações entre esses dois

extremos. Não?

“Sim, certamente, e os que se acham nos graus intermédios

constituem a maioria.”

125.

Os Espíritos que enveredaram pela senda do mal

poderão chegar ao mesmo grau de superioridade que os

outros?

“Sim; mas

 

as eternidades lhes serão mais longas.”

Por estas palavras —

 

as eternidades — se deve entender a

idéia que os Espíritos inferiores fazem da perpetuidade de seus

sofrimentos, cujo termo não lhes é dado ver, idéia que revive

todas as vezes que sucumbem numa prova.

126.

Chegados ao grau supremo da perfeição, os Espíritos

que andaram pelo caminho do mal têm, aos olhos de

Deus, menos mérito do que os outros?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 131 16/09/04, 15:21

132

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Deus olha de igual maneira para os que se transviaram

e para os outros e a todos ama com o mesmo coração.

Aqueles são chamados maus, porque sucumbiram. Antes,

não eram mais que simples Espíritos.”

127.

Os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades

intelectuais?

“São criados iguais, porém, não sabendo donde vêm,

preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem

mais ou menos rapidamente em inteligência como em

moralidade.”

Os Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do

bem nem por isso são Espíritos perfeitos. Não têm, é certo, maus

pendores, mas precisam adquirir a experiência e os conhecimentos

indispensáveis para alcançar a perfeição. Podemos compará-los

a crianças que, seja qual for a bondade de seus instintos

naturais, necessitam de se desenvolver e esclarecer e que não

passam, sem transição, da infância à madureza. Simplesmente,

assim como há homens que são bons e outros que são maus

desde a infância, também há Espíritos que são bons ou

maus desde a origem, com a diferença capital de que a criança

tem instintos já inteiramente formados, enquanto que o Espírito,

ao formar-se, não é nem bom, nem mau; tem todas as tendências

e toma uma ou outra direção, por efeito do seu livre-arbítrio.

A

 

NJOS E DEMÔNIOS

128.

Os seres a que chamamos anjos, arcanjos, serafins,

formam uma categoria especial, de natureza diferente

da dos outros Espíritos?

“Não; são os Espíritos puros: os que se acham no mais

alto grau da escala e reúnem todas as perfeições.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 132 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

133

A palavra

 

anjo desperta geralmente a idéia de perfeição moral.

Entretanto, ela se aplica muitas vezes à designação de todos os

seres, bons e maus, que estão fora da Humanidade. Diz-se: o

anjo bom e o anjo mau; o anjo de luz e o anjo das trevas. Neste caso,

o termo é sinônimo de

 

Espírito ou de gênio. Tomamo-lo aqui na sua

melhor acepção.

129.

Os anjos hão percorrido todos os graus da escala?

“Percorreram todos os graus, mas do modo que

havemos dito: uns, aceitando sem murmurar suas missões,

chegaram depressa; outros, gastaram mais ou menos

tempo para chegar à perfeição.”

130.

Sendo errônea a opinião dos que admitem a existência

de seres criados perfeitos e superiores a todas as outras

criaturas, como se explica que essa crença esteja

na tradição de quase todos os povos?

“Fica sabendo que o mundo onde te achas não existe de

toda a eternidade e que, muito tempo antes que ele existisse,

já havia Espíritos que tinham atingido o grau supremo.

Acreditaram os homens que eles eram assim desde todos

os tempos.”

131.

Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra?

“Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. Mas,

porventura, Deus seria justo e bom se houvera criado seres

destinados eternamente ao mal e a permanecerem eternamente

desgraçados? Se há demônios, eles se encontram no

mundo inferior em que habitais e em outros semelhantes.

São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo

7a prova A- livro dos espíritos.p65 133 16/09/04, 15:21

134

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

um Deus mau e vingativo e que julgam agradá-lo por meio

das abominações que praticam em seu nome.”

A palavra

 

demônio não implica a idéia de Espírito mau, senão

na sua acepção moderna, porquanto o termo grego

 

daïmon,

donde ela derivou, significa

 

gênio, inteligência e se aplicava aos

seres incorpóreos, bons ou maus, indistintamente.

Por demônios, segundo a acepção vulgar da palavra, se entendem

seres essencialmente malfazejos. Como todas as coisas,

eles teriam sido criados por Deus. Ora, Deus, que é soberanamente

justo e bom, não pode ter criado seres prepostos, por sua

natureza, ao mal e condenados por toda a eternidade. Se não

fossem obra de Deus, existiriam, como ele, desde toda a eternidade,

ou então haveria muitas potências soberanas.

A primeira condição de toda doutrina é ser lógica. Ora, à dos

demônios, no sentido absoluto, falta esta base essencial. Concebe-

se que povos atrasados, os quais, por desconhecerem os atributos

de Deus, admitem em suas crenças divindades maléficas,

também admitam demônios; mas, é ilógico e contraditório que

quem faz da bondade um dos atributos essenciais de Deus suponha

haver ele criado seres destinados ao mal e a praticá-lo perpetuamente,

porque isso equivale a lhe negar a bondade. Os partidários

dos demônios se apóiam nas palavras do Cristo. Não

seremos nós quem conteste a autoridade de seus ensinos, que

desejáramos ver mais no coração do que na boca dos homens;

porém, estarão aqueles partidários certos do sentido que ele dava

a esse vocábulo? Não é sabido que a forma alegórica constitui um

dos caracteres distintivos da sua linguagem? Dever-se-á tomar

ao pé da letra tudo o que o Evangelho contém? Não precisamos

de outra prova além da que nos fornece esta passagem:

“Logo após esses dias de aflição, o Sol escurecerá e a Lua

não mais dará sua luz, as estrelas cairão do céu e as potências do

céu se abalarão. Em verdade vos digo que esta geração não

passará, sem que todas estas coisas se tenham cumprido.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 134 16/09/04, 15:21

DOS ESPÍRITOS

 

135

Não temos visto a Ciência contraditar a

 

forma do texto bíblico,

no tocante à Criação e ao movimento da Terra? Não se dará

o mesmo com algumas figuras de que se serviu o Cristo, que

tinha de falar de acordo com os tempos e os lugares? Não é possível

que ele haja dito conscientemente uma falsidade. Assim, pois,

se nas suas palavras há coisas que parecem chocar a razão, é

que não as compreendemos bem, ou as interpretamos mal.

Os homens fizeram com os demônios o que fizeram com os

anjos. Como acreditaram na existência de seres perfeitos desde

toda a eternidade, tomaram os Espíritos inferiores por seres perpetuamente

maus. Por demônios se devem entender os Espíritos

impuros, que muitas vezes não valem mais do que as entidades

designadas por esse nome, mas com a diferença de ser transitório

o estado deles. São Espíritos imperfeitos, que se rebelam contra

as provas que lhes tocam e que, por isso, as sofrem mais

longamente, porém que, a seu turno, chegarão a sair daquele

estado, quando o quiserem. Poder-se-ia, pois, aceitar o termo

 

demônio

com esta restrição. Como o entendem atualmente, dando-

-se-lhe um sentido exclusivo, ele induziria em erro, com o fazer

crer na existência de seres especiais criados para o mal.

Satanás é evidentemente a personificação do mal sob forma

alegórica, visto não se poder admitir que exista um ser mau a

lutar, como de potência a potência, com a Divindade e cuja única

preocupação consistisse em lhe contrariar os desígnios. Como

precisa de figuras e imagens que lhe impressionem a imaginação,

o homem pintou os seres incorpóreos sob uma forma material,

com atributos que lembram as qualidades ou os defeitos humanos.

É assim que os antigos, querendo personificar o Tempo, o

pintaram com a figura de um velho munido de uma foice e uma

ampulheta. Representá-lo pela figura de um mancebo fora contra-

senso. O mesmo se verifica com as alegorias da fortuna, da

verdade, etc. Os modernos representaram os anjos, os puros Espíritos,

por uma figura radiosa, de asas brancas, emblema da

pureza; e Satanás com chifres, garras e os atributos da animalidade,

emblema das paixões vis. O vulgo, que toma as coisas ao pé

da letra, viu nesses emblemas individualidades reais, como vira

outrora Saturno na alegoria do Tempo.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 135 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O I I

Da encarnação

dos Espíritos

 

 

Objetivo da encarnação

 

 

A alma

 

 

Materialismo

O

 

BJETIVO DA ENCARNAÇÃO

132.

Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?

“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los

chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão.

Mas, para alcançarem essa perfeição,

 

têm que sofrer

todas as vicissitudes da existência corporal

: nisso é que está

a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o

Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na

obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo,

toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria

essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto

de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo

para a obra geral, ele próprio se adianta.”

A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do Universo.

Deus, porém, na sua sabedoria, quis que nessa mesma

ação eles encontrassem um meio de progredir e de se aproximar

7a prova A- livro dos espíritos.p65 136 16/09/04, 15:21

DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

 

137

dele. Deste modo, por uma admirável lei da Providência, tudo se

encadeia, tudo é solidário na Natureza.

133.

Têm necessidade de encarnação os Espíritos que,

desde o princípio, seguiram o caminho do bem?

“Todos são criados simples e ignorantes e se instruem

nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo,

não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos,

conseguintemente sem mérito.”

a)

— Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido

o caminho do bem, se isso não os isenta dos sofrimentos

da vida corporal?

“Chegam mais depressa ao fim. Demais, as aflições da

vida são muitas vezes a conseqüência da imperfeição do

Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos.

Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro,

nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam

desses defeitos.”

A

 

ALMA

134.

Que é a alma?

“Um Espírito encarnado.”

a)

— Que era a alma antes de se unir ao corpo?

“Espírito.”

b)

— As almas e os Espíritos são, portanto, idênticos, a

mesma coisa?

“Sim, as almas não são senão os Espíritos. Antes de se

unir ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam

7a prova A- livro dos espíritos.p65 137 16/09/04, 15:21

138

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

o mundo invisível, os quais temporariamente revestem um

invólucro carnal para se purificarem e esclarecerem.”

135.

Há no homem alguma outra coisa além da alma e do

corpo?

“Há o laço que liga a alma ao corpo.”

a)

— De que natureza é esse laço?

“Semimaterial, isto é, de natureza intermédia entre o

Espírito e o corpo. É preciso que seja assim para que os

dois se possam comunicar um com o outro. Por meio desse

laço é que o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente.”

O homem é, portanto, formado de três partes essenciais:

1º — o corpo ou ser material, análogo ao dos animais e

animado pelo mesmo princípio vital;

2º — a alma, Espírito encarnado que tem no corpo a sua

habitação;

3º — o princípio intermediário, ou

 

perispírito, substância

semimaterial que serve de primeiro envoltório ao Espírito e liga a

alma ao corpo. Tal, num fruto, o gérmen, o perisperma e a casca.

136.

A alma independe do princípio vital?

“O corpo não é mais do que envoltório, repetimo-lo

constantemente.”

a)

— Pode o corpo existir sem a alma?

“Pode; entretanto, desde que cessa a vida do corpo, a

alma o abandona. Antes do nascimento, ainda não há união

definitiva entre a alma e o corpo; enquanto que, depois de

essa união se haver estabelecido, a morte do corpo rompe

7a prova A- livro dos espíritos.p65 138 16/09/04, 15:21

DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

 

139

os laços que o prendem à alma e esta o abandona. A vida

orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não

pode habitar um corpo privado de vida orgânica.”

b)

— Que seria o nosso corpo, se não tivesse alma?

“Simples massa de carne sem inteligência, tudo o que

quiserdes, exceto um homem.”

137.

Um Espírito pode encarnar a um tempo em dois corpos

diferentes?

“Não, o Espírito é indivisível e não pode animar simultaneamente

dois seres distintos.” (Ver, em

 

O Livro dos Médiuns,

o capítulo VII, “Da bicorporeidade e da transfiguração”.)

138.

Que se deve pensar da opinião dos que consideram a

alma o princípio da vida material?

“É uma questão de palavras, com que nada temos.

Começai por vos entenderdes mutuamente.”

139.

Alguns Espíritos e, antes deles, alguns filósofos definiram

a alma como sendo: “uma centelha anímica

emanada do grande Todo”. Por que essa contradição?

“Não há contradição. Tudo depende das acepções das

palavras. Por que não tendes uma palavra para cada coisa?”

O vocábulo

 

alma se emprega para exprimir coisas muito diferentes.

Uns chamam alma ao princípio da vida e, nesta acepção,

se pode com acerto dizer,

 

figuradamente, que a alma é uma

centelha anímica emanada do grande Todo. Estas últimas palavras

indicam a fonte universal do princípio vital de que cada ser

absorve uma porção e que, após a morte, volta à massa donde

saiu. Essa idéia de nenhum modo exclui a de um ser moral, dis-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 139 16/09/04, 15:21

140

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

tinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade.

A esse ser, igualmente, se dá o nome de alma e nesta acepção

é que se pode dizer que a alma é um Espírito encarnado. Dando

da alma definições diversas, os Espíritos falaram de acordo com o

modo por que aplicavam a palavra e com as idéias terrenas de

que ainda estavam mais ou menos imbuídos. Isto resulta da deficiência

da linguagem humana, que não dispõe de uma palavra

para cada idéia, donde uma imensidade de equívocos e discussões.

Eis por que os Espíritos superiores nos dizem que primeiro

nos entendamos acerca das palavras.

 

1

140.

Que se deve pensar da teoria da alma subdividida em

tantas partes quantos são os músculos e presidindo

assim a cada uma das funções do corpo?

“Ainda isto depende do sentido que se empreste à palavra

alma

. Se se entende por alma o fluido vital, essa teoria

tem razão de ser; se se entende por alma o Espírito

encarnado, é errônea. Já dissemos que o Espírito é

indivisível. Ele imprime movimento aos órgãos, servindo-se

do fluido intermediário, sem que para isso se divida.”

a)

— Entretanto, alguns Espíritos deram essa definição.

“Os Espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela

causa.”

A alma atua por intermédio dos órgãos e os órgãos são animados

pelo fluido vital, que por eles se reparte, existindo em maior

abundância nos que são centros ou focos de movimento. Esta

explicação, porém, não procede, desde que se considere a alma

como sendo o Espírito que habita o corpo durante a vida e o deixa

por ocasião da morte.

1

 

Ver, na Introdução, a explicação sobre o termo alma, § II.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 140 16/09/04, 15:21

DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

 

141

141.

Há alguma coisa de verdadeiro na opinião dos que pretendem

que a alma é exterior ao corpo e o circunvolve?

“A alma não se acha encerrada no corpo, qual pássaro

numa gaiola. Irradia e se manifesta exteriormente, como a

luz através de um globo de vidro, ou como o som em torno

de um centro de sonoridade. Neste sentido se pode dizer

que ela é exterior, sem que por isso constitua o envoltório

do corpo. A alma tem dois invólucros. Um, sutil e leve: é o

primeiro, ao qual chamas

 

perispírito; outro, grosseiro, material

e pesado, o corpo. A alma é o centro de todos os

envoltórios, como o gérmen em um núcleo, já o temos dito.”

142.

Que dizeis dessa outra teoria segundo a qual a alma,

numa criança, se vai completando a cada período

da vida?

“O Espírito é uno e está todo na criança, como no adulto.

Os órgãos, ou instrumentos das manifestações da alma,

é que se desenvolvem e completam. Ainda aí tomam o efeito

pela causa.”

143.

Por que todos os Espíritos não definem do mesmo modo

a alma?

“Os Espíritos não se acham todos esclarecidos igualmente

sobre estes assuntos. Há Espíritos de inteligência

ainda limitada, que não compreendem as coisas abstratas.

São como as crianças entre vós. Também há Espíritos

pseudo-sábios, que fazem alarde de palavras, para se imporem,

ainda como sucede entre vós. Depois, os próprios

Espíritos esclarecidos podem exprimir-se em termos diferentes,

cujo valor, entretanto, é, substancialmente, o mesmo,

sobretudo quando se trata de coisas que a vossa lin-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 141 16/09/04, 15:21

142

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

guagem se mostra impotente para traduzir com clareza.

Recorrem então a figuras, a comparações, que tomais como

realidade.”

144.

Que se deve entender por alma do mundo?

“O princípio universal da vida e da inteligência, do qual

nascem as individualidades. Mas, os que se servem dessa

expressão não se compreendem, as mais das vezes, uns aos

outros. O termo

 

alma é tão elástico que cada um o interpreta

ao sabor de suas fantasias. Também à Terra hão atribuído

uma alma. Por alma da Terra se deve entender o conjunto

dos Espíritos abnegados, que dirigem para o bem as vossas

ações, quando os escutais, e que, de certo modo, são os

lugares-tenentes de Deus com relação ao vosso planeta.”

145.

Como se explica que tantos filósofos antigos e modernos,

durante tão longo tempo, hajam discutido sobre a

ciência psicológica e não tenham chegado ao conhecimento

da verdade?

“Esses homens eram os precursores da eterna Doutrina

Espírita. Prepararam os caminhos. Eram homens e, como

tais, se enganaram, tomando suas próprias idéias pela luz.

No entanto, mesmo os seus erros servem para realçar a

verdade, mostrando o pró e o contra. Demais, entre esses

erros se encontram grandes verdades que um estudo

comparativo torna apreensíveis.”

146.

A alma tem, no corpo, sede determinada e circunscrita?

“Não; porém, nos grandes gênios, em todos os que pensam

muito, ela reside mais particularmente na cabeça, ao

7a prova A- livro dos espíritos.p65 142 16/09/04, 15:21

DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

 

143

passo que ocupa principalmente o coração naqueles

que muito sentem e cujas ações têm todas por objeto a

Humanidade.”

a)

— Que se deve pensar da opinião dos que situam a

alma num centro vital?

“Quer isso dizer que o Espírito habita de preferência

essa parte do vosso organismo, por ser aí o ponto de convergência

de todas as sensações. Os que a situam no que

consideram o centro da vitalidade, esses a confundem com

o fluido ou princípio vital. Pode, todavia, dizer-se que a sede

da alma se encontra especialmente nos órgãos que servem

para as manifestações intelectuais e morais.”

M

 

ATERIALISMO

147.

Por que é que os anatomistas, os fisiologistas e, em

geral, os que aprofundam a ciência da Natureza, são,

com tanta freqüência, levados ao materialismo?

“O fisiologista refere tudo ao que vê. Orgulho dos homens,

que julgam saber tudo e não admitem haja coisa

alguma que lhes esteja acima do entendimento. A própria

ciência que cultivam os enche de presunção. Pensam que a

Natureza nada lhes pode conservar oculto.”

148.

Não é de lastimar que o materialismo seja uma conseqüência

de estudos que deveriam, contrariamente, mostrar

ao homem a superioridade da inteligência que governa

o mundo? Deve-se daí concluir que são perigosos?

“Não é exato que o materialismo seja uma conseqüência

desses estudos. O homem é que deles tira uma conse-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 143 16/09/04, 15:21

144

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

qüência falsa, pela razão de lhe ser dado abusar de tudo,

mesmo das melhores coisas. Acresce que o

 

nada os amedronta

mais do que eles quereriam que parecesse, e os espíritos

fortes, quase sempre, são antes fanfarrões do que

bravos. Na sua maioria, só são materialistas porque não

têm com que encher o vazio do abismo que diante deles se

abre. Mostrai-lhes uma âncora de salvação e a ela se

agarrarão pressurosamente.”

Por uma aberração da inteligência, pessoas há que só vêem

nos seres orgânicos a ação da matéria e a esta atribuem todos os

nossos atos. No corpo humano apenas vêem a máquina elétrica;

somente pelo funcionamento dos órgãos estudaram o mecanismo

da vida, cuja repetida extinção observaram, por efeito da ruptura

de um fio, e nada mais enxergaram além desse fio. Procuraram

saber se alguma coisa restava e, como nada acharam senão matéria,

que se tornara inerte, como não viram a alma escapar-se,

como não a puderam apanhar, concluíram que tudo se continha

nas propriedades da matéria e que, portanto, à morte se seguia a

aniquilação do pensamento. Triste conseqüência, se fora real,

porque então o bem e o mal nada significariam, o homem teria

razão para só pensar em si e para colocar acima de tudo a satisfação

de seus apetites materiais; quebrados estariam os laços

sociais e as mais santas afeições se romperiam para sempre. Felizmente,

longe estão de ser gerais semelhantes idéias, que se

podem mesmo ter por muito circunscritas, constituindo apenas

opiniões individuais, pois que em parte alguma ainda formaram

doutrina. Uma sociedade que se fundasse sobre tais bases traria

em si o gérmen de sua dissolução e seus membros se entredevorariam

como animais ferozes.

O homem tem, instintivamente, a convicção de que nem tudo

se lhe acaba com a vida. O nada lhe infunde horror. É em vão que

se obstina contra a idéia da vida futura. Ao soar o momento supremo,

poucos são os que não inquirem do que vai ser deles,

porque a idéia de deixar a vida para sempre algo oferece de pungen-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 144 16/09/04, 15:21

DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

 

145

te. Quem, de fato, poderia encarar com indiferença uma separação

absoluta, eterna, de tudo o que foi objeto de seu amor? Quem

poderia ver, sem terror, abrir-se diante si o imensurável abismo

do nada, onde se sepultassem para sempre todas as suas faculdades,

todas as suas esperanças, e dizer a si mesmo: Pois que!

depois de mim, nada, nada mais, senão o vácuo, tudo definitivamente

acabado; mais alguns dias e a minha lembrança se terá

apagado da memória dos que me sobreviverem; nenhum vestígio,

dentro em pouco, restará da minha passagem pela Terra; até

mesmo o bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem

beneficiei. E nada, para compensar tudo isto, nenhuma outra

perspectiva, além da do meu corpo roído pelos vermes!

Não tem este quadro alguma coisa de horrível, de glacial? A

religião ensina que não pode ser assim e a razão no-lo confirma.

Mas, uma existência futura, vaga e indefinida não apresenta o

que satisfaça ao nosso desejo do positivo. Essa, em muitos, a

origem da dúvida. Possuímos alma, está bem; mas, que é a nossa

alma? Tem forma, uma aparência qualquer? É um ser limitado,

ou indefinido? Dizem alguns que é um sopro de Deus, outros

uma centelha, outros uma parcela do grande Todo, o princípio da

vida e da inteligência. Que é, porém, o que de tudo isto ficamos

sabendo? Que nos importa ter uma alma, se, extinguindo-se-nos

a vida, ela desaparece na imensidade, como as gotas dágua no

Oceano? A perda da nossa individualidade não equivale, para

nós, ao nada? Diz-se também que a alma é imaterial. Ora, uma

coisa imaterial carece de proporções determinadas. Desde então,

nada é, para nós. A religião ainda nos ensina que seremos felizes

ou desgraçados, conforme ao bem ou ao mal que houvermos feito.

Que vem a ser, porém, essa felicidade que nos aguarda no seio

de Deus? Será uma beatitude, uma contemplação eterna, sem

outra ocupação mais do que entoar louvores ao Criador? As chamas

do inferno serão uma realidade ou um símbolo? A própria

Igreja lhes dá esta última significação; mas, então, que são aqueles

sofrimentos? Onde esse lugar de suplício? Numa palavra, que

é o que se faz, que é o que se vê, nesse outro mundo que a todos

7a prova A- livro dos espíritos.p65 145 16/09/04, 15:21

146

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

nos espera? Dizem que ninguém jamais voltou de lá para nos dar

informações.

É erro dizê-lo e a missão do Espiritismo consiste precisamente

em nos esclarecer acerca desse futuro, em fazer com que, até certo

ponto, o toquemos com o dedo e o penetremos com o olhar, não mais

pelo raciocínio somente, porém, pelos fatos. Graças às comunicações

espíritas, não se trata mais de uma simples presunção,

de uma probabilidade sobre a qual cada um conjeture à

vontade, que os poetas embelezem com suas ficções, ou cumulem

de enganadoras imagens alegóricas. É a realidade que nos aparece,

pois que são os próprios seres de além-túmulo que nos vêm

descrever a situação em que se acham, relatar o que fazem,

facultando-nos assistir, por assim dizer, a todas as peripécias da

nova vida que lá vivem e mostrando-nos, por esse meio, a sorte

inevitável que nos está reservada, de acordo com os nossos méritos

e deméritos. Haverá nisso alguma coisa de anti-religioso? Muito

ao contrário, porquanto os incrédulos encontram aí a fé e os

tíbios a renovação do fervor e da confiança. O Espiritismo é, pois,

o mais potente auxiliar da religião. Se ele aí está, é porque Deus

o permite e o permite para que as nossas vacilantes esperanças

se revigorem e para que sejamos reconduzidos à senda do bem

pela perspectiva do futuro.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 146 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O I I I

Da volta do Espírito,

extinta a vida corpórea,

à vida espiritual

 

 

A alma após a morte

 

 

Separação da alma e do corpo

 

 

Perturbação espiritual

A

 

ALMA APÓS A MORTE

149.

Que sucede à alma no instante da morte?

“Volta a ser Espírito, isto é, volve ao mundo dos Espíritos,

donde se apartara momentaneamente.”

150.

A alma, após a morte, conserva a sua individualidade?

“Sim; jamais a perde. Que seria ela, se não a conservasse?”

a)

— Como comprova a alma a sua individualidade, uma

vez que não tem mais corpo material?

“Continua a ter um fluido que lhe é próprio, haurido

na atmosfera do seu planeta, e que guarda a aparência de

sua última encarnação: seu perispírito.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 147 16/09/04, 15:21

148

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

b)

— A alma nada leva consigo deste mundo?

“Nada, a não ser a lembrança e o desejo de ir para um

mundo melhor, lembrança cheia de doçura ou de amargor,

conforme o uso que ela fez da vida. Quanto mais pura for,

melhor compreenderá a futilidade do que deixa na Terra.”

151.

Que pensar da opinião dos que dizem que após a

morte a alma retorna ao todo universal?

“O conjunto dos Espíritos não forma um todo? não

constitui um mundo completo? Quando estás numa

assembléia, és parte integrante dela; mas, não obstante,

conservas sempre a tua individualidade.”

152.

Que prova podemos ter da individualidade da alma

depois da morte?

“Não tendes essa prova nas comunicações que recebeis?

Se não fôsseis cegos, veríeis; se não fôsseis surdos, ouviríeis;

pois que muito amiúde uma voz vos fala, reveladora da

existência de um ser que está fora de vós.”

Os que pensam que, pela morte, a alma reingressa no todo

universal estão em erro, se supõem que, semelhante à gota dágua

que cai no Oceano, ela perde ali a sua individualidade. Estão

certos, se por

 

todo universal entendem o conjunto dos seres

incorpóreos, conjunto de que cada alma ou Espírito é um

elemento.

Se as almas se confundissem num amálgama só teriam as

qualidades do conjunto, nada as distinguiria umas das outras.

Careceriam de inteligência e de qualidades pessoais quando, ao

contrário, em todas as comunicações, denotam ter consciência

do seu

 

eu e vontade própria. A diversidade infinita que apresentam,

sob todos os aspectos, é a conseqüência mesma de consti-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 148 16/09/04, 15:21

DA VOLTA DO ESPÍRITO

 

, EXTINTA A VIDA CORPÓREA, 149

À VIDA ESPIRITUAL

tuírem individualidades diversas. Se, após a morte, só houvesse

o que se chama o grande Todo, a absorver todas as individualidades,

esse Todo seria uniforme e, então, as comunicações que se

recebessem do mundo invisível seriam idênticas. Desde que, porém,

lá se nos deparam seres bons e maus, sábios e ignorantes,

felizes e desgraçados; que lá os há de todos os caracteres: alegres

e tristes, levianos e ponderados, etc., patente se faz que eles são

seres distintos. A individualidade ainda mais evidente se torna,

quando esses seres provam a sua identidade por indicações incontestáveis,

particularidades individuais verificáveis, referentes

às suas vidas terrestres. Também não pode ser posta em dúvida,

quando se fazem visíveis nas aparições. A individualidade da alma

nos era ensinada em teoria, como artigo de fé. O Espiritismo a

torna manifesta e, de certo modo, material.

153.

Em que sentido se deve entender a vida eterna?

“A vida do Espírito é que é eterna; a do corpo é transitória

e passageira. Quando o corpo morre, a alma retoma a

vida eterna.”

a)

— Não seria mais exato chamar vida eterna à dos

Espíritos puros, dos que, tendo atingido a perfeição, não

estão sujeitos a sofrer mais prova alguma?

“Essa é antes a felicidade eterna. Mas isto constitui

uma questão de palavras. Chamai as coisas como quiserdes,

contanto que vos entendais.”

S

 

EPARAÇÃO DA ALMA E DO CORPO

154.

É dolorosa a separação da alma e do corpo?

“Não; o corpo quase sempre sofre mais durante a vida

do que no momento da morte; a alma nenhuma parte toma

7a prova A- livro dos espíritos.p65 149 16/09/04, 15:21

150

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

nisso. Os sofrimentos que algumas vezes se experimentam

no instante da morte são

 

um gozo para o Espírito, que vê

chegar o termo do seu exílio.”

Na morte natural, a que sobrevém pelo esgotamento dos

órgãos, em conseqüência da idade, o homem deixa a vida sem o

perceber: é uma lâmpada que se apaga por falta de óleo.

155.

Como se opera a separação da alma e do corpo?

“Rotos os laços que a retinham, ela se desprende.”

a)

— A separação se dá instantaneamente por brusca

transição? Haverá alguma linha de demarcação nitidamente

traçada entre a vida e a morte?

“Não; a alma se desprende gradualmente, não se escapa

como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a

liberdade. Aqueles dois estados se tocam e confundem, de

sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o

prendiam.

 

Estes laços se desatam, não se quebram.”

Durante a vida, o Espírito se acha preso ao corpo pelo seu

envoltório semimaterial ou perispírito. A morte é a destruição do

corpo somente, não a desse outro invólucro, que do corpo se separa

quando cessa neste a vida orgânica. A observação demonstra

que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito

não se completa subitamente; que, ao contrário, se opera gradualmente

e com uma lentidão muito variável conforme os

indivíduos. Em uns é bastante rápido, podendo dizer-se que o

momento da morte é mais ou menos o da libertação. Em outros,

naqueles sobretudo cuja vida foi

 

toda material e sensual, o desprendimento

é muito menos rápido, durando algumas vezes dias,

semanas e até meses, o que não implica existir, no corpo, a menor

vitalidade, nem a possibilidade de volver à vida, mas uma

simples afinidade com o Espírito, afinidade que guarda sempre

7a prova A- livro dos espíritos.p65 150 16/09/04, 15:21

DA VOLTA DO ESPÍRITO

 

, EXTINTA A VIDA CORPÓREA, 151

À VIDA ESPIRITUAL

proporção com a preponderância que, durante a vida, o Espírito

deu à matéria. É, com efeito, racional conceber-se que, quanto

mais o Espírito se haja identificado com a matéria, tanto mais

penoso lhe seja separar-se dela; ao passo que a atividade intelectual

e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de

desprendimento, mesmo durante a vida do corpo, de modo que,

em chegando a morte, ele é quase instantâneo. Tal o resultado

dos estudos feitos em todos os indivíduos que se têm podido observar

por ocasião da morte. Essas observações ainda provam

que a afinidade, persistente entre a alma e o corpo, em certos

indivíduos, é, às vezes, muito penosa, porquanto o Espírito pode

experimentar o horror da decomposição. Este caso, porém, é

excepcional e peculiar a certos gêneros de vida e a certos gêneros

de morte. Verifica-se com alguns, suicidas.

156.

A separação definitiva da alma e do corpo pode

ocorrer antes da cessação completa da vida orgânica?

“Na agonia, a alma, algumas vezes, já tem deixado o

corpo; nada mais há que a vida orgânica. O homem já não

tem consciência de si mesmo; entretanto, ainda lhe resta

um sopro de vida orgânica. O corpo é a máquina que o

coração põe em movimento. Existe, enquanto o coração faz

circular nas veias o sangue, para o que não necessita

da alma.”

157.

No momento da morte, a alma sente, alguma vez,

qualquer aspiração ou êxtase que lhe faça entrever o

mundo onde vai de novo entrar?

“Muitas vezes a alma sente que se desfazem os laços

que a prendem ao corpo.

 

Emprega então todos os esforços

para desfazê-los inteiramente

. Já em parte desprendida da

matéria, vê o futuro desdobrar-se diante de si e goza, por

antecipação, do estado de Espírito.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 151 16/09/04, 15:21

152

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

158.

O exemplo da lagarta que, primeiro, anda de rastos

pela terra, depois se encerra na sua crisálida em estado

de morte aparente, para enfim renascer com uma

existência brilhante, pode dar-nos idéia da vida terrestre,

do túmulo e, finalmente, da nossa nova existência?

“Uma idéia acanhada. A imagem é boa; todavia, cumpre

não seja tomada ao pé da letra, como freqüentemente

vos sucede.”

159.

Que sensação experimenta a alma no momento em que

reconhece estar no mundo dos Espíritos?

“Depende. Se praticaste o mal, impelido pelo desejo de

o praticar, no primeiro momento te sentirás envergonhado

de o haveres praticado. Com a alma do justo as coisas se

passam de modo bem diferente. Ela se sente como que

aliviada de grande peso, pois que não teme nenhum olhar

perscrutador.”

160.

O Espírito se encontra imediatamente com os que

conheceu na Terra e que morreram antes dele?

“Sim, conforme à afeição que lhes votava e a que eles

lhe consagravam. Muitas vezes aqueles seus conhecidos o

vêm receber à entrada do mundo dos Espíritos e o

 

ajudam

a desligar-se das faixas da matéria

. Encontra-se também

com muitos dos que conheceu e perdeu de vista durante a

sua vida terrena. Vê os que estão na erraticidade, como vê

os encarnados e os vai visitar.”

161.

Em caso de morte violenta e acidental, quando os órgãos

ainda se não enfraqueceram em conseqüência da

7a prova A- livro dos espíritos.p65 152 16/09/04, 15:21

DA VOLTA DO ESPÍRITO

 

, EXTINTA A VIDA CORPÓREA, 153

À VIDA ESPIRITUAL

idade ou das moléstias, a separação da alma e a

cessação da vida ocorrem simultaneamente?

“Geralmente assim é; mas, em todos os casos, muito

breve é o instante que medeia entre uma e outra.”

162.

Após a decapitação, por exemplo, conserva o homem

por alguns instantes a consciência de si mesmo?

“Não raro a conserva durante alguns minutos, até que

a vida orgânica se tenha extinguido completamente. Mas,

também, quase sempre a apreensão da morte lhe faz

perder aquela consciência antes do momento do suplício.”

Trata-se aqui da consciência que o supliciado pode ter de si

mesmo, como homem e por intermédio dos órgãos, e não como

Espírito. Se não perdeu essa consciência antes do suplício, pode

conservá-la por alguns breves instantes. Ela, porém, cessa necessariamente

com a vida orgânica do cérebro, o que não quer

dizer que o perispírito esteja inteiramente separado do corpo. Ao

contrário: em todos os casos de morte violenta, quando a morte

não resulta da extinção gradual das forças vitais, mais

 

tenazes

os laços que prendem o corpo ao perispírito e, portanto, mais

lento o desprendimento completo.

P

 

ERTURBAÇÃO ESPIRITUAL

163.

A alma tem consciência de si mesma imediatamente

depois de deixar o corpo?

“Imediatamente não é bem o termo. A alma passa

algum tempo em estado de perturbação.”

164.

A perturbação que se segue à separação da alma e do

corpo é do mesmo grau e da mesma duração para

todos os Espíritos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 153 16/09/04, 15:21

154

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Não; depende da elevação de cada um. Aquele que já

está purificado, se reconhece quase imediatamente, pois

que se libertou da matéria antes que cessasse a vida do

corpo, enquanto que o homem carnal, aquele cuja consciência

ainda não está pura, guarda por muito mais tempo

a impressão da matéria.”

165.

O conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência

sobre a duração, mais ou menos longa, da perturbação?

“Influência muito grande, por isso que o Espírito já

antecipadamente compreendia a sua situação. Mas, a prática

do bem e a consciência pura são o que maior influência

exercem.”

Por ocasião da morte, tudo, a princípio, é confuso. De algum

tempo precisa a alma para entrar no conhecimento de si mesma.

Ela se acha como que aturdida, no estado de uma pessoa que

despertou de profundo sono e procura orientar-se sobre a sua

situação. A lucidez das idéias e a memória do passado lhe voltam,

à medida que se apaga a influência da matéria que ela acaba de

abandonar, e à medida que se dissipa a espécie de névoa que lhe

obscurece os pensamentos.

Muito variável é o tempo que dura a perturbação que se

segue à morte. Pode ser de algumas horas, como também de muitos

meses e até de muitos anos. Aqueles que, desde quando ainda

viviam na Terra, se identificaram com o estado futuro que os aguardava,

são os em quem menos longa ela é, porque esses

compreendem imediatamente a posição em que se encontram.

Aquela perturbação apresenta circunstâncias especiais, de

acordo com os caracteres dos indivíduos e, principalmente, com

o gênero de morte. Nos casos de morte violenta, por suicídio, suplício,

acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito fica surpreendido,

espantado e não acredita estar morto. Obstinadamente

sustenta que não o está. No entanto, vê o seu próprio corpo,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 154 16/09/04, 15:21

DA VOLTA DO ESPÍRITO

 

, EXTINTA A VIDA CORPÓREA, 155

À VIDA ESPIRITUAL

reconhece que esse corpo é seu, mas não compreende que se

ache separado dele. Acerca-se das pessoas a quem estima, fala-lhes

e não percebe por que elas não o ouvem. Semelhante ilusão se

prolonga até ao completo desprendimento do perispírito. Só então

o Espírito se reconhece como tal e compreende que não pertence

mais ao número dos vivos. Este fenômeno se explica facilmente.

Surpreendido de improviso pela morte, o Espírito fica

atordoado com a brusca mudança que nele se operou; considera

ainda a morte como sinônimo de destruição, de aniquilamento.

Ora, porque pensa, vê, ouve, tem a sensação de não estar morto.

Mais lhe aumenta a ilusão o fato de se ver com um corpo semelhante,

na forma, ao precedente, mas cuja natureza etérea ainda

não teve tempo de estudar. Julga-o sólido e compacto como o

primeiro e, quando se lhe chama a atenção para esse ponto, admira-

se de não poder palpá-lo. Esse fenômeno é análogo ao que

ocorre com alguns sonâmbulos inexperientes, que não crêem dormir.

É que têm o sono por sinônimo de suspensão das faculdades.

Ora, como pensam livremente e vêem, julgam naturalmente

que não dormem. Certos Espíritos revelam essa particularidade,

se bem que a morte não lhes tenha sobrevindo inopinadamente.

Todavia, sempre mais generalizada se apresenta entre os que,

embora doentes, não pensavam em morrer. Observa-se então o

singular espetáculo de um Espírito assistir ao seu próprio

enterramento como se fora o de um estranho, falando desse ato

como de coisa que lhe não diz respeito, até ao momento em que

compreende a verdade.

A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa

para o homem de bem, que se conserva calmo, semelhante em

tudo a quem acompanha as fases de um tranqüilo despertar. Para

aquele cuja consciência ainda não está pura, a perturbação é

cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam à proporção

que ele da sua situação se compenetra.

Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos os

que perecem ao mesmo tempo nem sempre tornam a ver-se logo.

Presas da perturbação que se segue à morte, cada um vai para

seu lado, ou só se preocupa com os que lhe interessam.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 155 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O I V

Da pluralidade das

existências

 

 

A reencarnação

 

 

Justiça da reencarnação

 

 

Encarnação nos diferentes mundos

 

 

Transmigrações progressivas

 

 

Sorte das crianças depois da morte

 

 

Sexos nos Espíritos

 

 

Parentesco, filiação

 

 

Parecenças físicas e morais

 

 

Idéias inatas

A

 

REENCARNAÇÃO

166.

Como pode a alma, que não alcançou a perfeição

durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?

“Sofrendo a prova de uma nova existência.”

a)

— Como realiza essa nova existência? Será pela sua

transformação como Espírito?

“Depurando-se, a alma indubitavelmente experimenta

uma transformação, mas para isso necessária lhe é a prova

da vida corporal.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 156 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

157

b)

— A alma passa então por muitas existências

corporais?

“Sim, todos contamos muitas existências. Os que

dizem o contrário pretendem manter-vos na ignorância

em que eles próprios se encontram. Esse o desejo deles.”

c)

— Parece resultar desse princípio que a alma, depois

de haver deixado um corpo, toma outro, ou, então, que

reencarna em novo corpo. É assim que se deve entender?

“Evidentemente.”

167.

Qual o fim objetivado com a reencarnação?

“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade.

Sem isto, onde a justiça?”

168.

É limitado o número das existências corporais, ou o

Espírito reencarna perpetuamente?

“A cada nova existência, o Espírito dá um passo para

diante na senda do progresso. Desde que se ache limpo de

todas as impurezas, não tem mais necessidade das provas

da vida corporal.”

169.

É invariável o número das encarnações para todos os

Espíritos?

“Não; aquele que caminha depressa, a muitas provas

se forra. Todavia, as encarnações sucessivas são sempre

muito numerosas, porquanto o progresso é quase infinito.”

170.

O que fica sendo o Espírito depois da sua última

encarnação?

“Espírito bem-aventurado; puro Espírito.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 157 16/09/04, 15:21

158

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

J

 

USTIÇA DA REENCARNAÇÃO

171.

Em que se funda o dogma da reencarnação?

“Na justiça de Deus e na revelação, pois incessantemente

repetimos: o bom pai deixa sempre aberta a seus

filhos uma porta para o arrependimento. Não te diz a razão

que seria injusto privar para sempre da felicidade eterna

todos aqueles de quem não dependeu o melhorarem-se?

Não são filhos de Deus todos os homens? Só entre os egoístas

se encontram a iniqüidade, o ódio implacável e os

castigos sem remissão.”

Todos os Espíritos tendem para a perfeição e Deus lhes faculta

os meios de alcançá-la, proporcionando-lhes as provações

da vida corporal. Sua justiça, porém, lhes concede realizar, em

novas existências,

 

o que não puderam fazer ou concluir numa

primeira prova.

Não obraria Deus com eqüidade, nem de acordo com a sua

bondade, se condenasse para sempre os que talvez hajam encontrado,

oriundos do próprio meio onde foram colocados e alheios à

vontade que os animava, obstáculos ao seu melhoramento. Se a

sorte do homem se fixasse irrevogavelmente depois da morte, não

seria uma única a balança em que Deus pesa as ações de todas

as criaturas e não haveria imparcialidade no tratamento que a

todas dispensa.

A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir

para o Espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde

à idéia que formamos da justiça de Deus para com os

homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode

explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos

oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas

provações. A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 158 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

159

O homem, que tem consciência da sua inferioridade, haure

consoladora esperança na doutrina da reencarnação. Se crê na

justiça de Deus, não pode contar que venha a achar-se, para

sempre, em pé de igualdade com os que mais fizeram do que ele.

Sustém-no, porém, e lhe reanima a coragem a idéia de que aquela

inferioridade não o deserda eternamente do supremo bem e

que, mediante novos esforços, dado lhe será conquistá-lo. Quem

é que, ao cabo da sua carreira, não deplora haver tão tarde ganho

uma experiência de que já não mais pode tirar proveito? Entretanto,

essa experiência tardia não fica perdida; o Espírito a utilizará

em nova existência.

E

 

NCARNAÇÃO NOS DIFERENTES MUNDOS

172.

As nossas diversas existências corporais se verificam

todas na Terra?

“Não; vivemo-las em diferentes mundos. As que aqui

passamos não são as primeiras, nem as últimas; são, porém,

das mais materiais e das mais distantes da perfeição.”

173.

A cada nova existência corporal a alma passa de um

mundo para outro, ou pode ter muitas no mesmo globo?

“Pode viver muitas vezes no mesmo globo, se não se

adiantou bastante para passar a um mundo superior.”

a)

— Podemos então reaparecer muitas vezes na Terra?

“Certamente.”

b)

— Podemos voltar a este, depois de termos vivido em

outros mundos?

“Sem dúvida. É possível que já tenhais vivido algures e

na Terra.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 159 16/09/04, 15:21

160

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

174.

Tornar a viver na Terra constitui uma necessidade?

“Não; mas, se não progredistes, podereis ir para outro

mundo que não valha mais do que a Terra e que talvez até

seja pior do que ela.”

175.

Haverá alguma vantagem em voltar-se a habitar a

Terra?

“Nenhuma vantagem particular, a menos que seja em

missão, caso em que se progride aí como em qualquer

outro planeta.”

a)

— Não se seria mais feliz permanecendo na condição

de Espírito?

“Não, não; estacionar-se-ia e o que se quer é caminhar

para Deus.”

176.

Depois de haverem encarnado noutros mundos, podem

os Espíritos encarnar neste, sem que jamais aí tenham

estado?

“Sim, do mesmo modo que vós em outros.

 

Todos os

mundos são solidários

: o que não se faz num faz-se noutro.”

a)

— Assim, homens há que estão na Terra pela primeira

vez?

“Muitos, e em graus diversos de adiantamento.”

b)

— Pode-se reconhecer, por um indício qualquer, que

um Espírito está pela primeira vez na Terra?

“Nenhuma utilidade teria isso.”

177.

Para chegar à perfeição e à suprema felicidade, destino

final de todos os homens, tem o Espírito que passar pela

fieira de todos os mundos existentes no Universo?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 160 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

161

“Não, porquanto muitos são os mundos correspondentes

a cada grau da respectiva escala e o Espírito, saindo de

um deles, nenhuma coisa nova aprenderia nos outros do

mesmo grau.”

a)

— Como se explica então a pluralidade de suas

existências em um mesmo globo?

“De cada vez poderá ocupar posição diferente das anteriores

e nessas diversas posições se lhe deparam outras

tantas ocasiões de adquirir experiência.”

178.

Podem os Espíritos encarnar em um mundo relativamente

inferior a outro onde já viveram?

“Sim, quando em missão, com o objetivo de auxiliarem

o progresso, caso em que aceitam alegres as tribulações de

tal existência, por lhes proporcionar meio de se adiantarem.”

a)

— Mas, não pode dar-se também por expiação? Não

pode Deus degredar para mundos inferiores Espíritos

rebeldes?

“Os Espíritos podem conservar-se estacionários, mas

não retrogradam. Em caso de estacionamento, a punição

deles consiste em não avançarem, em recomeçarem, no

meio conveniente à sua natureza, as existências

mal-empregadas.”

b)

— Quais os que têm de recomeçar a mesma existência?

“Os que faliram em suas missões ou em suas provas.”

179.

Os seres que habitam cada mundo hão todos alcançado

o mesmo nível de perfeição?

“Não; dá-se em cada um o que ocorre na Terra: uns

Espíritos são mais adiantados do que outros.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 161 16/09/04, 15:21

162

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

180.

Passando deste planeta para outro, conserva o Espírito

a inteligência que aqui tinha?

“Sem dúvida; a inteligência não se perde. Pode, porém,

acontecer que ele não disponha dos mesmos meios para

manifestá-la, dependendo isto da sua superioridade e das

condições do corpo que tomar.”

 

(Veja-se: “Influência do organismo”,

cap. VII, Parte 2ª.)

181.

Os seres que habitam os diferentes mundos têm corpos

semelhantes aos nossos?

“É fora de dúvida que têm corpos, porque o Espírito

precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria.

Esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme

o grau de pureza a que chegaram os Espíritos. É isso

o que assinala a diferença entre os mundos que temos de

percorrer, porquanto muitas moradas há na casa de nosso

Pai, sendo, conseguintemente, de muitos graus essas

moradas. Alguns o sabem e desse fato têm consciência na

Terra; com outros, no entanto, o mesmo não se dá.”

182.

É-nos possível conhecer exatamente o estado físico e

moral dos diferentes mundos?

“Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo com

o grau de adiantamento em que vos achais. Quer dizer que

não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem

todos estão em estado de compreendê-las

 

e semelhante revelação

os perturbaria.”

À medida que o Espírito se purifica, o corpo que o reveste se

aproxima igualmente da natureza espírita. Torna-se-lhe menos

densa a matéria, deixa de rastejar penosamente pela superfície

7a prova A- livro dos espíritos.p65 162 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

163

do solo, menos grosseiras se lhe fazem as necessidades físicas,

não mais sendo preciso que os seres vivos se destruam mutuamente

para se nutrirem. O Espírito se acha mais livre e tem, das

coisas longínquas, percepções que desconhecemos. Vê com os

olhos do corpo o que só pelo pensamento entrevemos.

Da purificação do Espírito decorre o aperfeiçoamento moral,

para os seres que eles constituem, quando encarnados. As paixões

animais se enfraquecem e o egoísmo cede lugar ao sentimento

da fraternidade. Assim é que, nos mundos superiores ao

nosso, se desconhecem as guerras, carecendo de objeto os ódios

e as discórdias, porque ninguém pensa em causar dano ao seu

semelhante. A intuição que seus habitantes têm do futuro, a segurança

que uma consciência isenta de remorsos lhes dá, fazem

que a morte nenhuma apreensão lhes cause. Encaram-na de

frente, sem temor, como simples transformação.

A duração da vida, nos diferentes mundos, parece guardar

proporção com o grau de superioridade física e moral de cada um,

o que é perfeitamente racional. Quanto menos material o corpo,

menos sujeito às vicissitudes que o desorganizam. Quanto mais

puro o Espírito, menos paixões a miná-lo. É essa ainda uma

graça da Providência, que desse modo abrevia os sofrimentos.

183.

Indo de um mundo para outro, o Espírito passa por

nova infância?

“Em toda parte a infância é uma transição necessária,

mas não é, em toda parte, tão obtusa como no vosso mundo.”

184.

Tem o Espírito a faculdade de escolher o mundo onde

passe a habitar?

“Nem sempre. Pode pedir que lhe seja permitido ir para

este ou aquele e pode obtê-lo, se o merecer, porquanto a

acessibilidade dos mundos, para os Espíritos, depende do

grau da elevação destes.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 163 16/09/04, 15:21

164

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Se o Espírito nada pedir, que é o que determina o

mundo em que ele reencarnará?

“O grau da sua elevação.”

185.

O estado físico e moral dos seres vivos é perpetuamente

o mesmo em cada mundo?

“Não; os mundos também estão sujeitos à lei do progresso.

Todos começaram, como o vosso, por um estado

inferior e a própria Terra sofrerá idêntica transformação.

Tornar-se-á um paraíso, quando os homens se houverem

tornado bons.”

É assim que as raças, que hoje povoam a Terra, desaparecerão

um dia, substituídas por seres cada vez mais perfeitos, pois

que essas novas raças transformadas sucederão às atuais, como

estas sucederam a outras ainda mais grosseiras.

186.

Haverá mundos onde o Espírito, deixando de revestir

corpos materiais, só tenha por envoltório o perispírito?

“Há e mesmo esse envoltório se torna tão etéreo que

para vós é como se não existisse. Esse o estado dos

Espíritos puros.”

a)

— Parece resultar daí que, entre o estado correspondente

às últimas encarnações e a de Espírito puro, não há

linha divisória perfeitamente demarcada; não?

“Semelhante demarcação não existe. A diferença entre

um e outro estado se vai apagando pouco a pouco e acaba

por ser imperceptível, tal qual se dá com a noite às primeiras

claridades do alvorecer.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 164 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

165

187.

A substância do perispírito é a mesma em todos os

mundos?

“Não; é mais ou menos etérea. Passando de um mundo

a outro, o Espírito se reveste da matéria própria desse

outro, operando-se, porém, essa mudança com a rapidez

do relâmpago.”

188.

Os Espíritos puros habitam mundos especiais, ou se

acham no espaço universal, sem estarem mais ligados

a um mundo do que a outros?

“Habitam certos mundos, mas não lhes ficam presos,

como os homens à Terra; podem, melhor do que os outros,

estar em toda parte.”

 

1

1

 

Segundo os Espíritos, de todos os mundos que compõem o nosso

sistema planetário, a

 

Terra é dos de habitantes menos adiantados,

física e moralmente.

 

Marte lhe estaria ainda abaixo, sendo-lhe Júpiter

superior de muito, a todos os respeitos. O

 

Sol não seria mundo

habitado por seres corpóreos, mas simplesmente um lugar de

reunião dos Espíritos superiores, os quais de lá irradiam seus pensamentos

para os outros mundos, que eles dirigem por intermédio

de Espíritos menos elevados, transmitindo-os a estes por meio do

fluido universal. Considerado do ponto de vista da sua constituição

física, o Sol seria um foco de eletricidade. Todos os sóis como que

estariam em situação análoga.

O volume de cada um e a distância a que esteja do Sol nenhuma

relação necessária guardam com o grau do seu adiantamento, pois

que, do contrário, Vênus deveria ser tida por mais adiantada do que

a Terra e Saturno menos do que Júpiter.

Muitos Espíritos, que na Terra animaram personalidades conhecidas,

disseram estar reencarnados em Júpiter, um dos mundos

mais próximos da perfeição, e há causado espanto que, nesse

globo tão adiantado, estivessem homens a quem a opinião geral

aqui não atribuía tanta elevação. Nisso nada há de surpreendente,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 165 16/09/04, 15:21

166

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

T

 

RANSMIGRAÇÕES PROGRESSIVAS

189.

Desde o início de sua formação, goza o Espírito da

plenitude de suas faculdades?

“Não, pois que para o Espírito, como para o homem,

também há infância. Em sua origem, a vida do Espírito é

apenas instintiva. Ele mal tem consciência de si mesmo e de

seus atos. A inteligência só pouco a pouco se desenvolve.”

190.

Qual o estado da alma na sua primeira encarnação?

“O da infância na vida corporal. A inteligência então

apenas desabrocha:

 

a alma se ensaia para a vida.”

191.

As dos nossos selvagens são almas no estado de

infância?

desde que se atenda a que, possivelmente, certos Espíritos, habitantes

daquele planeta, foram mandados à Terra para desempenharem

aí certa missão que, aos nossos olhos, os não colocava na

primeira plana. Em segundo lugar, deve-se atender a que, entre a

existência que tiveram na Terra e a que passaram a ter em Júpiter,

podem eles ter tido outras intermédias, em que se melhoraram.

Finalmente, cumpre se considere que, naquele mundo, como no

nosso, múltiplos são os graus de desenvolvimento e que, entre esses

graus, pode medear lá a distância que vai, entre nós, do selvagem

ao homem civilizado. Assim, do fato de um Espírito habitar

Júpiter não se segue que esteja no nível dos seres mais adiantados,

do mesmo modo que ninguém pode considerar-se na categoria

de um sábio do Instituto, só porque reside em Paris.

As condições de longevidade não são, tampouco, em qualquer

parte, as mesmas que na Terra e as idades não se podem comparar.

Evocado, um Espírito que desencarnara havia alguns anos,

disse que, desde seis meses antes, estava encarnado em mundo

7a prova A- livro dos espíritos.p65 166 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

167

“De infância relativa, pois já são almas desenvolvidas,

visto que já nutrem paixões.”

a)

— Então, as paixões são um sinal de desenvolvimento?

“De desenvolvimento, sim; de perfeição, porém, não.

São sinal de atividade e de consciência do

 

eu, porquanto,

na alma primitiva, a inteligência e a vida se acham no estado

de gérmen.”

A vida do Espírito, em seu conjunto, apresenta as mesmas

fases que observamos na vida corporal. Ele passa gradualmente

do estado de embrião ao de infância, para chegar, percorrendo

sucessivos períodos, ao de adulto, que é o da perfeição, com a

diferença de que para o Espírito não há declínio, nem decrepitude,

como na vida corporal; que a sua vida, que teve começo, não terá

fim; que imenso tempo lhe é necessário, do nosso ponto de vista,

para passar da infância espírita ao completo desenvolvimento; e

cujo nome nos é desconhecido. Interrogado sobre a idade que tinha

nesse mundo, disse: “Não posso avaliá-la, porque não contamos o

tempo como contais. Depois, os modos de existência não são idênticos.

Nós, lá, nos desenvolvemos muito mais rapidamente. Entretanto,

se bem não haja mais de seis dos vossos meses que lá estou,

posso dizer que, quanto à inteligência, tenho trinta anos da idade

que tive na Terra.”

Muitas respostas análogas foram dadas por outros Espíritos e o

fato nada apresenta de inverossímil. Não vemos que, na Terra, uma

imensidade de animais em poucos meses adquire o desenvolvimento

normal? Por que não se poderia dar o mesmo com o homem noutras

esferas? Notemos, além disso, que o desenvolvimento que o

homem alcança na Terra aos trinta anos talvez não passe de uma

espécie de infância, comparado com o que lhe cumpre atingir. Bem

curto de vista se revela quem nos toma em tudo por protótipos da

criação, assim como é rebaixar a Divindade o imaginar-se que, fora

o homem, nada mais seja possível a Deus.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 167 16/09/04, 15:21

168

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

que o seu progresso se realiza, não num único mundo, mas vivendo

ele em mundos diversos. A vida do Espírito, pois, se compõe

de uma série de existências corpóreas, cada uma das quais

representa para ele uma ocasião de progredir, do mesmo modo

que cada existência corporal se compõe de uma série de dias, em

cada um dos quais o homem obtém um acréscimo de experiência

e de instrução. Mas, assim como, na vida do homem, há dias que

nenhum fruto produzem, na do Espírito há existências corporais

de que ele nenhum resultado colhe, porque não as soube

aproveitar.

192.

Pode alguém, por um proceder impecável na vida atual,

transpor todos os graus da escala do aperfeiçoamento

e tornar-se Espírito puro, sem passar por outros graus

intermédios?

“Não, pois o que o homem julga perfeito longe está da

perfeição. Há qualidades que lhe são desconhecidas e incompreensíveis.

Poderá ser tão perfeito quanto o comporte

a sua natureza terrena, mas isso não é a perfeição absoluta.

Dá-se com o Espírito o que se verifica com a criança

que, por mais precoce que seja, tem de passar pela juventude,

antes de chegar à idade da madureza; e também com

o enfermo que, para recobrar a saúde, tem que passar pela

convalescença. Demais, ao Espírito cumpre progredir em

ciência e em moral. Se somente se adiantou num sentido,

importa se adiante no outro, para atingir o extremo superior

da escala. Contudo, quanto mais o homem se adiantar na

sua vida atual, tanto menos longas e penosas lhe serão as

provas que se seguirem.”

a)

— Pode ao menos o homem, na vida presente, preparar

com segurança, para si, uma existência futura menos

prenhe de amarguras?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 168 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

169

“Sem dúvida. Pode reduzir a extensão e as dificuldades

do caminho.

 

Só o descuidoso permanece sempre no

mesmo ponto.

193.

Pode um homem, nas suas novas existências, descer

mais baixo do que esteja na atual?

“Com relação à

 

posição social, sim; como Espírito, não.”

194.

É possível que, em nova encarnação, a alma de um

homem de bem anime o corpo de um celerado?

“Não, visto que não pode degenerar.”

a)

— A alma de um homem perverso pode tornar-se a de

um homem de bem?

“Sim, se se arrependeu. Isso constitui então uma

recompensa.”

A marcha dos Espíritos é progressiva, jamais retrograda. Eles

se elevam gradualmente na hierarquia e não descem da categoria

a que ascenderam. Em suas diferentes existências corporais, podem

descer como homens, não como Espíritos. Assim, a alma de

um potentado da Terra pode mais tarde animar o mais humilde

obreiro e vice-versa, por isso que, entre os homens, as categorias

estão, freqüentemente, na razão inversa da elevação das qualidades

morais. Herodes era rei e Jesus, carpinteiro.

195.

A possibilidade de se melhorarem noutra existência não

será de molde a fazer que certas pessoas perseverem

no mau caminho, dominadas pela idéia de que

poderão corrigir-se mais tarde?

“Aquele que assim pensa em nada crê e a idéia de um

castigo eterno não o refrearia mais do que qualquer outra,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 169 16/09/04, 15:21

170

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

porque sua razão a repele, e semelhante idéia induz à incredulidade

a respeito de tudo. Se unicamente meios racionais

se tivessem empregado para guiar os homens, não

haveria tantos cépticos. De fato, um Espírito imperfeito

poderá, durante a vida corporal, pensar como dizes; mas,

liberto que se veja da matéria, pensará de outro modo, pois

logo verificará que fez cálculo errado e, então,

 

sentimento

oposto a esse trará ele para a sua nova existência

. É assim

que se efetua o progresso e essa a razão por que, na Terra,

os homens são desigualmente adiantados. Uns já dispõem

de experiência que a outros falta, mas que adquirirão pouco

a pouco. Deles depende o acelerar-se-lhes o progresso

ou retardar-se indefinidamente.”

O homem, que ocupa uma posição má, deseja trocá-la o mais

depressa possível. Aquele, que se acha persuadido de que as tribulações

da vida terrena são conseqüência de suas imperfeições,

procurará garantir para si uma nova existência menos penosa e

esta idéia o desviará mais depressa da senda do mal do que a do

fogo eterno, em que não acredita.

196.

Não podendo os Espíritos aperfeiçoar-se, a não ser por

meio das tribulações da existência corpórea, segue-se

que a vida material seja uma espécie de

crisol ou de

depurador

 

, por onde têm que passar todos os seres do

mundo espírita para alcançarem a perfeição?

“Sim, é exatamente isso. Eles se melhoram nessas provas,

evitando o mal e praticando o bem; porém, somente ao

cabo de mais ou menos longo tempo, conforme os esforços

que empreguem; somente após muitas encarnações ou

depurações sucessivas, atingem a finalidade para que

tendem.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 170 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

171

a)

— É o corpo que influi sobre o Espírito para que este

se melhore, ou o Espírito que influi sobre o corpo?

“Teu Espírito é tudo; teu corpo é simples veste que

apodrece: eis tudo.”

O suco da vide nos oferece um símile material dos diferentes

graus da depuração da alma. Ele contém o licor que se chama

espírito ou álcool, mas enfraquecido por uma imensidade de matérias

estranhas, que lhe alteram a essência. Esta só chega à

pureza absoluta depois de múltiplas destilações, em cada uma

das quais se despoja de algumas impurezas. O corpo é o alambique

em que a alma tem que entrar para se purificar. Às matérias

estranhas se assemelha o perispírito, que também se depura, à

medida que o Espírito se aproxima da perfeição.

S

 

ORTE DAS CRIANÇAS DEPOIS DA MORTE

197.

Poderá ser tão adiantado quanto o de um adulto o

Espírito de uma criança que morreu em tenra idade?

“Algumas vezes o é muito mais, porquanto pode dar-se

que muito mais já tenha vivido e adquirido maior soma de

experiência, sobretudo se progrediu.”

a)

— Pode então o Espírito de uma criança ser mais

adiantado que o de seu pai?

“Isso é muito freqüente. Não o vedes vós mesmos tão

amiudadas vezes na Terra?”

198.

Não tendo podido praticar o mal, o Espírito de uma

criança que morreu em tenra idade pertence a alguma

das categorias superiores?

“Se não fez o mal, igualmente não fez o bem e Deus

não o isenta das provas que tenha de padecer. Se for um

7a prova A- livro dos espíritos.p65 171 16/09/04, 15:21

172

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Espírito puro, não o é pelo fato de ter animado apenas uma

criança, mas porque já progredira até à pureza.”

199.

Por que tão freqüentemente a vida se interrompe na

infância?

“A curta duração da vida da criança pode representar,

para o Espírito que a animava, o complemento de existência

precedentemente interrompida antes do momento em

que devera terminar, e sua morte, também não raro,

constitui

 

provação ou expiação para os pais.

a)

— Que sucede ao Espírito de uma criança que morre

pequenina?

“Recomeça outra existência.”

Se uma única existência tivesse o homem e se, extinguindo-

-se-lhe ela, sua sorte ficasse decidida para a eternidade, qual

seria o mérito de metade do gênero humano, da que morre na

infância, para gozar, sem esforços, da felicidade eterna e com que

direito se acharia isenta das condições, às vezes tão duras, a que

se vê submetida a outra metade? Semelhante ordem de coisas

não corresponderia à justiça de Deus. Com a reencarnação, a

igualdade é real para todos. O futuro a todos toca sem exceção e

sem favor para quem quer que seja. Os retardatários só de si

mesmos se podem queixar. Forçoso é que o homem tenha o merecimento

de seus atos, como tem deles a responsabilidade.

Aliás, não é racional considerar-se a infância como um estado

normal de inocência. Não se vêem crianças dotadas dos piores

instintos, numa idade em que ainda nenhuma influência pode

ter tido a educação? Algumas não há que parecem trazer do berço

a astúcia, a felonia, a perfídia, até pendor para o roubo e para o

assassínio, não obstante os bons exemplos que de todos os lados

se lhes dão? A lei civil as absolve de seus crimes, porque, diz ela,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 172 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

173

obraram sem discernimento. Tem razão a lei, porque, de fato,

elas obram mais por instinto do que intencionalmente. Donde,

porém, provirão instintos tão diversos em crianças da mesma idade,

educadas em condições idênticas e sujeitas às mesmas influências?

Donde a precoce perversidade, senão da inferioridade

do Espírito, uma vez que a educação em nada contribuiu para

isso? As que se revelam viciosas, é porque seus Espíritos muito

pouco hão progredido. Sofrem então, por efeito dessa falta de progresso,

as conseqüências, não dos atos que praticam na infância,

mas dos de suas existências anteriores. Assim é que a lei é uma

só para todos e que todos são atingidos pela justiça de Deus.

S

 

EXOS NOS ESPÍRITOS

200.

Têm sexos os Espíritos?

“Não como o entendeis, pois que os sexos dependem

da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados

na concordância dos sentimentos.”

201.

Em nova existência, pode o Espírito que animou o corpo

de um homem animar o de uma mulher e vice-versa?

“Decerto; são os mesmos os Espíritos que animam os

homens e as mulheres.”

202.

Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no

corpo de um homem, ou no de uma mulher?

“Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são

as provas por que haja de passar.”

Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres,

porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo,

cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações

e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 173 16/09/04, 15:21

174

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem

os homens.

P

 

ARENTESCO, FILIAÇÃO

203.

Transmitem os pais aos filhos uma parcela de suas

almas, ou se limitam a lhes dar a vida animal a que,

mais tarde, outra alma vem adicionar a vida moral?

“Dão-lhes apenas a vida animal, pois que a alma

 

é

indivisível

. Um pai obtuso pode ter filhos inteligentes

e vice-versa.”

204.

Uma vez que temos tido muitas existências, a nossa

parentela vai além da que a existência atual nos criou?

“Não pode ser de outra maneira. A sucessão das existências

corporais estabelece entre os Espíritos ligações que

remontam às vossas existências anteriores. Daí, muitas

vezes, a simpatia que vem a existir entre vós e certos Espíritos

que vos parecem estranhos.”

205.

A algumas pessoas a doutrina da reencarnação se afigura

destruidora dos laços de família, com o fazê-los

anteriores à existência atual.

“Ela os distende; não os destrói. Fundando-se o parentesco

em afeições anteriores, menos precários são os

laços existentes entre os membros de uma mesma família.

Essa doutrina amplia os deveres da fraternidade, porquanto,

no vosso vizinho, ou no vosso servo, pode achar-se um

Espírito a quem tenhais estado presos pelos laços da

consangüinidade.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 174 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

175

a)

— Ela, no entanto, diminui a importância que alguns

dão à genealogia, visto que qualquer pode ter tido

por pai um Espírito que haja pertencido a outra raça, ou

que haja vivido em condição muito diversa.

“É exato; mas essa importância assenta no orgulho.

Os títulos, a categoria social, a riqueza, eis o que esses tais

veneram nos seus antepassados. Um, que coraria de contar,

como ascendente, honrado sapateiro, orgulhar-se-ia de

descender de um gentil-homem devasso. Digam, porém, o

que disserem, ou façam o que fizerem, não obstarão a que

as coisas sejam como são, que não foi consultando-lhes a

vaidade que Deus formulou as leis da Natureza.”

206.

Do fato de não haver filiação entre os Espíritos dos

descendentes de qualquer família, seguir-se-á que o

culto dos avoengos seja ridículo?

“De modo nenhum. Todo homem deve considerar-se

ditoso por pertencer a uma família em que encarnaram Espíritos

elevados. Se bem os Espíritos não procedam uns

dos outros, nem por isso menos afeição consagram aos que

lhes estão ligados pelos elos da família, dado que muitas

vezes eles são atraídos para tal ou qual família pela simpatia,

ou pelos laços que anteriormente se estabeleceram. Mas,

ficai certos de que os vossos antepassados não se honram

com o culto que lhes tributais por orgulho. Em vós não se

refletem os méritos de que eles gozem, senão na medida

dos esforços que empregais por seguir os bons exemplos

que vos deram. Somente nestas condições lhes é grata e

até mesmo útil a lembrança que deles guardais.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 175 16/09/04, 15:21

176

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

P

 

ARECENÇAS FÍSICAS E MORAIS

207.

Freqüentemente, os pais transmitem aos filhos a parecença

física. Transmitirão também alguma parecença moral?

“Não, que diferentes são as almas ou Espíritos de uns

e outros. O corpo deriva do corpo, mas o Espírito não procede

do Espírito. Entre os descendentes das raças apenas

há consangüinidade.”

a)

— Donde se originam as parecenças morais que

costuma haver entre pais e filhos?

“É que uns e outros são Espíritos simpáticos, que reciprocamente

se atraíram pela analogia dos pendores.”

208.

Nenhuma influência exercem os Espíritos dos pais

sobre o filho depois do nascimento deste?

“Ao contrário: bem grande influência exercem. Conforme

já dissemos, os Espíritos têm que contribuir para o

progresso uns dos outros. Pois bem, os Espíritos dos pais

têm por missão desenvolver os de seus filhos pela educação.

Constitui-lhes isso uma tarefa.

 

Tornar-se-ão culpados,

se vierem a falir no seu desempenho.

209.

Por que é que de pais bons e virtuosos nascem filhos

de natureza perversa? Por outra: por que é que as boas

qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia,

um bom Espírito para lhes animar o filho?

“Não é raro que um mau Espírito peça lhe sejam dados

bons pais, na esperança de que seus conselhos o encaminhem

por melhor senda e muitas vezes Deus lhe concede o

que deseja.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 176 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

177

210.

Pelos seus pensamentos e preces podem os pais atrair

para o corpo, em formação, do filho um bom Espírito,

de preferência a um inferior?

“Não, mas podem melhorar o Espírito do filho que lhes

nasceu e está confiado. Esse o dever deles. Os maus filhos

são uma provação para os pais.”

211.

Donde deriva a semelhança de caráter que muitas

vezes existe entre dois irmãos, mormente se gêmeos?

“São Espíritos simpáticos que se aproximam por analogia

de sentimentos

 

e se sentem felizes por estar juntos.”

212.

Há dois Espíritos, ou, por outra, duas almas, nas crianças

cujos corpos nascem ligados, tendo comuns alguns

órgãos?

“Sim, mas a semelhança entre elas é tal que faz vos

pareçam, em muitos casos, uma só.”

213.

Pois que nos gêmeos os Espíritos encarnam por

simpatia, donde provém a aversão que às vezes se

nota entre eles?

“Não é de regra que sejam simpáticos os Espíritos dos

gêmeos. Acontece também que Espíritos maus entendam

de lutar juntos no palco da vida.”

214.

Que se deve pensar dessas histórias de crianças que

lutam no seio materno?

“Lendas! Para significarem quão inveterado era o ódio

que reciprocamente se votavam, figuram-no a se fazer sentir

antes do nascimento delas. Em geral, não levais muito

em conta as imagens poéticas.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 177 16/09/04, 15:21

178

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

215.

Que é o que dá origem ao caráter distintivo que se nota

em cada povo?

“Também os Espíritos se grupam em famílias, formando-

as pela analogia de seus pendores mais ou menos puros,

conforme a elevação que tenham alcançado. Pois bem!

um povo é uma grande família formada pela reunião de

Espíritos simpáticos. Na tendência que apresentam os membros

dessas famílias, para se unirem, é que está a origem

da semelhança que, existindo entre os indivíduos, constitui

o caráter distintivo de cada povo. Julgas que Espíritos

bons e humanitários procurem, para nele encarnar, um povo

rude e grosseiro? Não. Os Espíritos simpatizam com as coletividades,

como simpatizam com os indivíduos. Naquelas

em cujo seio se encontrem, eles se acham no meio que lhes

é próprio.”

216.

Em suas novas existências conservará o Espírito traços

do caráter moral de suas existências anteriores?

“Isso pode dar-se. Mas, melhorando-se, ele muda. Pode

também acontecer que sua posição social venha a ser outra.

Se de senhor passa a escravo, inteiramente diversos

serão os seus gostos e dificilmente o reconheceríeis. Sendo

o Espírito sempre o mesmo nas diversas encarnações, podem

existir certas analogias entre as suas manifestações, se bem

que modificadas pelos hábitos da posição que ocupe, até que

um aperfeiçoamento notável lhe haja mudado completamente

o caráter, porquanto, de orgulhoso e mau, pode

tornar-se humilde e bondoso, se se arrependeu.”

217.

E do caráter físico de suas existências pretéritas conserva

o Espírito traços nas suas existências posteriores?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 178 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

179

“O novo corpo que ele toma nenhuma relação tem com

o que foi anteriormente destruído. Entretanto, o Espírito se

reflete no corpo. Sem dúvida que este é unicamente matéria,

porém, nada obstante, se modela pelas capacidades do

Espírito, que lhe imprime certo cunho, sobretudo ao rosto,

pelo que é verdadeiro dizer-se que os olhos são o espelho

da alma, isto é, que o semblante do indivíduo lhe reflete de

modo particular a alma. Assim é que uma pessoa excessivamente

feia, quando nela habita um Espírito bom,

criterioso, humanitário, tem qualquer coisa que agrada, ao

passo que há rostos belíssimos que nenhuma impressão te

causam, que até chegam a inspirar-te repulsão. Poderias

supor que somente corpos bem moldados servem de

envoltório aos mais perfeitos Espíritos, quando o certo é

que todos os dias deparas com homens de bem, sob um

exterior disforme. Sem que haja pronunciada parecença, a

semelhança dos gostos e das inclinações pode, portanto,

dar lugar ao que se chama ‘um ar de família’.”

Nenhuma relação

 

essencial guardando o corpo que a alma

toma numa encarnação com o de que se revestiu em encarnação

anterior, visto que aquele lhe pode vir de procedência muito diversa

da deste, fora absurdo pretender-se que, numa série de

existências, haja uma semelhança que é inteiramente fortuita.

Todavia, as qualidades do Espírito freqüentemente modificam os

órgãos que lhe servem para as manifestações e lhe imprimem ao

semblante físico e até ao conjunto de suas maneiras um cunho

especial. É assim que, sob um envoltório corporal da mais humilde

aparência, se pode deparar a expressão da grandeza e da dignidade,

enquanto sob um envoltório de aspecto senhoril se percebe

freqüentemente a da baixeza e da ignomínia. Não é pouco

freqüente observar-se que certas pessoas, elevando-se da mais

ínfima posição, tomam sem esforços os hábitos e as maneiras da

alta sociedade. Parece que elas aí vêm a

 

achar-se de novo no seu

7a prova A- livro dos espíritos.p65 179 16/09/04, 15:21

180

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

elemento. Outras, contrariamente, apesar do nascimento e da

educação, se mostram sempre deslocadas em tal meio. De que

modo se há de explicar esse fato, senão como reflexo daquilo

que o Espírito foi antes?

I

 

DÉIAS INATAS

218.

Encarnado, conserva o Espírito algum vestígio das

percepções que teve e dos conhecimentos que adquiriu

nas existências anteriores?

“Guarda vaga lembrança, que lhe dá o que se chama

idéias inatas.

a)

— Não é, então, quimérica a teoria das idéias inatas?

“Não; os conhecimentos adquiridos em cada existência

não mais se perdem. Liberto da matéria, o Espírito sempre

os tem presentes. Durante a encarnação, esquece-os

em parte, momentaneamente; porém, a intuição que deles

conserva lhe auxilia o progresso. Se não fosse assim, teria

que recomeçar constantemente. Em cada nova existência,

o ponto de partida, para o Espírito, é o em que, na existência

precedente, ele ficou.”

b)

— Grande conexão deve então haver entre duas

existências consecutivas?

“Nem sempre tão grande quanto talvez o suponhas,

dado que bem diferentes são, muitas vezes, as posições do

Espírito nas duas e que, no intervalo de uma a outra, pode

ele ter progredido.”

 

(216)

219.

Qual a origem das faculdades extraordinárias dos indivíduos

que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição

de certos conhecimentos, o das línguas, do cálculo, etc.?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 180 16/09/04, 15:21

DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

181

“Lembrança do passado; progresso anterior da alma,

mas de que ela não tem consciência. Donde queres que

venham tais conhecimentos? O corpo muda, o Espírito,

porém, não muda, embora troque de roupagem.”

220.

Pode o Espírito, mudando de corpo, perder algumas

faculdades intelectuais, deixar de ter, por exemplo, o

gosto das artes?

“Sim, desde que conspurcou a sua inteligência ou a utilizou

mal. Depois, uma faculdade qualquer pode permanecer

adormecida durante uma existência, por querer o Espírito

exercitar outra, que nenhuma relação tem com aquela. Esta,

então, fica em estado latente, para reaparecer mais tarde.”

221.

Dever-se-ão atribuir a uma lembrança retrospectiva o

sentimento instintivo que o homem, mesmo quando selvagem,

possui da existência de Deus e o pressentimento

da vida futura?

“É uma lembrança que ele conserva do que sabia como

Espírito antes de encarnar. Mas, o orgulho amiudadamente

abafa esse sentimento.”

a)

— Serão devidas a essa mesma lembrança certas

crenças relativas à Doutrina Espírita, que se observam em

todos os povos?

“Esta doutrina é tão antiga quanto o mundo; tal o

motivo por que em toda parte a encontramos, o que constitui

prova de que é verdadeira. Conservando a intuição do

seu estado de Espírito, o Espírito encarnado tem, instintivamente,

consciência do mundo invisível, mas os preconceitos

bastas vezes falseiam essa idéia e a ignorância lhe

mistura a superstição.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 181 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O V

Considerações sobre a

pluralidade das

existências

222.

Não é novo, dizem alguns, o dogma da reencarnação;

ressuscitaram-no da doutrina de Pitágoras. Nunca dissemos

ser de invenção moderna a Doutrina Espírita. Constituindo

uma lei da Natureza, o Espiritismo há de ter existido

desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por

demonstrar que dele se descobrem sinais na antiguidade

mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do

sistema da metempsicose; ele o colheu dos filósofos indianos

e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoriais.

A idéia da transmigração das almas formava, pois, uma

crença vulgar, aceita pelos homens mais eminentes. De que

modo a adquiriram? Por uma revelação, ou por intuição?

Ignoramo-lo. Seja, porém, como for, o que não padece dúvida

é que uma idéia não atravessa séculos e séculos, nem

consegue impor-se a inteligências de escol, se não contiver

algo de sério. Assim, a ancianidade desta doutrina, em vez

de ser uma objeção, seria prova a seu favor. Contudo, entre

7a prova A- livro dos espíritos.p65 182 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

183

a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação,

há, como também se sabe, profunda diferença,

assinalada pelo fato de os Espíritos rejeitarem, de maneira

absoluta, a transmigração da alma do homem para os

animais e reciprocamente.

Portanto, ensinando o dogma da pluralidade das existências

corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que

teve origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou

no íntimo de muitas pessoas, até aos nossos dias.

Simplesmente, eles a apresentam de um ponto de vista mais

racional, mais acorde com as leis progressivas da Natureza

e mais de conformidade com a sabedoria do Criador, despindo-

a de todos os acessórios da superstição. Circunstância

digna de nota é que não só neste livro os Espíritos a

ensinaram no decurso dos últimos tempos: já antes da sua

publicação, numerosas comunicações da mesma natureza

se obtiveram em vários países, multiplicando-se depois,

consideravelmente. Talvez fosse aqui o caso de examinarmos

por que os Espíritos não parecem todos de acordo sobre

esta questão. Mais tarde, porém, voltaremos a este assunto.

Examinemos de outro ponto de vista a matéria e, abstraindo

de qualquer intervenção dos Espíritos, deixemo-los

de lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada

tenha que ver com eles; suponhamos mesmo que jamais se

haja cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente,

num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de

probabilidade para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade

e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos

para que lado a razão e o nosso próprio interesse nos

farão pender.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 183 16/09/04, 15:21

184

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Muitos repelem a idéia da reencarnação pelo só motivo

de ela não lhes convir. Dizem que uma existência já lhes

chega de sobra e que, portanto, não desejariam recomeçar

outra semelhante. De alguns sabemos que saltam em fúria

só com o pensarem que tenham de voltar à Terra. Perguntar-

lhes-emos apenas se imaginam que Deus lhes pediu o

parecer, ou consultou os gostos, para regular o Universo.

Uma de duas: ou a reencarnação existe, ou não existe; se

existe, nada importa que os contrarie; terão que a sofrer,

sem que para isso lhes peça Deus permissão. Afiguram-se-nos

os que assim falam um doente a dizer: Sofri hoje bastante,

não quero sofrer mais amanhã. Qualquer que seja o seu

mau humor, não terá por isso que sofrer menos no dia seguinte,

nem nos que se sucederem, até que se ache curado.

Conseguintemente, se os que de tal maneira se externam

tiverem que viver de novo, corporalmente, tornarão a viver,

reencarnarão. Nada lhes adiantará rebelarem-se, quais

crianças que não querem ir para o colégio, ou condenados,

para a prisão. Passarão pelo que têm de passar. São demasiado

pueris semelhantes objeções, para merecerem mais

seriamente examinadas. Diremos, todavia, aos que as formulam

que se tranqüilizem, que a Doutrina Espírita, no

tocante à reencarnação, não é tão terrível como a julgam;

que, se a houvessem estudado a fundo, não se mostrariam

tão aterrorizados; saberiam que deles dependem as condições

da nova existência, que será feliz ou desgraçada, conforme

ao que tiverem feito neste mundo;

 

que desde agora

poderão elevar-se tão alto que a recaída no lodaçal não lhes

seja mais de temer.

Supomos dirigir-nos a pessoas que acreditam num

futuro depois da morte e não aos que criam para si a

7a prova A- livro dos espíritos.p65 184 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

185

perspectiva do nada, ou pretendem que suas almas se vão

afogar num todo universal, onde perdem a individualidade,

como os pingos da chuva no oceano, o que vem a dar quase

no mesmo. Ora, pois: se credes num futuro qualquer, certo

não admitis que ele seja idêntico para todos, porquanto, de

outro modo, qual a utilidade do bem? Por que haveria o

homem de constranger-se? Por que deixaria de satisfazer a

todas as suas paixões, a todos os seus desejos, embora

à custa de outrem, uma vez que por isso não ficaria sendo

melhor, nem pior? Credes, ao contrário, que esse futuro

será mais ou menos ditoso ou inditoso, conforme ao que

houverdes feito durante a vida e então desejais que seja tão

afortunado quanto possível, visto que há de durar pela eternidade,

não? Mas, porventura, teríeis a pretensão de ser

dos homens mais perfeitos que hajam existido na Terra e,

pois, com direito a alcançardes de um salto a suprema felicidade

dos eleitos? Não. Admitis então que há homens de

valor maior do que o vosso e com direito a um lugar melhor,

sem daí resultar que vos conteis entre os réprobos. Pois

bem! Colocai-vos mentalmente, por um instante, nessa situação

intermédia, que será a vossa, como acabastes de

reconhecer, e imaginar que alguém vos venha dizer: Sofreis;

não sois tão felizes quanto poderíeis ser, ao passo que diante

de vós estão seres que gozam de completa ventura. Quereis

mudar na deles a vossa posição? — Certamente, respondereis;

que devemos fazer? — Quase nada: recomeçar o trabalho

mal executado e executá-lo melhor. — Hesitaríeis em

aceitar, ainda que a poder de muitas existências de provações?

Façamos outra comparação mais prosaica. Figuremos

que a um homem que, sem ter chegado à miséria extrema,

sofre, no entanto, privações, por escassez de recursos,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 185 16/09/04, 15:21

186

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

viessem dizer: Aqui está uma riqueza imensa de que podes

gozar; para isto só é necessário que trabalhes arduamente

durante um minuto. Fosse ele o mais preguiçoso da Terra,

que sem hesitar diria: Trabalhemos um minuto, dois minutos,

uma hora, um dia, se for preciso. Que importa isso,

desde que me leve a acabar os meus dias na fartura? Ora,

que é a duração da vida corpórea, em confronto com a eternidade?

Menos que um minuto, menos que um segundo.

Temos visto algumas pessoas raciocinarem deste modo:

Não é possível que Deus, soberanamente bom como é, imponha

ao homem a obrigação de recomeçar uma série de

misérias e tribulações. Acharão, porventura, essas pessoas

que há mais bondade em condenar Deus o homem a sofrer

perpetuamente, por motivo de alguns momentos de erro,

do que em lhe facultar meios de reparar suas faltas? “Dois

industriais contrataram dois operários, cada um dos quais

podia aspirar a se tornar sócio do respectivo patrão. Aconteceu

que esses dois operários certa vez empregaram muito

mal o seu dia, merecendo ambos ser despedidos. Um dos

industriais, não obstante as súplicas do seu, o mandou

embora e o pobre operário, não tendo achado mais trabalho,

acabou por morrer na miséria. O outro disse ao seu:

Perdeste um dia; deves-me por isso uma compensação.

Executaste mal o teu trabalho; ficaste a me dever uma reparação.

Consinto que o recomeces. Trata de executá-lo

bem, que te conservarei ao meu serviço e poderás continuar

aspirando à posição superior que te prometi.” Será

preciso perguntemos qual dos industriais foi mais humano?

Dar-se-á que Deus, que é a clemência mesma, seja

mais inexorável do que um homem?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 186 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

187

Alguma coisa de pungente há na idéia de que a nossa

sorte fique para sempre decidida, por efeito de alguns anos

de provações, ainda quando de nós não tenha dependido o

atingirmos a perfeição, ao passo que eminentemente

consoladora é a idéia oposta, que nos permite a esperança.

Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade

das existências, sem preferirmos uma hipótese a outra,

declaramos que, se aos homens fosse dado escolher, ninguém

quereria o julgamento sem apelação. Disse um filósofo

que, se Deus não existisse, fora mister inventá-lo, para

felicidade do gênero humano. Outro tanto se poderia dizer

da pluralidade das existências. Mas, conforme atrás ponderamos,

Deus não nos pede permissão, nem consulta os

nossos gostos. Ou isto é, ou não é. Vejamos de que lado

estão as probabilidades e encaremos de outro ponto de vista

o assunto, unicamente como estudo filosófico, sempre

abstraindo do ensino dos Espíritos.

Se não há reencarnação, só há, evidentemente, uma

existência corporal. Se a nossa atual existência corpórea é

única, a alma de cada homem foi criada por ocasião do seu

nascimento, a menos que se admita a anterioridade da alma,

caso em que caberia perguntar o que era ela antes do nascimento

e se o estado em que se achava não constituía

uma existência sob forma qualquer. Não há meio termo: ou

a alma existia, ou não existia antes do corpo. Se existia,

qual a sua situação? Tinha, ou não, consciência de si mesma?

Se não tinha, é quase como se não existisse. Se tinha

individualidade, era progressiva, ou estacionária? Num e

noutro caso, a que grau chegara ao tomar o corpo? Admitindo,

de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce

7a prova A- livro dos espíritos.p65 187 16/09/04, 15:21

188

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

com o corpo, ou, o que vem a ser o mesmo, que, antes de

encarnar, só dispõe de faculdades negativas, perguntamos:

1º Por que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes

das idéias que a educação lhe fez adquirir?

2º Donde vem a aptidão extranormal que muitas crianças

em tenra idade revelam, para esta ou aquela arte, para

esta ou aquela ciência, enquanto outras se conservam inferiores

ou medíocres durante a vida toda?

3º Donde, em uns, as idéias inatas ou intuitivas, que

noutros não existem?

4º Donde, em certas crianças, o instinto precoce que

revelam para os vícios ou para as virtudes, os sentimentos

inatos de dignidade ou de baixeza, contrastando com o meio

em que elas nasceram?

5º Por que, abstraindo-se da educação, uns homens

são mais adiantados do que outros?

6º Por que há selvagens e homens civilizados? Se

tomardes de um menino hotentote recém-nascido e o

educardes nos nossos melhores liceus, fareis dele algum

dia um Laplace ou um Newton?

Qual a filosofia ou a teosofia capaz de resolver estes

problemas? É fora de dúvida que, ou as almas são iguais ao

nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por que, entre

elas, tão grande diversidade de aptidões? Dir-se-á que isso

depende do organismo. Mas, então, achamo-nos em presença

da mais monstruosa e imoral das doutrinas. O homem

seria simples máquina, joguete da matéria; deixaria

de ter a responsabilidade de seus atos, pois que poderia

7a prova A- livro dos espíritos.p65 188 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

189

atribuir tudo às suas imperfeições físicas. Se as almas são

desiguais, é que Deus as criou assim. Nesse caso, porém,

por que a inata superioridade concedida a algumas? Corresponderá

essa parcialidade à justiça de Deus e ao amor

que Ele consagra igualmente a todas as suas criaturas?

Admitamos, ao contrário, uma série de progressivas

existências anteriores para cada alma e tudo se explica. Ao

nascerem, trazem os homens a intuição do que aprenderam

antes: São mais ou menos adiantados, conforme o

número de existências que contem, conforme já estejam

mais ou menos afastados do ponto de partida. Dá-se aí

exatamente o que se observa numa reunião de indivíduos

de todas as idades, onde cada um terá desenvolvimento

proporcionado ao número de anos que tenha vivido. As existências

sucessivas serão, para a vida da alma, o que os

anos são para a do corpo. Reuni, em certo dia, um milheiro

de indivíduos de um a oitenta anos; suponde que um véu

encubra todos os dias precedentes ao em que os reunistes

e que, em conseqüência, acreditais que todos nasceram na

mesma ocasião. Perguntareis naturalmente como é que uns

são grandes e outros pequenos, uns velhos e jovens outros,

instruídos uns, outros ainda ignorantes. Se, porém, dissipando-

se a nuvem que lhes oculta o passado, vierdes a saber

que todos hão vivido mais ou menos tempo, tudo se vos

tornará explicado. Deus, em sua justiça, não pode ter criado

almas desigualmente perfeitas. Com a pluralidade das

existências, a desigualdade que notamos nada mais apresenta

em oposição à mais rigorosa eqüidade: é que apenas

vemos o presente e não o passado. A este raciocínio serve

de base algum sistema, alguma suposição gratuita? Não.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 189 16/09/04, 15:21

190

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade

das aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral e

verificamos que nenhuma das teorias correntes o explica,

ao passo que uma outra teoria lhe dá explicação simples,

natural e lógica. Será racional preferir-se as que não explicam

àquela que explica?

À vista da sexta interrogação acima, dirão naturalmente

que o hotentote é de raça inferior. Perguntaremos, então,

se o hotentote é ou não um homem. Se é, por que a ele e à

sua raça privou Deus dos privilégios concedidos à raça

caucásica? Se não é, por que tentar fazê-lo cristão? A Doutrina

Espírita tem mais amplitude do que tudo isto. Segundo

ela, não há muitas espécies de homens, há tão-somente

homens cujos espíritos estão mais ou menos atrasados,

porém todos suscetíveis de progredir. Não é este princípio

mais conforme à justiça de Deus?

Vimos de apreciar a alma com relação ao seu passado

e ao seu presente. Se a considerarmos, tendo em vista o

seu futuro, esbarraremos nas mesmas dificuldades.

1ª Se a nossa existência atual é que, só ela, decidirá da

nossa sorte vindoura, quais, na vida futura, as posições

respectivas do selvagem e do homem civilizado? Estarão no

mesmo nível, ou se acharão distanciados um do outro,

no tocante à soma de felicidade eterna que lhes caiba?

2ª O homem que trabalhou toda a sua vida por melhorar-

se, virá a ocupar a mesma categoria de outro que se

conservou em grau inferior de adiantamento, não por

culpa sua, mas porque não teve tempo, nem possibilidade

de se tornar melhor?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 190 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

191

3ª O que praticou o mal, por não ter podido instruir-

-se, será culpado de um estado de coisas cuja existência

em nada dependeu dele?

4ª Trabalha-se continuamente por esclarecer, moralizar,

civilizar os homens. Mas, em contraposição a um que

fica esclarecido, milhões de outros morrem todos os dias

antes que a luz lhes tenha chegado. Qual a sorte destes

últimos? Serão tratados como réprobos? No caso contrário,

que fizeram para ocupar categoria idêntica à dos outros?

5ª Que sorte aguarda os que morrem na infância, quando

ainda não puderam fazer nem o bem, nem o mal? Se vão

para o meio dos eleitos, por que esse favor, sem que coisa

alguma hajam feito para merecê-lo? Em virtude de que

privilégio eles se vêem isentos das tribulações da vida?

Haverá alguma doutrina capaz de resolver esses problemas?

Admitam-se as existências consecutivas e tudo se

explicará conformemente à justiça de Deus. O que se não

pôde fazer numa existência faz-se em outra. Assim é que

ninguém escapa à lei do progresso, que cada um será

recompensado segundo o seu merecimento

 

real e que

ninguém fica excluído da felicidade suprema, a que todos

podem aspirar, quaisquer que sejam os obstáculos com que

topem no caminho.

Essas questões facilmente se multiplicariam ao infinito,

porquanto inúmeros são os problemas psicológicos e

morais que só na pluralidade das existências encontram

solução. Limitamo-nos a formular as de ordem mais geral.

Como quer que seja, alegar-se-á talvez que a Igreja não

admite a doutrina da reencarnação; que ela subverteria a

religião. Não temos o intuito de tratar dessa questão neste

7a prova A- livro dos espíritos.p65 191 16/09/04, 15:21

192

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

momento. Basta-nos o havermos demonstrado que aquela

doutrina é eminentemente moral e racional. Ora, o que é

moral e racional não pode estar em oposição a uma religião

que proclama ser Deus a bondade e a razão por excelência.

Que teria sido da religião, se, contra a opinião universal e o

testemunho da ciência, se houvesse obstinadamente

recusado a render-se à evidência e expulsado de seu seio

todos os que não acreditassem no movimento do Sol ou

nos seis dias da criação? Que crédito houvera merecido e

que autoridade teria tido, entre povos cultos, uma religião

fundada em erros manifestos e que os impusesse como artigos

de fé? Logo que a evidência se patenteou, a Igreja,

criteriosamente, se colocou do lado da evidência. Uma vez

provado que certas coisas existentes seriam impossíveis sem

a reencarnação, que, a não ser por esse meio, não se consegue

explicar alguns pontos do dogma, cumpre admiti-lo

e reconhecer meramente aparente o antagonismo entre esta

doutrina e a dogmática. Mais adiante mostraremos que talvez

seja muito menor do que se pensa a distância que, da

doutrina das vidas sucessivas, separa a religião e que a

esta não faria aquela doutrina maior mal do que lhe fizeram

as descobertas do movimento da Terra e dos períodos

geológicos, as quais, à primeira vista, pareceram desmentir

os textos sagrados. Demais, o princípio da reencarnação

ressalta de muitas passagens das Escrituras, achando-

se especialmente formulado, de modo explícito, no

Evangelho:

“Quando desciam da montanha (depois da transfiguração),

Jesus lhes fez esta recomendação: Não faleis a ninguém

do que acabastes de ver, até que o Filho do homem

tenha ressuscitado, dentre os mortos. Perguntaram-lhe

7a prova A- livro dos espíritos.p65 192 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

193

então seus discípulos: Por que dizem os escribas ser preciso

que primeiro venha Elias? Respondeu-lhes Jesus: É certo

que Elias há de vir e que restabelecerá todas as coisas.

Mas, eu vos declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram

e o fizeram sofrer como entenderam. Do mesmo modo

darão a morte ao Filho do homem. Compreenderam então

seus discípulos que era de João Batista que ele lhes

falava.” (São Mateus, cap. 17)

Pois que João Batista fora Elias, houve reencarnação

do Espírito ou da alma de Elias no corpo de João Batista.

Em suma, como quer que opinemos acerca da reencarnação,

quer a aceitemos, quer não, isso não constituirá

motivo para que deixemos de sofrê-la, desde que ela exista,

malgrado a todas as crenças em contrário. O essencial está

em que o ensino dos Espíritos é eminentemente cristão;

apóia-se na imortalidade da alma, nas penas e recompensas

futuras, na justiça de Deus, no livre-arbítrio do

homem, na moral do Cristo. Logo, não é anti-religioso.

Temos raciocinado, abstraindo, como dissemos, de

qualquer ensinamento espírita que, para certas pessoas,

carece de autoridade. Não é somente porque veio dos Espíritos

que nós e tantos outros nos fizemos adeptos da pluralidade

das existências. É porque essa doutrina nos pareceu

a mais lógica e porque só ela resolve questões até então

insolúveis.

Ainda quando fosse da autoria de um simples mortal,

tê-la-íamos igualmente adotado e não houvéramos hesitado

um segundo mais em renunciar às idéias que esposávamos.

Em sendo demonstrado o erro, muito mais que perder

do que ganhar tem o amor-próprio, com o se obstinar na

7a prova A- livro dos espíritos.p65 193 16/09/04, 15:21

194

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

sustentação de uma idéia falsa. Assim também, tê-la-íamos

repelido, mesmo que provindo dos Espíritos, se nos parecera

contrária à razão, como repelimos muitas outras, pois

sabemos, por experiência, que não se deve aceitar cegamente

tudo o que venha deles, da mesma forma que se não

deve adotar às cegas tudo o que proceda dos homens. O

melhor título que, ao nosso ver, recomenda a idéia da reencarnação

é o de ser, antes de tudo, lógica. Outro, no entanto,

ela apresenta: o de a confirmarem os fatos, fatos positivos

e por bem dizer, materiais, que um estudo atento e

criterioso revela a quem se dê ao trabalho de observar com

paciência e perseverança e diante dos quais não há mais

lugar para a dúvida. Quando esses fatos se houverem vulgarizado,

como os da formação e do movimento da Terra,

forçoso será que todos se rendam à evidência e os que se

lhes colocaram em oposição ver-se-ão constrangidos a

desdizer-se.

Reconheçamos, portanto, em resumo, que só a doutrina

da pluralidade das existências explica o que, sem ela, se

mantém inexplicável; que é altamente consoladora e conforme

à mais rigorosa justiça; que constitui para o homem

a âncora de salvação que Deus, por misericórdia, lhe

concedeu.

As próprias palavras de Jesus não permitem dúvida a

tal respeito. Eis o que se lê no Evangelho de São João,

capítulo 3:

3. Respondendo a Nicodemos, disse Jesus: Em verdade,

em verdade te digo que, se um homem

 

não nascer de

novo

, não poderá ver o reino de Deus.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 194 16/09/04, 15:21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

195

4. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem

nascer já estando velho? Pode tornar ao ventre de sua mãe

para nascer segunda vez?

5. Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo

que, se um homem não renascer da água e do Espírito, não

poderá entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é

carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te admires

de que eu te tenha dito:

 

é necessário que torneis a nascer.

(Ver, adiante, o parágrafo “Ressurreição da carne”,

nº 1010.)

7a prova A- livro dos espíritos.p65 195 16/09/04, 15:21

C A P Í T U L O V I

Da vida espírita

 

 

Espíritos errantes

 

 

Mundos transitórios

 

 

Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos

 

 

Ensaio teórico da sensação nos Espíritos

 

 

Escolha das provas

 

 

As relações no além-túmulo

 

 

Relações de simpatia e de antipatia entre os

Espíritos. Metades eternas

 

 

Recordação da existência corpórea

 

 

Comemoração dos mortos. Funerais

E

 

SPÍRITOS ERRANTES

223.

A alma reencarna logo depois de se haver separado

do corpo?

“Algumas vezes reencarna imediatamente, porém de

ordinário só o faz depois de intervalos mais ou menos longos.

Nos mundos superiores, a reencarnação é quase sempre

imediata. Sendo aí menos grosseira a matéria corporal,

o Espírito, quando encarnado nesses mundos, goza quase

que de todas as suas faculdades de Espírito, sendo o seu

estado normal o dos sonâmbulos lúcidos entre vós.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 196 16/09/04, 15:21

DA VIDA ESPÍRITA

 

197

224.

Que é a alma no intervalo das encarnações?

“Espírito errante, que aspira a novo destino, que espera.”

a)

— Quanto podem durar esses intervalos?

“Desde algumas horas até alguns milhares de séculos.

Propriamente falando, não há extremo limite estabelecido

para o estado de erraticidade, que pode prolongar-se muitíssimo,

mas que nunca é perpétuo. Cedo ou tarde, o Espírito

terá que volver a uma existência apropriada a purificá-lo

das máculas de suas existências precedentes.”

b)

— Essa duração depende da vontade do Espírito, ou

lhe pode ser imposta como expiação?

“É uma conseqüência do livre-arbítrio. Os Espíritos

sabem perfeitamente o que fazem. Mas, também, para alguns,

constitui uma punição que Deus lhes inflige. Outros

pedem que ela se prolongue, a fim de continuarem estudos

que só na condição de Espírito livre podem efetuar-se com

proveito.”

225.

A erraticidade é, por si só, um sinal de inferioridade

dos Espíritos?

“Não, porquanto há Espíritos errantes de todos os

graus. A encarnação é um estado transitório, já o dissemos.

O Espírito se acha no seu estado normal, quando

liberto da matéria.”

226.

Poder-se-á dizer que são errantes todos os Espíritos

que não estão encarnados?

“Sim, com relação aos que tenham de reencarnar. Não

são errantes, porém, os Espíritos puros, os que chegaram à

perfeição. Esses se encontram no seu estado definitivo.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 197 16/09/04, 15:22

198

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

No tocante às qualidades íntimas, os Espíritos são de diferentes

ordens, ou graus, pelos quais vão passando sucessivamente,

à medida que se purificam Com relação ao estado em que

se acham, podem ser:

 

encarnados, isto é, ligados a um corpo;

errantes

, isto é, sem corpo material e aguardando nova encarnação

para se melhorarem;

 

Espíritos puros, isto é, perfeitos, não

precisando mais de encarnação.

227.

De que modo se instruem os Espíritos errantes? Certo

não o fazem do mesmo modo que nós outros?

“Estudam e procuram meios de elevar-se. Vêem, observam

o que ocorre nos lugares aonde vão; ouvem os discursos

dos homens doutos e os conselhos dos Espíritos

mais elevados e tudo isso lhes incute idéias que antes não

tinham.”

228.

Conservam os Espíritos algumas de suas paixões

humanas?

“Com o invólucro imaterial os Espíritos elevados deixam

as paixões más e só guardam a do bem. Quanto aos

Espíritos inferiores, esses as conservam, pois do contrário

pertenceriam à primeira ordem.”

229.

Por que, deixando a Terra, não deixam aí os Espíritos

todas as más paixões, uma vez que lhes reconhecem

os inconvenientes?

“Vês nesse mundo pessoas excessivamente invejosas.

Imaginas que, mal o deixam, perdem esse defeito? Acompanha

os que da Terra partem, sobretudo os que alimentaram

paixões bem acentuadas, uma espécie de atmosfera

que os envolve, conservando-lhes o que têm de mau, por

7a prova A- livro dos espíritos.p65 198 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

199

não se achar o Espírito inteiramente desprendido da matéria.

Só por momentos ele entrevê a verdade, que assim lhe

aparece como que para mostrar-lhe o bom caminho.”

230.

Na erraticidade, o Espírito progride?

“Pode melhorar-se muito, tais sejam a vontade e o

desejo que tenha de consegui-lo. Todavia, na existência

corporal é que põe em prática as idéias que adquiriu.”

231.

São felizes ou desgraçados os Espíritos errantes?

“Mais ou menos, conforme seus méritos. Sofrem por efeito

das paixões cuja essência conservaram, ou são felizes, de conformidade

com o grau de desmaterialização a que hajam chegado.

Na erraticidade, o Espírito percebe o que lhe falta

para ser mais feliz e, desde então, procura os meios de

alcançá-lo. Nem sempre, porém, lhe é permitido reencarnar

como fora de seu agrado, representando isso, para ele, uma

punição.”

232.

Podem os Espíritos errantes ir a todos os mundos?

“Conforme. Pelo simples fato de haver deixado o corpo,

o Espírito não se acha completamente desprendido da matéria

e continua a pertencer ao mundo onde acabou de viver,

ou a outro do mesmo grau, a menos que, durante a

vida, se tenha elevado, o que, aliás, constitui o objetivo para

que devem tender seus esforços, pois, do contrário, nunca

se aperfeiçoaria. Pode, no entanto, ir a alguns mundos superiores,

mas na qualidade de estrangeiro. A bem dizer,

consegue apenas entrevê-los, donde lhe nasce o desejo de

7a prova A- livro dos espíritos.p65 199 16/09/04, 15:22

200

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

melhorar-se, para ser digno da felicidade de que gozam os

que os habitam, para ser digno também de habitá-los mais

tarde.”

233.

Os Espíritos já purificados descem aos mundos

inferiores?

“Fazem-no freqüentemente, com o fim de auxiliar-lhes

o progresso. A não ser assim, esses mundos estariam

entregues a si mesmos, sem guias para dirigi-los.”

M

 

UNDOS TRANSITÓRIOS

234.

Há, de fato, como já foi dito, mundos que servem de

estações ou pontos de repouso aos Espíritos errantes?

“Sim, há mundos particularmente destinados aos seres

errantes, mundos que lhes podem servir de habitação

temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem

de uma demasiado longa erraticidade, estado este sempre

um tanto penoso. São, entre os outros mundos, posições

intermédias, graduadas de acordo com a natureza dos

Espíritos que a elas podem ter acesso e onde eles gozam de

maior ou menor bem-estar.”

a)

— Os Espíritos que habitam esses mundos podem

deixá-los livremente?

“Sim, os Espíritos que se encontram nesses mundos

podem deixá-los, a fim de irem para onde devam ir. Figurai-os

como bandos de aves que pousam numa ilha, para aí aguardarem

que se lhes refaçam as forças, a fim de seguirem seu

destino.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 200 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

201

235.

Enquanto permanecem nos mundos transitórios, os

Espíritos progridem?

“Certamente. Os que vão a tais mundos levam o objetivo

de se instruírem e de poderem mais facilmente obter

permissão para passar a outros lugares melhores e chegar

à perfeição que os eleitos atingem.”

236.

Pela sua natureza especial, os mundos transitórios se

conservam perpetuamente destinados aos Espíritos

errantes?

“Não, a condição deles é meramente temporária.”

a)

— Esses mundos são ao mesmo tempo habitados por

seres corpóreos?

“Não; estéril é neles a superfície. Os que os habitam de

nada precisam.”

b)

— É permanente essa esterilidade e decorre da natureza

especial que apresentam?

“Não; são estéreis transitoriamente.”

c)

— Os mundos dessa categoria carecem então de

belezas naturais?

“A Natureza reflete as belezas da imensidade, que não

são menos admiráveis do que aquilo a que dais o nome de

belezas naturais.”

d)

— Sendo transitório o estado de semelhantes

mundos, a Terra pertencerá algum dia ao número deles?

“Já pertenceu.”

e)

— Em que época?

“Durante a sua formação.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 201 16/09/04, 15:22

202

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Nada é inútil em a Natureza; tudo tem um fim, uma destinação.

Em lugar algum há o vazio; tudo é habitado, há vida em toda

parte. Assim, durante a dilatada sucessão dos séculos que passaram

antes do aparecimento do homem na Terra, durante os

lentos períodos de transição que as camadas geológicas atestam,

antes mesmo da formação dos primeiros seres orgânicos, naquela

massa informe, naquele árido caos, onde os elementos se achavam

em confusão, não havia ausência de vida. Seres isentos das

nossas necessidades, das nossas sensações físicas, lá encontravam

refúgio. Quis Deus que, mesmo assim, ainda imperfeita, a

Terra servisse para alguma coisa. Quem ousaria afirmar que, entre

os milhares de mundos que giram na imensidade, um só, um dos

menores, perdido no seio da multidão infinita deles, goza do privilégio

exclusivo de ser povoado? Qual então a utilidade dos demais?

Tê-los-ia Deus feito unicamente para nos recrearem a vista?

Suposição absurda, incompatível com a sabedoria que esplende

em todas as suas obras e inadmissível desde que ponderemos na

existência de todos os que não podemos perceber. Ninguém contestará

que, nesta idéia da existência de mundos ainda impróprios

para a vida material e, não obstante, já povoados de seres

vivos apropriados a tal meio, há qualquer coisa de grande e

sublime, em que talvez se encontre a solução de mais de um

problema.

P

 

ERCEPÇÕES, SENSAÇÕES E SOFRIMENTOS

DOS

 

ESPÍRITOS

237.

Uma vez de volta ao mundo dos Espíritos, conserva a

alma as percepções que tinha quando na Terra?

“Sim, além de outras de que aí não dispunha, porque o

corpo, qual véu sobre elas lançado, as obscurecia. A inteligência

é um atributo, que tanto mais livremente se manifesta

no Espírito, quanto menos entraves tenha que vencer.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 202 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

203

238.

São ilimitadas as percepções e os conhecimentos dos

Espíritos? Numa palavra: eles sabem tudo?

“Quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais

sabem. Se são Espíritos superiores, sabem muito. Os Espíritos

inferiores são mais ou menos ignorantes acerca de tudo.”

239.

Conhecem os Espíritos o princípio das coisas?

“Conforme a elevação e a pureza que hajam atingido.

Os de ordem inferior não sabem mais do que os homens.”

240.

A duração, os Espíritos a compreendem como nós?

“Não e daí vem que nem sempre nos compreendeis,

quando se trata de determinar datas ou épocas.”

Os Espíritos vivem fora do tempo como o compreendemos. A

duração, para eles, deixa, por assim dizer, de existir. Os séculos,

para nós tão longos, não passam, aos olhos deles, de instantes

que se movem na eternidade, do mesmo modo que os relevos do

solo se apagam e desaparecem para quem se eleva no espaço.

241.

Os Espíritos fazem do presente mais precisa e exata

idéia do que nós?

“Do mesmo modo que aquele, que vê bem, faz mais exata

idéia das coisas do que o cego. Os Espíritos vêem o que

não vedes. Tudo apreciam, pois, diversamente do modo por

que o fazeis. Mas, também isso depende da elevação deles.”

242.

Como é que os Espíritos têm conhecimento do passado?

E esse conhecimento lhes é ilimitado?

“O passado, quando com ele nos ocupamos, é presente.

Verifica-se então, precisamente, o que se passa contigo

7a prova A- livro dos espíritos.p65 203 16/09/04, 15:22

204

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

quando recordas qualquer coisa que te impressionou no

curso do teu exílio. Simplesmente, como já nenhum véu

material nos tolda a inteligência, lembramo-nos mesmo

daquilo que se te apagou da memória. Mas, nem tudo os

Espíritos sabem, a começar pela sua própria criação.”

243.

E o futuro, os Espíritos o conhecem?

“Ainda isto depende da elevação que tenham conquistado.

Muitas vezes, apenas o entrevêem,

 

porém nem sempre

lhes é permitido revelá-lo

. Quando o vêem, parece-lhes

presente. À medida que se aproxima de Deus, tanto mais

claramente o Espírito descortina o futuro. Depois da morte,

a alma vê e apreende num golpe de vista

 

suas passadas

migrações

, mas não pode ver o que Deus lhe reserva. Para

que tal aconteça, preciso é que, ao cabo de múltiplas

existências, se haja integrado nele.”

a)

— Os Espíritos que alcançaram a perfeição absoluta

têm conhecimento completo do futuro?

“Completo não se pode dizer, por isso que só Deus é

soberano Senhor e ninguém o pode igualar.”

244.

Os Espíritos vêem a Deus?

“Só os Espíritos superiores o vêem e compreendem. Os

inferiores o sentem e adivinham.”

a)

— Quando um Espírito inferior diz que Deus lhe proíbe

ou permite uma coisa, como sabe que isso lhe vem dele?

“Ele não vê a Deus, mas sente a sua soberania e, quando

não deva ser feita alguma coisa ou dita uma palavra,

percebe, como por intuição, a proibição de fazê-la ou dizê-la.

Não tendes vós mesmos pressentimentos, que se vos afigu-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 204 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

205

ram avisos secretos, para fazerdes, ou não, isto ou aquilo?

O mesmo nos acontece, se bem que em grau mais alto, pois

compreendes que, sendo mais sutil do que as vossas a

essência dos Espíritos, podem estes receber melhor as

advertências divinas.”

b)

— Deus transmite diretamente a ordem ao Espírito,

ou por intermédio de outros Espíritos?

“Ela não lhe vem direta de Deus. Para se comunicar

com Deus, é-lhe necessário ser digno disso. Deus lhe transmite

suas ordens por intermédio dos Espíritos imediatamente

superiores em perfeição e instrução.”

245.

O Espírito tem circunscrita a visão como os seres

corpóreos?

“Não, ela reside em todo ele.”

246.

Precisam da luz para ver?

“Vêem por si mesmos, sem precisarem de luz exterior.

Para os Espíritos, não há trevas, salvo as em que podem

achar-se por expiação.”

247.

Para verem o que se passa em dois pontos diferentes,

precisam transportar-se a esses pontos? Podem, por

exemplo, ver simultaneamente nos dois hemisférios do

globo?

“Como o Espírito se transporta aonde queira, com a

rapidez do pensamento, pode-se dizer que vê em toda parte

ao mesmo tempo. Seu pensamento é suscetível de irradiar,

dirigindo-se a um tempo para muitos pontos diferentes, mas

esta faculdade depende da sua pureza. Quanto menos puro

7a prova A- livro dos espíritos.p65 205 16/09/04, 15:22

206

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

é o Espírito, tanto mais limitada tem a visão. Só os Espíritos

superiores podem com a vista abranger um conjunto.”

No Espírito, a faculdade de ver é uma propriedade inerente à

sua natureza e que reside em todo o seu ser, como a luz reside em

todas as partes de um corpo luminoso. É uma espécie de lucidez

universal que se estende a tudo, que abrange simultaneamente o

espaço, os tempos e as coisas, lucidez para a qual não há trevas,

nem obstáculos materiais. Compreende-se que deva ser assim.

No homem, a visão se dá pelo funcionamento de um órgão que a

luz impressiona. Daí se segue que, não havendo luz, o homem

fica na obscuridade. No Espírito, como a faculdade de ver constitui

um atributo seu, abstração feita de qualquer agente exterior,

a visão independe da luz. (Veja-se:

 

Ubiqüidade, nº 92.)

248.

O Espírito vê as coisas tão distintamente como nós?

“Mais distintamente, pois que sua vista penetra onde

a vossa não pode penetrar. Nada a obscurece.”

249.

Percebe os sons?

“Sim, percebe mesmo sons imperceptíveis para os

vossos sentidos obtusos.”

a)

— No Espírito, a faculdade de ouvir está em todo ele,

como a de ver?

“Todas as percepções constituem atributos do Espírito

e lhe são inerentes ao ser. Quando o reveste um corpo

material, elas só lhe chegam pelo conduto dos órgãos.

Deixam, porém, de estar localizadas, em se achando ele na

condição de Espírito livre.”

250.

Constituindo elas atributos próprios do Espírito,

ser-lhe-á possível subtrair-se às percepções?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 206 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

207

“O Espírito unicamente vê e ouve o que quer. Dizemos

isto de um ponto de vista geral e, em particular, com referência

aos Espíritos elevados, porquanto os imperfeitos

muitas vezes ouvem e vêem, a seu mau grado, o que lhes

possa ser útil ao aperfeiçoamento.”

251.

São sensíveis à música os Espíritos?

“Aludes à música terrena? Que é ela comparada à

música celeste? a esta harmonia de que nada na Terra vos

pode dar idéia? Uma está para a outra como o canto do

selvagem para uma doce melodia. Não obstante, Espíritos

vulgares podem experimentar certo prazer em ouvir a vossa

música, por lhes não ser dado ainda compreenderem outra

mais sublime. A música possui infinitos encantos para os

Espíritos, por terem eles muito desenvolvidas as qualidades

sensitivas. Refiro-me à música celeste, que é tudo o

que de mais belo e delicado pode a imaginação espiritual

conceber.”

252.

São sensíveis, os Espíritos, às magnificências da

Natureza?

“Tão diferentes são as belezas naturais dos mundos,

que longe estamos de as conhecer. Sim, os Espíritos são

sensíveis a essas belezas, de acordo com as aptidões que

tenham para as apreciar e compreender. Para os Espíritos

elevados, há belezas de conjunto que, por assim dizer,

apagam as das particularidades.”

253.

Os Espíritos experimentam as nossas necessidades e

sofrimentos físicos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 207 16/09/04, 15:22

208

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Eles os

 

conhecem, porque os sofreram, não os experimentam,

porém, materialmente, com vós outros: são Espíritos.”

254.

E a fadiga, a necessidade de repouso, experimentam-

nas?

“Não podem sentir a fadiga, como a entendeis; conseguintemente,

não precisam de descanso corporal, como vós,

pois que não possuem órgãos cujas forças devam ser reparadas.

O Espírito, entretanto, repousa, no sentido de não

estar em constante atividade. Ele não atua materialmente.

Sua ação é toda intelectual e inteiramente moral o seu repouso.

Quer isto dizer que momentos há em que o seu pensamento

deixa de ser tão ativo quanto de ordinário e não se

fixa em qualquer objeto determinado. É um verdadeiro repouso,

mas de nenhum modo comparável ao do corpo. A

espécie de fadiga que os Espíritos são suscetíveis de sentir

guarda relação com a inferioridade deles. Quanto mais

elevados sejam, tanto menos precisarão de repousar.”

255.

Quando um Espírito diz que sofre, de que natureza é o

seu sofrimento?

“Angústias morais, que o torturam mais dolorosamente

do que todos os sofrimentos físicos.”

256.

Como é então que alguns Espíritos se têm queixado de

sofrer frio ou calor?

“É reminiscência do que padecem durante a vida, reminiscência

não raro tão aflitiva quanto a realidade. Muitas

vezes, no que eles assim dizem apenas há uma comparação

mediante a qual, em falta de coisa melhor, procuram

7a prova A- livro dos espíritos.p65 208 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

209

exprimir a situação em que se acham. Quando se lembram

do corpo que revestiram, têm impressão semelhante à de

uma pessoa que, havendo tirado o manto que a envolvia,

julga, passado algum tempo, que ainda o traz sobre os

ombros.”

E

 

NSAIO TEÓRICO DA SENSAÇÃO NOS ESPÍRITOS

257.

O corpo é o instrumento da dor. Se não é a causa

primária desta é, pelo menos, a causa imediata. A alma

tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito.

A lembrança que da dor a alma conserva pode ser muito

penosa, mas não pode ter ação física. De fato, nem o frio,

nem o calor são capazes de desorganizar os tecidos da alma,

que não é suscetível de congelar-se, nem de queimar-se.

Não vemos todos os dias a recordação ou a apreensão de

um mal físico produzirem o efeito desse mal, como se real

fora? Não as vemos até causar a morte? Toda gente sabe

que aqueles a quem se amputou um membro costumam

sentir dor no membro que lhes falta. Certo que aí não está

a sede, ou, sequer, o ponto de partida da dor. O que há,

apenas, é que o cérebro guardou desta a impressão. Lícito,

portanto, será admitir-se que coisa análoga ocorra nos sofrimentos

do Espírito após a morte. Um estudo aprofundado

do perispírito, que tão importante papel desempenha em

todos os fenômenos espíritas; nas aparições vaporosas ou

tangíveis; no estado em que o Espírito vem a encontrar-se

por ocasião da morte; na idéia, que tão freqüentemente

manifesta, de que ainda está vivo; nas situações tão

comoventes que nos revelam os dos suicidas, dos supliciados,

dos que se deixaram absorver pelos gozos materiais; e

7a prova A- livro dos espíritos.p65 209 16/09/04, 15:22

210

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

inúmeros outros fatos, muita luz lançaram sobre esta questão,

dando lugar a explicações que passamos a resumir.

O perispírito é o laço que à matéria do corpo prende o

Espírito, que o tira do meio ambiente, do fluido universal.

Participa ao mesmo tempo da eletricidade, do fluido magnético

e, até certo ponto, da matéria inerte. Poder-se-ia dizer

que é a quintessência da matéria. É o princípio da vida

orgânica, porém não o da vida intelectual, que reside no

Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores.

No corpo, os órgãos, servindo-lhes de condutos, localizam

essas sensações. Destruído o corpo, elas se tornam gerais.

Daí o Espírito não dizer que sofre mais da cabeça do que

dos pés, ou vice-versa. Não se confundam, porém, as sensações

do perispírito, que se tornou independente, com as

do corpo. Estas últimas só por termo de comparação as

podemos tomar e não por analogia. Liberto do corpo, o Espírito

pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora

não seja exclusivamente moral, como o remorso, pois

que ele se queixa de frio e calor. Também não sofre mais no

inverno do que no verão: temo-los visto atravessar chamas,

sem experimentarem qualquer dor. Nenhuma impressão lhes

causa, conseguintemente, a temperatura. A dor que sentem

não é, pois, uma dor física propriamente dita: é um

vago sentimento íntimo, que o próprio Espírito nem sempre

compreende bem, precisamente porque a dor não se

acha localizada e porque não a produzem agentes exteriores;

é mais uma reminiscência do que uma realidade, reminiscência,

porém, igualmente penosa. Algumas vezes,

entretanto, há mais do que isso, como vamos ver.

Ensina-nos a experiência que, por ocasião da morte, o

perispírito se desprende mais ou menos lentamente do cor-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 210 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

211

po; que, durante os primeiros minutos depois da desencarnação,

o Espírito não encontra explicação para a situação

em que se acha. Crê não estar morto, por isso que se sente

vivo; vê a um lado o corpo, sabe que lhe pertence, mas não

compreende que esteja separado dele. Essa situação dura

enquanto haja qualquer ligação entre o corpo e o perispírito.

Disse-nos, certa vez, um suicida: “Não, não estou morto.” E

acrescentava:

 

No entanto, sinto os vermes a me roerem. Ora,

indubitavelmente, os vermes não lhe roíam o perispírito e

ainda menos o Espírito; roíam-lhe apenas o corpo. Como,

porém, não era completa a separação do corpo e do

perispírito, uma espécie de repercussão moral se produzia,

transmitindo ao Espírito o que estava ocorrendo no corpo.

Repercussão talvez não seja o termo próprio, porque pode

induzir à suposição de um efeito muito material. Era antes

a visão do que se passava com o corpo, ao qual ainda o

conservava ligado o perispírito, o que lhe causava a ilusão,

que ele tomava por realidade. Assim, pois, não haveria no

caso uma reminiscência, porquanto ele não fora, em vida,

roído pelos vermes: havia o sentimento de um fato da

atualidade. Isto mostra que deduções se podem tirar dos

fatos, quando atentamente observados.

Durante a vida, o corpo recebe impressões exteriores e

as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que

constitui, provavelmente, o que se chama fluido nervoso.

Uma vez morto, o corpo nada mais sente, por já não haver

nele Espírito, nem perispírito. Este, desprendido do corpo,

experimenta a sensação, porém, como já não lhe chega por

um conduto limitado, ela se lhe torna geral. Ora, não sendo

o perispírito, realmente, mais do que simples agente de

transmissão, pois que no Espírito é que está a consciência,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 211 16/09/04, 15:22

212

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

lógico será deduzir-se que, se pudesse existir perispírito

sem Espírito, aquele nada sentiria, exatamente como um

corpo que morreu. Do mesmo modo, se o Espírito não tivesse

perispírito, seria inacessível a toda e qualquer sensação

dolorosa. É o que se dá com os Espíritos completamente

purificados. Sabemos que quanto mais eles se purificam,

tanto mais etérea se torna a essência do perispírito, donde

se segue que a influência material diminui à medida que o

Espírito progride, isto é, à medida que o próprio perispírito

se torna menos grosseiro.

Mas, dir-se-á, desde que pelo perispírito é que as sensações

agradáveis, da mesma forma que as desagradáveis,

se transmitem ao Espírito, sendo o Espírito puro inacessível

a umas, deve sê-lo igualmente às outras. Assim é, de

fato, com relação às que provêm unicamente da influência

da matéria que conhecemos. O som dos nossos instrumentos,

o perfume das nossas flores nenhuma impressão lhe

causam. Entretanto, ele experimenta sensações íntimas,

de um encanto indefinível, das quais idéia alguma podemos

formar, porque, a esse respeito, somos quais cegos de

nascença diante da luz. Sabemos que isso é real; mas, por

que meio se produz? Até lá não vai a nossa ciência. Sabemos

que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão;

que essas faculdades são atributos do ser todo e não,

como no homem, de uma parte apenas do ser; mas, de que

modo ele as tem? Ignoramo-lo. Os próprios Espíritos nada

nos podem informar sobre isso, por inadequada a nossa

linguagem a exprimir idéias que não possuímos, precisamente

como o é, por falta de termos próprios, a dos selvagens,

para traduzir idéias referentes às nossas artes,

ciências e doutrinas filosóficas.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 212 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

213

Dizendo que os Espíritos são inacessíveis às impressões

da matéria que conhecemos, referimo-nos aos Espíritos

muito elevados, cujo envoltório etéreo não encontra

analogia neste mundo. Outro tanto não acontece com os de

perispírito mais denso, os quais percebem os nossos sons e

odores, não, porém, apenas por uma parte limitada de suas

individualidades, conforme lhes sucedia quando vivos.

Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se fazem

sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao

 

sensorium

commune

, que é o próprio Espírito, embora de modo diverso

e talvez, também, dando uma impressão diferente, o que

modifica a percepção. Eles ouvem o som da nossa voz, entretanto

nos compreendem sem o auxílio da palavra, somente

pela transmissão do pensamento. Em apoio do que

dizemos há o fato de que essa penetração é tanto mais fácil,

quanto mais desmaterializado está o Espírito. Pelo que

concerne à vista, essa, para o Espírito, independe da luz,

qual a temos. A faculdade de ver é um atributo essencial da

alma, para quem a obscuridade não existe. É, contudo, mais

extensa, mais penetrante nas mais purificadas. A alma, ou

o Espírito, tem, pois, em si mesma, a faculdade de todas as

percepções. Estas, na vida corpórea, se obliteram pela grosseria

dos órgãos do corpo; na vida extracorpórea se vão

desanuviando, à proporção que o invólucro semimaterial

se eteriza.

Haurido do meio ambiente, esse invólucro varia de acordo

com a natureza dos mundos. Ao passarem de um mundo a

outro, os Espíritos mudam de envoltório, como nós mudamos

de roupa, quando passamos do inverno ao verão, ou

do pólo ao equador. Quando vêm visitar-nos, os mais elevados

se revestem do perispírito terrestre e então suas per-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 213 16/09/04, 15:22

214

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

cepções se produzem como no comum dos Espíritos. Todos,

porém, assim os inferiores como os superiores, não

ouvem, nem sentem, senão o que queiram ouvir ou sentir.

Não possuindo órgãos sensitivos, eles podem, livremente,

tornar ativas ou nulas suas percepções. Uma só coisa são

obrigados a ouvir — os conselhos dos Espíritos bons.

A vista, essa é sempre ativa; mas, eles podem fazer-se invisíveis

uns aos outros. Conforme a categoria que

ocupem, podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, porém

não dos que lhes são superiores. Nos primeiros instantes

que se seguem à morte, a visão do Espírito é sempre

turbada e confusa. Aclara-se, à medida que ele se desprende,

e pode alcançar a nitidez que tinha durante a vida

terrena, independentemente da possibilidade de penetrar

através dos corpos que nos são opacos. Quanto à sua extensão

através do espaço indefinito, do futuro e do passado,

depende do grau de pureza e de elevação do Espírito.

Objetarão, talvez: toda esta teoria nada tem de tranqüilizadora.

Pensávamos que, uma vez livres do nosso grosseiro

envoltório, instrumento das nossas dores, não mais

sofreríamos e eis nos informais de que ainda sofreremos.

Desta ou daquela forma, será sempre sofrimento. Ah! sim,

pode dar-se que continuemos a sofrer, e muito, e por longo

tempo, mas também que deixemos de sofrer, até mesmo

desde o instante em que se nos acabe a vida corporal.

Os sofrimentos deste mundo independem, algumas

vezes, de nós; muito mais vezes, contudo, são devidos à

nossa vontade. Remonte cada um à origem deles e verá que

a maior parte de tais sofrimentos são efeitos de causas

que lhe teria sido possível evitar. Quantos males, quantas

7a prova A- livro dos espíritos.p65 214 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

215

enfermidades não deve o homem aos seus excessos, à sua

ambição, numa palavra: às suas paixões? Aquele que sempre

vivesse com sobriedade, que de nada abusasse, que fosse

sempre simples nos gostos e modesto nos desejos, a muitas

tribulações se forraria. O mesmo se dá com o Espírito.

Os sofrimentos por que passa são sempre a conseqüência

da maneira por que viveu na Terra. Certo já não sofrerá

mais de gota, nem de reumatismo; no entanto, experimentará

outros sofrimentos que nada ficam a dever àqueles.

Vimos que seu sofrer resulta dos laços que ainda o prendem

à matéria; que quanto mais livre estiver da influência

desta, ou, por outra, quanto mais desmaterializado se achar,

menos dolorosas sensações experimentará. Ora, está nas

suas mãos libertar-se de tal influência desde a vida atual.

Ele tem o livre-arbítrio, tem, por conseguinte, a faculdade

de escolha entre o fazer e o não fazer. Dome suas paixões

animais; não alimente ódio, nem inveja, nem ciúme, nem

orgulho; não se deixe dominar pelo egoísmo; purifique-se,

nutrindo bons sentimentos; pratique o bem; não ligue às

coisas deste mundo importância que não merecem; e, então,

embora revestido do invólucro corporal, já estará depurado,

já estará liberto do jugo da matéria e, quando deixar

esse invólucro, não mais lhe sofrerá a influência.

Nenhuma recordação dolorosa lhe advirá dos sofrimentos

físicos que haja padecido; nenhuma impressão desagradável

eles lhe deixarão, porque apenas terão atingido o corpo

e não a alma. Sentir-se-á feliz por se haver libertado deles e

a paz da sua consciência o isentará de qualquer sofrimento

moral.

Interrogamos, aos milhares, Espíritos que na Terra pertenceram

a todas as classes da sociedade, ocuparam todas

7a prova A- livro dos espíritos.p65 215 16/09/04, 15:22

216

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

as posições sociais; estudamo-los em todos os períodos da

vida espírita, a partir do momento em que abandonaram o

corpo; acompanhamo-los passo a passo na vida de além-

-túmulo, para observar as mudanças que se operavam neles,

nas suas idéias, nos seus sentimentos e, sob esse aspecto,

não foram os que aqui se contaram entre os homens

mais vulgares os que nos proporcionaram menos preciosos

elementos de estudo. Ora, notamos sempre que os sofrimentos

guardavam relação com o proceder que eles tiveram

e cujas conseqüências experimentavam; que a outra

vida é fonte de inefável ventura para os que seguiram o

bom caminho. Deduz-se daí que, aos que sofrem, isso acontece

porque o quiseram; que, portanto, só de si mesmos se

devem queixar, quer no outro mundo, quer neste.

E

 

SCOLHA DAS PROVAS

258.

Quando na erraticidade, antes de começar nova existência

corporal, tem o Espírito consciência e previsão

do que lhe sucederá no curso da vida terrena?

“Ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de

passar e nisso consiste o seu livre-arbítrio.”

a)

— Não é Deus, então, quem lhe impõe as tribulações

da vida, como castigo?

“Nada ocorre sem a permissão de Deus, porquanto foi

Deus quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo.

Ide agora perguntar por que decretou ele esta lei e não aquela.

Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa

a inteira responsabilidade de seus atos e das conseqüências

que estes tiverem. Nada lhe estorva o futuro; abertos

7a prova A- livro dos espíritos.p65 216 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

217

se lhe acham, assim, o caminho do bem, como o do mal. Se

vier a sucumbir, restar-lhe-á a consolação de que nem tudo

se lhe acabou e que a bondade divina lhe concede a liberdade

de recomeçar o que foi malfeito. Demais, cumpre se

distinga o que é obra da vontade de Deus do que o é da do

homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós quem o

criou e sim Deus. Vosso, porém, foi o desejo de a ele vos

expordes, por haverdes visto nisso um meio de progredirdes,

e Deus o permitiu.”

259.

Do fato de pertencer ao Espírito a escolha do gênero de

provas que deva sofrer, seguir-se-á que todas as tribulações

que experimentamos na vida nós as previmos e

buscamos?

“Todas, não, porque não escolhestes e previstes tudo o

que vos sucede no mundo, até às mínimas coisas.

Escolhestes apenas o gênero das provações. As particularidades

correm por conta da posição em que vos achais; são,

muitas vezes, conseqüências das vossas próprias ações.

Escolhendo, por exemplo, nascer entre malfeitores, sabia o

Espírito a que arrastamentos se expunha; ignorava, porém,

quais os atos que viria a praticar. Esses atos resultam do

exercício da sua vontade, ou do seu livre-arbítrio. Sabe o

Espírito que, escolhendo tal caminho, terá que sustentar

lutas de determinada espécie; sabe, portanto, de que natureza

serão as vicissitudes que se lhe depararão, mas ignora

se se verificará este ou aquele êxito. Os acontecimentos

secundários se originam das circunstâncias e da força mesma

das coisas. Previstos só são os fatos principais, os que

influem no destino. Se tomares uma estrada cheia de sulcos

profundos, sabes que terás de andar cautelosamente,

porque há muitas probabilidades de caíres; ignoras, contu-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 217 16/09/04, 15:22

218

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

do, em que ponto cairás e bem pode suceder que não caias,

se fores bastante prudente. Se, ao percorreres uma rua,

uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito,

segundo vulgarmente se diz.”

260.

Como pode o Espírito desejar nascer entre gente de

má vida?

“Forçoso é que seja posto num meio onde possa sofrer

a prova que pediu. Pois bem! É necessário que haja analogia.

Para lutar contra o instinto do roubo, preciso é que se

ache em contacto com gente dada à prática de roubar.”

a)

— Assim, se não houvesse na Terra gente de maus

costumes, o Espírito não encontraria aí meio apropriado ao

sofrimento de certas provas?

“E seria isso de lastimar-se? É o que ocorre nos mundos

superiores, onde o mal não penetra. Eis por que, nesses

mundos, só há Espíritos bons. Fazei que em breve o

mesmo se dê na Terra.”

261.

Nas provações por que lhe cumpre passar para atingir

a perfeição, tem o Espírito que sofrer tentações de todas

as naturezas? Tem que se achar em todas as circunstâncias

que possam excitar-lhe o orgulho, a inveja,

a avareza, a sensualidade, etc.?

“Certo que não, pois bem sabeis haver Espíritos que

desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas

provas. Aquele, porém, que se deixa arrastar para o mau

caminho, corre todos os perigos que o inçam. Pode um Espírito,

por exemplo, pedir a riqueza e ser-lhe esta concedida.

Então, conforme o seu caráter, poderá tornar-se avaro ou

pródigo, egoísta ou generoso, ou ainda lançar-se a todos os

7a prova A- livro dos espíritos.p65 218 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

219

gozos da sensualidade. Daí não se segue, entretanto, que

haja de forçosamente passar por todas estas tendências.”

262.

Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples,

ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência

com conhecimento de causa e ser responsável

por essa escolha?

“Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho

que deve seguir, como fazeis com a criancinha. Deixa-o,

porém, pouco a pouco, à medida que o seu livre-arbítrio se

desenvolve, senhor de proceder à escolha e só então é que

muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau caminho,

por desatender os conselhos dos bons Espíritos. A

isso é que se pode chamar a queda do homem.”

a)

— Quando o Espírito goza do livre-arbítrio, a escolha

da existência corporal dependerá sempre exclusivamente de

sua vontade, ou essa existência lhe pode ser imposta, como

expiação, pela vontade de Deus?

“Deus sabe esperar, não apressa a expiação. Todavia,

pode impor certa existência a um Espírito, quando este,

pela sua inferioridade ou má vontade, não se mostra apto a

compreender o que lhe seria mais útil, e quando vê que tal

existência servirá para a purificação e o progresso do Espírito,

ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.”

263.

O Espírito faz a sua escolha logo depois da morte?

“Não, muitos acreditam na eternidade das penas, o que,

como já se vos disse, é um castigo.”

264.

Que é o que dirige o Espírito na escolha das provas que

queira sofrer?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 219 16/09/04, 15:22

220

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Ele escolhe, de acordo com a natureza de suas faltas,

as que o levem à expiação destas e a progredir mais depressa.

Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias

e privações, objetivando suportá-las com coragem; outros

preferem experimentar as tentações da riqueza e do

poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação

a que podem dar lugar, pelas paixões inferiores que uma e

outros desenvolvem; muitos, finalmente, se decidem a experimentar

suas forças nas lutas que terão de sustentar

em contacto com o vício.”

265.

Havendo Espíritos que, por provação, escolhem o

contacto do vício, outros não haverá que o busquem

por simpatia e pelo desejo de viverem num meio conforme

aos seus gostos, ou para poderem entregar-se

materialmente a seus pendores materiais?

“Há, sem dúvida, mas tão-somente entre aqueles cujo

senso moral ainda está pouco desenvolvido.

 

A prova vem

por si mesma e eles a sofrem mais demoradamente

. Cedo

ou tarde, compreendem que a satisfação de suas paixões

brutais lhes acarretou deploráveis conseqüências, que eles

sofrerão durante um tempo que lhes parecerá eterno. E

Deus os deixará nessa persuasão, até que se tornem conscientes

da falta em que incorreram e peçam, por impulso

próprio, lhes seja concedido resgatá-la, mediante úteis

provações.”

266.

Não parece natural que se escolham as provas menos

dolorosas?

“Pode parecer-vos a vós; ao Espírito, não. Logo que

este se desliga da matéria, cessa toda ilusão e outra passa

a ser a sua maneira de pensar.”

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DA VIDA ESPÍRITA

 

221

Sob a influência das idéias carnais, o homem, na Terra, só

vê das provas o lado penoso. Tal a razão de lhe parecer natural

sejam escolhidas as que, do seu ponto de vista, podem coexistir

com os gozos materiais. Na vida espiritual, porém, compara esses

gozos fugazes e grosseiros com a inalterável felicidade que lhe é

dado entrever e desde logo nenhuma impressão mais lhe causam

os passageiros sofrimentos terrenos. Assim, pois, o Espírito pode

escolher prova muito rude e, conseguintemente, uma angustiada

existência, na esperança de alcançar depressa um estado melhor,

como o doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável

para se curar de pronto. Aquele que intenta ligar seu

nome à descoberta de um país desconhecido não procura trilhar

estrada florida. Conhece os perigos a que se arrisca, mas também

sabe que o espera a glória, se lograr bom êxito.

A doutrina da liberdade que temos de escolher as nossas

existências e as provas que devamos sofrer deixa de parecer singular,

desde que se atenda a que os Espíritos, uma vez desprendidos

da matéria, apreciam as coisas de modo diverso da nossa

maneira de apreciá-los. Divisam a meta, que bem diferente é para

eles dos gozos fugitivos do mundo. Após cada existência, vêem o

passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em pureza

para atingirem aquela meta. Daí o se submeterem voluntariamente

a todas as vicissitudes da vida corpórea, solicitando as

que possam fazer que a alcancem mais presto. Não há, pois, motivo

de espanto no fato de o Espírito não preferir a existência mais

suave. Não lhe é possível, no estado de imperfeição em que se encontra,

gozar de uma vida isenta de amarguras. Ele o percebe e,

precisamente para chegar a fruí-la, é que trata de se melhorar.

Não vemos, aliás, todos os dias, exemplos de escolhas tais?

Que faz o homem que passa uma parte de sua vida a trabalhar

sem trégua, nem descanso, para reunir haveres que lhe assegurem

o bem-estar, senão desempenhar uma tarefa que a si mesmo

se impôs, tendo em vista melhor futuro? O militar que se oferece

para uma perigosa missão, o navegante que afronta não menores

perigos, por amor da Ciência ou no seu próprio interesse, que

7a prova A- livro dos espíritos.p65 221 16/09/04, 15:22

222

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

fazem, também eles, senão sujeitar-se a provas voluntárias, de

que lhes advirão honras e proveito, se não sucumbirem? A que se

não submete ou expõe o homem pelo seu interesse ou pela sua

glória? E os concursos não são também todos provas voluntárias

a que os concorrentes se sujeitam, com o fito de avançarem na

carreira que escolheram? Ninguém galga qualquer posição nas

ciências, nas artes, na indústria, senão passando pela série das

posições inferiores, que são outras tantas provas. A vida humana

é, pois, cópia da vida espiritual; nela se nos deparam em ponto

pequeno todas as peripécias da outra. Ora, se na vida terrena

muitas vezes escolhemos duras provas, visando posição mais elevada,

por que não haveria o Espírito, que enxerga mais longe que

o corpo e para quem a vida corporal é apenas incidente de curta

duração, de escolher uma existência árdua e laboriosa, desde

que o conduza à felicidade eterna? Os que dizem que pedirão

para ser príncipes ou milionários, uma vez que ao homem é que

caiba escolher a sua existência, se assemelham aos míopes, que

apenas vêem aquilo em que tocam, ou a meninos gulosos, que, a

quem os interroga sobre isso, respondem que desejam ser

pasteleiros ou doceiros.

O viajante que atravessa profundo vale ensombrado por espesso

nevoeiro não logra apanhar com a vista a extensão da estrada

por onde vai, nem os seus pontos extremos. Chegando, porém,

ao cume da montanha, abrange com o olhar quanto percorreu

do caminho e quanto lhe resta dele a percorrer. Divisa-lhe o termo,

vê os obstáculos que ainda terá de transpor e combina então

os meios mais seguros de atingi-lo. O Espírito encarnado é qual

viajante no sopé da montanha. Desenleado dos liames terrenais,

sua visão tudo domina, como a daquele que subiu à crista da

serrania. Para o viajor, no termo da sua jornada está o repouso

após a fadiga; para o Espírito, está a felicidade suprema, após as

tribulações e as provas.

Dizem todos os Espíritos que, na erraticidade, eles se aplicam

a pesquisar, estudar, observar, a fim de fazerem a sua esco-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 222 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

223

lha. Na vida corporal não se nos oferece um exemplo deste fato?

Não levamos, freqüentemente, anos a procurar a carreira pela

qual afinal nos decidimos, certos de ser a mais apropriada a nos

facilitar o caminho da vida? Se numa o nosso intento se malogra,

recorremos a outra. Cada uma das que abraçamos representa

uma fase, um período da vida. Não nos ocupamos cada dia em

cogitar do que faremos no dia seguinte? Ora, que são, para o

Espírito, as diversas existências corporais, senão fases, períodos,

dias da sua vida espírita, que é, como sabemos, a vida normal,

visto que a outra é transitória, passageira?

267.

Pode o Espírito proceder à escolha de suas provas,

enquanto encarnado?

“O desejo que então alimenta pode influir na escolha

que venha a fazer, dependendo isso da intenção que o anime.

Dá-se, porém, que, como Espírito livre, quase sempre

vê as coisas de modo diferente. O Espírito por si só é quem

faz a escolha; entretanto, ainda uma vez o dizemos, possível

lhe é fazê-la, mesmo na vida material, por isso que há

sempre momentos em que o Espírito se torna independente

da matéria que lhe serve de habitação.”

a)

— Não é decerto como expiação, ou como prova, que

muita gente deseja as grandezas e as riquezas. Será?

“Indubitavelmente, não. A matéria deseja essa grandeza

para gozá-la e o Espírito para conhecer-lhe as vicissitudes.”

268.

Até que chegue ao estado de pureza perfeita, tem o

Espírito que passar constantemente por provas?

“Sim, mas que não são como o entendeis, pois que só

considerais provas as tribulações materiais. Ora, havendo-se

elevado a um certo grau, o Espírito, embora não seja ainda

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224

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

perfeito, já não tem que sofrer provas. Continua, porém,

sujeito a deveres nada penosos, cuja satisfação lhe auxilia

o aperfeiçoamento, mesmo que consistam apenas em

auxiliar os outros a se aperfeiçoarem.”

269.

Pode o Espírito enganar-se quanto à eficiência da

prova que escolheu?

“Pode escolher uma que esteja acima de suas forças e

sucumbir. Pode também escolher alguma que nada lhe aproveite,

como sucederá se buscar vida ociosa e inútil. Mas, então,

voltando ao mundo dos Espíritos, verifica que nada ganhou

e pede outra que lhe faculte recuperar o tempo perdido.”

270.

A que se devem atribuir as vocações de certas pessoas

e a vontade que sentem de seguir uma carreira

de preferência a outra?

“Parece-me que vós mesmos podeis responder a esta

pergunta. Pois não é isso a conseqüência de tudo o que

acabamos de dizer sobre a escolha das provas e sobre o

progresso efetuado em existência anterior?”

271.

Estudando, na erraticidade, as diversas condições em

que poderá progredir, como pensa o Espírito consegui-lo,

nascendo, por exemplo, entre canibais?

“Entre canibais não nascem Espíritos já adiantados,

mas Espíritos da natureza dos canibais, ou ainda inferiores

aos destes.”

Sabemos que os nossos antropófagos não se acham no último

degrau da escala espiritual e que mundos há onde a bruteza

e a ferocidade não têm analogia na Terra. Os Espíritos que aí

7a prova A- livro dos espíritos.p65 224 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

225

encarnam são, portanto, inferiores aos mais ínfimos que no nosso

mundo encarnam. Para eles, pois, nascer entre os nossos selvagens

representa um progresso, como progresso seria, para os

antropófagos terrenos, exercerem entre nós uma profissão que

os obrigasse a fazer correr sangue. Não podem pôr mais alto suas

vistas, porque sua inferioridade moral não lhes permite compreender

maior progresso. O Espírito só gradativamente avança. Não

lhe é dado transpor de um salto a distância que da civilização

separa a barbárie e é esta uma das razões que nos mostram ser

necessária a reencarnação, que verdadeiramente corresponde à

justiça de Deus. De outro modo, que seria desses milhões de criaturas

que todos os dias morrem na maior degradação, se não

tivessem meios de alcançar a superioridade? Por que os privaria

Deus dos favores concedidos aos outros homens?

272.

Poderá dar-se que Espíritos vindos de um mundo inferior

à Terra, ou de um povo muito atrasado, como os canibais,

por exemplo, nasçam no seio de povos civilizados?

“Pode. Alguns há que se extraviam, por quererem subir

muito alto. Mas, nesse caso, ficam deslocados no meio em

que nasceram, por estarem seus costumes e instintos

em conflito com os dos outros homens.”

Tais seres nos oferecem o triste espetáculo da ferocidade

dentro da civilização. Voltando para o meio dos canibais, não

sofrem uma degradação; apenas volvem ao lugar que lhes é próprio

e com isso talvez até ganhem.

273.

Será possível que um homem de raça civilizada

reencarne, por expiação, numa raça de selvagens?

“É; mas depende do gênero da expiação. Um senhor,

que tenha sido de grande crueldade para os seus escravos,

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226

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus-

-tratos que infligiu a seus semelhantes. Um, que em certa

época exerceu o mando, pode, em nova existência, ter que

obedecer aos que se curvaram ante a sua vontade.

Ser-lhe-á isso uma expiação, que Deus lhe imponha, se ele

abusou do seu poder. Também um bom Espírito pode querer

encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente,

para fazê-las progredir. Em tal caso, desempenha

uma missão.”

A

 

S RELAÇÕES NO ALÉM-TÚMULO

274.

Da existência de diferentes ordens de Espíritos, resulta

para estes alguma hierarquia de poderes? Há entre

eles subordinação e autoridade?

“Muito grande. Os Espíritos têm uns sobre os outros a

autoridade correspondente ao grau de superioridade que

hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um

ascendente moral irresistível.”

a)

— Podem os Espíritos inferiores subtrair-se à autoridade

dos que lhes são superiores?

“Eu disse: irresistível.”

275.

O poder e a consideração de que um homem gozou na

Terra lhe dão supremacia no mundo dos Espíritos?

“Não; pois que os pequenos serão elevados e os

grandes rebaixados. Lê os salmos.”

a)

— Como devemos entender essa elevação e esse

rebaixamento?

“Não sabes que os Espíritos são de diferentes ordens,

conforme seus méritos? Pois bem! O maior da Terra pode

7a prova A- livro dos espíritos.p65 226 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

227

pertencer à última categoria entre os Espíritos, ao passo

que o seu servo pode estar na primeira. Compreendes isto?

Não disse Jesus: aquele que se humilhar será exalçado e

aquele que se exalçar será humilhado?”

276.

Aquele que foi grande na Terra e que, como Espírito,

vem a achar-se entre os de ordem inferior, experimenta

com isso alguma humilhação?

“Às vezes bem grande, mormente se era orgulhoso e

invejoso.”

277.

O soldado que depois da batalha se encontra com o

seu general, no mundo dos Espíritos, ainda o tem por

seu superior?

“O título nada vale, a superioridade real é que tem valor.”

278.

Os Espíritos das diferentes ordens se acham misturados

uns com os outros?

“Sim e não. Quer dizer: eles se vêem, mas se distinguem

uns dos outros. Evitam-se ou se aproximam, conforme

à simpatia ou à antipatia que reciprocamente uns inspiram

aos outros, tal qual sucede entre vós.

 

Constituem um

mundo do qual o vosso é pálido reflexo

. Os da mesma categoria

se reúnem por uma espécie de afinidade e formam

grupos ou famílias, unidos pelos laços da simpatia e pelos

fins a que visam: os bons, pelo desejo de fazerem o bem; os

maus, pelo de fazerem o mal, pela vergonha de suas faltas e pela

necessidade de se acharem entre os que se lhes assemelham.”

Tal uma grande cidade onde os homens de todas as classes

e de todas as condições se vêem e encontram, sem se confundi-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 227 16/09/04, 15:22

228

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

rem; onde as sociedades se formam pela analogia dos gostos; onde

a virtude e o vício se acotovelam, sem trocarem palavra.

279.

Todos os Espíritos têm reciprocamente acesso aos

diferentes grupos ou sociedades que eles formam?

“Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que

possam influir sobre os maus. As regiões, porém, que os

bons habitam estão interditadas aos Espíritos imperfeitos, a

fim de que não as perturbem com suas paixões inferiores.”

280.

De que natureza são as relações entre os bons e os

maus Espíritos?

“Os bons se ocupam em combater as más inclinações

dos outros,

 

a fim de ajudá-los a subir. É sua missão.”

281.

Por que os Espíritos inferiores se comprazem em nos

induzir ao mal?

“Pelo despeito que lhes causa o não terem merecido

estar entre os bons. O desejo que neles predomina é o de

impedirem, quanto possam, que os Espíritos ainda

inexperientes alcancem o supremo bem. Querem que os

outros experimentem o que eles próprios experimentam.

Isto não se dá também entre vós outros?”

282.

Como se comunicam entre si os Espíritos?

“Eles se vêem e se compreendem. A palavra é material:

é o reflexo do Espírito. O fluido universal estabelece entre

eles constante comunicação; é o veiculo da transmissão de

seus pensamentos, como, para vós, o ar o é do som. É uma

espécie de telégrafo universal, que liga todos os mundos e

7a prova A- livro dos espíritos.p65 228 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

229

permite que os Espíritos se correspondam de um mundo a

outro.”

283.

Podem os Espíritos, reciprocamente, dissimular seus

pensamentos? Podem ocultar-se uns dos outros?

“Não; para os Espíritos, tudo é patente, sobretudo para

os perfeitos. Podem afastar-se uns dos outros, mas sempre

se vêem. Isto, porém, não constitui regra absoluta, porquanto

certos Espíritos podem muito bem tornar-se invisíveis

a outros Espíritos, se julgarem útil fazê-lo.”

284.

Como podem os Espíritos, não tendo corpo, comprovar

suas individualidades e distinguir-se dos outros seres

espirituais que os rodeiam?

“Comprovam suas individualidades pelo perispírito, que

os torna distinguíveis uns dos outros, como faz o corpo

entre os homens.”

285.

Os Espíritos se reconhecem por terem coabitado a Terra?

O filho reconhece o pai, o amigo reconhece o seu amigo?

“Perfeitamente e, assim, de geração em geração.”

a)

— Como é que os que se conheceram na Terra se

reconhecem no mundo dos Espíritos?

“Vemos a nossa vida pretérita e lemos nela como em

um livro. Vendo a dos nossos amigos e dos nossos inimigos,

aí vemos a passagem deles da vida corporal à outra.”

286.

Deixando seus despojos mortais, a alma vê imediatamente

os parentes e amigos que a precederam no

mundo dos Espíritos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 229 16/09/04, 15:22

230

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Imediatamente, ainda aqui, não é o termo próprio.

Como já dissemos, é-lhe necessário algum tempo para que

ela se reconheça a si mesma e alije o véu material.”

287.

Como é acolhida a alma no seu regresso ao mundo dos

Espíritos?

“A do justo, como bem-amado irmão, desde muito

tempo esperado. A do mau, como um ser desprezível.”

288.

Que sentimento desperta nos Espíritos impuros a

chegada entre eles de outro Espírito mau?

“Os maus ficam satisfeitos quando vêem seres que se

lhes assemelham e privados, também, da infinita ventura,

qual na Terra um tratante entre seus iguais.”

289.

Nossos parentes e amigos costumam vir-nos ao encontro

quando deixamos a Terra?

“Sim, os Espíritos vão ao encontro da alma a quem são

afeiçoados. Felicitam-na, como se regressasse de uma viagem,

por haver escapado aos perigos da estrada,

 

e ajudam-na

a desprender-se dos liames corporais

. É uma graça concedida

aos bons Espíritos o lhes virem ao encontro os que os

amam, ao passo que aquele que se acha maculado permanece

em insulamento, ou só tem a rodeá-lo os que lhe são

semelhantes. É uma punição.”

290.

Os parentes e amigos sempre se reúnem depois da

morte?

“Depende isso da elevação deles e do caminho que seguem,

procurando progredir. Se um está mais adiantado e

caminha mais depressa do que outro, não podem os dois

7a prova A- livro dos espíritos.p65 230 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

231

conservar-se juntos. Ver-se-ão de tempos a tempos, mas

não estarão reunidos para sempre, senão quando puderem

caminhar lado a lado, ou quando se houverem igualado na

perfeição. Acresce que a privação de ver os parentes e

amigos é, às vezes, uma punição.”

R

 

ELAÇÕES DE SIMPATIA E DE ANTIPATIA ENTRE OS

E

 

SPÍRITOS. METADES ETERNAS

291.

Além da simpatia geral, oriunda da semelhança que

entre eles exista, votam-se os Espíritos recíprocas

afeições particulares?

“Do mesmo modo que os homens, sendo, porém, que

mais forte é o laço que prende os Espíritos uns aos outros,

quando carentes de corpo material, porque então esse laço

não se acha exposto às vicissitudes das paixões.”

292.

Alimentam ódio entre si os Espíritos?

“Só entre os Espíritos impuros há ódio e são eles que

insuflam nos homens as inimizades e as dissensões.”

293.

Conservarão ressentimento um do outro, no mundo dos

Espíritos, dois seres que foram inimigos na Terra?

“Não; compreenderão que era estúpido o ódio que se

votavam mutuamente e pueril o motivo que o inspirava.

Apenas os Espíritos imperfeitos conservam uma espécie de

animosidade, enquanto se não purificam. Se foi unicamente

um interesse material o que os inimizou, nisso não pensarão

mais, por pouco desmaterializados que estejam. Não

havendo entre eles antipatia e tendo deixado de existir a

7a prova A- livro dos espíritos.p65 231 16/09/04, 15:22

232

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

causa de suas desavenças, aproximam-se uns dos outros

com prazer.”

Sucede como entre dois colegiais que, chegando à idade da

ponderação, reconhecem a puerilidade de suas dissensões

infantis e deixam de se malquerer.

294.

A lembrança dos atos maus que dois homens praticaram

um contra o outro constitui obstáculo a que entre

eles reine simpatia?

“Essa lembrança os induz a se afastarem um do outro.”

295.

Que sentimento anima, depois da morte, aqueles a

quem fizemos mal neste mundo?

“Se são bons, eles vos perdoam, segundo o vosso arrependimento.

Se maus, é possível que guardem ressentimento

do mal que lhes fizestes e vos persigam até, não raro, em

outra existência. Deus pode permitir que assim seja, por

castigo.”

296.

São suscetíveis de alterar-se as afeições individuais

dos Espíritos?

“Não, por não estarem eles sujeitos a enganar-se.

Falta-lhes a máscara sob que se escondem os hipócritas

.

Daí vem que, sendo puros, suas afeições são inalteráveis.

Suprema felicidade lhes advém do amor que os une.”

297.

Continua a existir sempre, no mundo dos Espíritos, a afeição

mútua que dois seres se consagraram na Terra?

“Sem dúvida, desde que originada de verdadeira simpatia.

Se, porém, nasceu principalmente de causas de ordem

física, desaparece com a causa. As afeições entre os

7a prova A- livro dos espíritos.p65 232 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

233

Espíritos são mais sólidas e duráveis do que na Terra, porque

não se acham subordinadas aos caprichos dos interesses

materiais e do amor-próprio.”

298.

As almas que devam unir-se estão, desde suas origens,

predestinadas a essa união e cada um de nós

tem, nalguma parte do Universo, sua metade, a que

fatalmente um dia se reunirá?

“Não; não há união particular e fatal, de duas almas. A

união que há é a de todos os Espíritos, mas em graus diversos,

segundo a categoria que ocupam, isto é, segundo a

perfeição que tenham adquirido. Quanto mais perfeitos,

tanto mais unidos. Da discórdia nascem todos os males

dos humanos; da concórdia resulta a completa felicidade.”

299.

Em que sentido se deve entender a palavra metade,

de que alguns Espíritos se servem para designar os

Espíritos simpáticos?

“A expressão é inexata. Se um Espírito fosse a metade

de outro, separados os dois, estariam ambos incompletos.”

300.

Se dois Espíritos perfeitamente simpáticos se reunirem,

estarão unidos para todo o sempre, ou poderão separar-

se e unir-se a outros Espíritos?

“Todos os Espíritos estão reciprocamente unidos. Falo

dos que atingiram a perfeição. Nas esferas inferiores, desde

que um Espírito se eleva, já não simpatiza, como dantes,

com os que lhe ficaram abaixo.”

301.

Dois Espíritos simpáticos são complemento um do outro,

ou a simpatia entre eles existente é resultado de

identidade perfeita?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 233 16/09/04, 15:22

234

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“A simpatia que atrai um Espírito para outro resulta

da perfeita concordância de seus pendores e instintos. Se

um tivesse que completar o outro, perderia a sua

individualidade.”

302.

A identidade necessária à existência da simpatia perfeita

apenas consiste na analogia dos pensamentos e

sentimentos, ou também na uniformidade dos conhecimentos

adquiridos?

“Na igualdade dos graus de elevação.”

303.

Podem tornar-se de futuro simpáticos, Espíritos que

presentemente não o são?

“Todos o serão. Um Espírito, que hoje está numa esfera

inferior, ascenderá, aperfeiçoando-se, à em que se acha

tal outro Espírito. E ainda mais depressa se dará o encontro

dos dois, se o mais elevado, por suportar mal as provas

a que esteja submetido, permanecer estacionário.”

a)

— Podem deixar de ser simpáticos um ao outro dois

Espíritos que já o sejam?

“Certamente, se um deles for preguiçoso.”

A teoria das metades eternas encerra uma simples figura,

representativa da união de dois Espíritos simpáticos. Trata-se de

uma expressão usada até na linguagem vulgar e que se não deve

tomar ao pé da letra. Não pertencem decerto a uma ordem elevada

os Espíritos que a empregaram. Necessariamente, limitado

sendo o campo de suas idéias, exprimiram seus pensamentos

com os termos de que se teriam utilizado na vida corporal. Não se

deve, pois, aceitar a idéia de que, criados um para o outro, dois

Espíritos tenham, fatalmente, que se reunir um dia na eternida-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 234 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

235

de, depois de haverem estado separados por tempo mais ou

menos longo.

R

 

ECORDAÇÃO DA EXISTÊNCIA CORPÓREA

304.

Lembra-se o Espírito da sua existência corporal?

“Lembra-se, isto é, tendo vivido muitas vezes na Terra,

recorda-se do que foi como homem e eu te afirmo que

freqüentemente ri, penalizado de si mesmo.”

Tal qual o homem, que chegou à madureza e que ri das suas

loucuras de moço, ou das suas puerilidades na meninice.

305.

A lembrança da existência corporal se apresenta ao

Espírito, completa e inopinadamente, após a morte?

“Não; vem-lhe pouco a pouco, qual imagem que surge

gradualmente de uma névoa, à medida que nela fixa ele a

sua atenção.”

306.

O Espírito se lembra, pormenorizadamente, de todos

os acontecimentos de sua vida? Apreende o conjunto

deles de um golpe de vista retrospectivo?

“Lembra-se das coisas, de conformidade com as conseqüências

que delas resultaram para o estado em que se

encontra como Espírito errante. Bem compreendes, portanto,

que muitas circunstâncias haverá de sua vida a que

não ligará importância alguma e das quais nem sequer

procurará recordar-se.”

a)

— Mas, se o quisesse, poderia lembrar-se delas?

“Pode lembrar-se dos mais minuciosos pormenores e

incidentes, assim relativos aos fatos, como até aos seus

7a prova A- livro dos espíritos.p65 235 16/09/04, 15:22

236

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

pensamentos. Não o faz, porém, desde que não tenha

utilidade.”

b)

— Entrevê o Espírito o objetivo da vida terrestre com

relação à vida futura?

“Certo que o vê e compreende muito melhor do que em

vida do seu corpo. Compreende a necessidade da sua purificação

para chegar ao infinito e percebe que em cada

existência deixa algumas impurezas.”

307.

Como é que ao Espírito se lhe desenha na memória a

sua vida passada? Será por esforço da própria imaginação,

ou como um quadro que se lhe apresenta à vista?

“De uma e outra formas. São-lhe como que presentes

todos os atos de que tenha interesse em lembrar-se. Os

outros lhe permanecem mais ou menos vagos na mente, ou

esquecidos de todo. Quanto mais desmaterializado estiver,

tanto menos importância dará às coisas materiais. Essa a

razão por que, muitas vezes, evocas um Espírito que acabou

de deixar a Terra e verificas que não se lembra dos

nomes das pessoas que lhe eram caras, nem de uma porção

de coisas que te parecem importantes. É que tudo isso,

pouco lhe importando, logo caiu em esquecimento. Ele só

se recorda perfeitamente bem dos fatos principais que

concorrem para a sua melhoria.”

308.

O Espírito se recorda de todas as existências que

precederam a que acaba de ter?

“Todo o seu passado se lhe desdobra à vista, quais a

um viajor os trechos do caminho que percorreu. Mas, como

já dissemos, não se recorda, de modo absoluto, de todos os

7a prova A- livro dos espíritos.p65 236 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

237

seus atos. Lembra-se destes conformemente à influência

que tiveram na criação do seu estado atual. Quanto às primeiras

existências, as que se podem considerar como a infância

do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem

na noite do esquecimento.”

309.

Como considera o Espírito o corpo de que vem de

separar-se?

“Como veste imprestável,

 

que o embaraçava, sentindo-se

feliz por estar livre dela.”

a)

— Que sensação lhe causa o espetáculo do seu corpo

em decomposição?

“Quase sempre se conserva indiferente a isso, como a

uma coisa que em nada o interessa.”

310.

Ao cabo de algum tempo, reconhecerá o Espírito os

ossos ou outros objetos que lhe tenham pertencido?

“Algumas vezes, dependendo do ponto de vista mais

ou menos elevado, donde considere as coisas terrenas.”

311.

A veneração que se tenha pelos objetos materiais que

pertenceram ao Espírito lhe dá prazer e atrai a sua

atenção para esses objetos?

“É sempre grato ao Espírito que se lembrem dele, e os

objetos que lhe pertenceram trazem-no à memória dos que

ele no mundo deixou. Mas, o que o atrai é o pensamento

destas pessoas e não aqueles objetos.”

312.

E a lembrança dos sofrimentos por que passaram na

última existência corporal, os Espíritos a conservam?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 237 16/09/04, 15:22

238

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Freqüentemente assim acontece e essa lembrança lhes

faz compreender melhor o valor da felicidade de que podem

gozar como Espíritos.”

313.

O homem, que neste mundo foi feliz, deplora a felicidade

que perdeu, deixando a Terra?

“Só os Espíritos inferiores podem sentir saudades de gozos

condizentes com uma natureza impura qual a deles,

gozos que lhes acarretam a expiação pelo sofrimento. Para

os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes preferível

aos prazeres efêmeros da Terra.”

Exatamente como sucede ao homem que, na idade da

madureza, nenhuma importância liga ao que tanto o deliciava na

infância.

314.

Aquele que deu começo a trabalhos de vulto com um

fim útil e, que os vê interrompidos pela morte, lamenta,

no outro mundo, tê-los deixado por acabar?

“Não, porque vê que outros estão destinados a concluí-

los. Trata, ao contrário, de influenciar outros Espíritos

humanos, para que os ultimem. Seu objetivo, na Terra, era

o bem da Humanidade: o mesmo objetivo continua a ter no

mundo dos Espíritos.”

315.

E o que deixou trabalhos de arte ou de literatura, conserva

pelas suas obras o amor que lhes tinha quando vivo?

“De acordo com a sua elevação, aprecia-as de outro

ponto de vista e não é raro condene o que maior admiração

lhe causava.”

316.

No além, o Espírito se interessa pelos trabalhos que

se executam na Terra, pelo progresso das artes e das

ciências?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 238 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

239

“Conforme à sua elevação ou à missão que possa ter

que desempenhar. Muitas vezes, o que vos parece magnífico

bem pouco é para certos Espíritos, que, então, o admiram,

como o sábio admira a obra de um estudante. Atentam

apenas no que prove a elevação dos encarnados e seus

progressos.”

317.

Após a morte, conservam os Espíritos o amor da pátria?

“O princípio é sempre o mesmo. Para os Espíritos elevados,

a pátria é o Universo. Na Terra, a pátria, para eles,

está onde se ache o maior número das pessoas que lhes

são simpáticas.”

As condições dos Espíritos e as maneiras por que vêem as

coisas variam ao infinito, de conformidade com os graus de desenvolvimento

moral e intelectual em que se achem. Geralmente,

os Espíritos de ordem elevada só por breve tempo se aproximam

da Terra. Tudo o que aí se faz é tão mesquinho em comparação

com as grandezas do infinito, tão pueris são, aos olhos deles, as

coisas a que os homens mais importância ligam, que quase nenhum

atrativo lhes oferece o nosso mundo, a menos que para aí

os leve o propósito de concorrerem para o progresso da Humanidade.

Os Espíritos de ordem intermédia são os que mais freqüentemente

baixam a este planeta, se bem considerem as coisas de

um ponto de vista mais alto do que quando encarnados. Os Espíritos

vulgares, esses são os que aí mais se comprazem e constituem

a massa da população invisível do globo terráqueo. Conservam

quase que as mesmas idéias, os mesmos gostos e as mesmas

inclinações que tinham quando revestidos do invólucro corpóreo.

Metem-se em nossas reuniões, negócios, divertimentos, nos quais

tomam parte mais ou menos ativa, segundo seus caracteres. Não

podendo satisfazer às suas paixões, gozam na companhia dos

que a elas se entregam e os excitam a cultivá-las. Entre eles, no

7a prova A- livro dos espíritos.p65 239 16/09/04, 15:22

240

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

entanto, muitos há, sérios, que vêem e observam para se instruírem

e aperfeiçoarem.

318.

As idéias dos Espíritos se modificam quando na

erraticidade?

“Muito; sofrem grandes modificações, à proporção que

o Espírito se desmaterializa. Pode este, algumas vezes, permanecer

longo tempo imbuído das idéias que tinha na Terra;

mas, pouco a pouco, a influência da matéria diminui e

ele vê as coisas com maior clareza. É então que procura os

meios de se tornar melhor.”

319.

Já tendo o Espírito vivido a vida espírita antes da sua

encarnação, como se explica o seu espanto ao

reingressar no mundo dos Espíritos?

“Isso só se dá no primeiro momento e é efeito da perturbação

que se segue ao despertar do Espírito. Mais tarde,

ele se vai inteirando da sua condição, à medida que lhe

volta a lembrança do passado e que a impressão da vida

terrena se lhe apaga.” (N

 

os 163 e seguintes.)

C

 

OMEMORAÇÃO DOS MORTOS. FUNERAIS

320.

Sensibiliza os Espíritos o lembrarem-se deles os que

lhes foram caros na Terra?

“Muito mais do que podeis supor. Se são felizes, esse

fato lhes aumenta a felicidade. Se são desgraçados,

serve-lhes de lenitivo.”

321.

O dia da comemoração dos mortos é, para os Espíritos,

mais solene do que os outros dias? Apraz-lhes ir

ao encontro dos que vão orar nos cemitérios sobre seus

túmulos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 240 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

241

“Os Espíritos acodem nesse dia ao chamado dos que

da Terra lhes dirigem seus pensamentos, como o fazem

noutro dia qualquer.”

a)

— Mas o de finados é, para eles, um dia especial de

reunião junto de suas sepulturas?

“Nesse dia, em maior número se reúnem nas necrópoles,

porque então também é maior, em tais lugares, o das

pessoas que os chamam pelo pensamento. Porém, cada Espírito

vai lá somente pelos seus amigos e não pela multidão

dos indiferentes.”

b)

— Sob que forma aí comparecem e como os veríamos,

se pudessem tornar-se visíveis?

“Sob a que tinham quando encarnados.”

322.

E os esquecidos, cujos túmulos ninguém vai visitar, também

lá, não obstante, comparecem e sentem algum

pesar por verem que nenhum amigo se lembra deles?

“Que lhes importa a Terra? Só pelo coração nos

achamos a ela presos. Desde que aí ninguém mais lhe vota

afeição, nada mais prende a esse planeta o Espírito, que

tem para si o Universo inteiro.”

323.

A visita de uma pessoa a um túmulo causa maior contentamento

ao Espírito, cujos despojos corporais aí se

encontrem, do que a prece que por ele faça essa

pessoa em sua casa?

“Aquele que visita um túmulo apenas manifesta, por

essa forma, que pensa no Espírito ausente. A visita é a

representação exterior de um fato íntimo. Já dissemos que

a prece é que santifica o ato da rememoração. Nada importa

o lugar, desde que é feita com o coração.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 241 16/09/04, 15:22

242

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

324.

Os Espíritos das pessoas a quem se erigem estátuas

ou monumentos assistem à inauguração de umas e

outros e experimentam algum prazer nisso?

“Muitos comparecem a tais solenidades, quando podem;

porém, menos os sensibiliza a homenagem que lhes prestam,

do que a lembrança que deles guardam os homens.”

325.

Qual a origem do desejo que certas pessoas exprimem

de ser enterradas antes num lugar do que noutro? Será

que preferirão, depois de mortas, vir a tal lugar? E essa

importância dada a uma coisa tão material constitui

indício de inferioridade do Espírito?

“Afeição particular do Espírito por determinados lugares;

inferioridade moral. Que importa este ou aquele canto

da Terra a um Espírito elevado? Não sabe ele que sua alma

se reunirá às dos que lhe são caros, embora fiquem separados

os seus respectivos ossos?”

a)

— Deve-se considerar futilidade a reunião dos despojos

mortais de todos os membros de uma família?

“Não; é um costume piedoso e um testemunho de simpatia

que dão os que assim procedem aos que lhes foram

entes queridos. Conquanto destituída de importância para

os Espíritos, essa reunião é útil aos homens: mais concentradas

se tornam suas recordações.”

326.

Comovem a alma que volta à vida espiritual as honras

que lhe prestem aos despojos mortais?

“Quando já ascendeu a certo grau de perfeição, o Espírito

se acha escoimado de vaidades terrenas e compreende

a futilidade de todas essas coisas. Porém, ficai sabendo, há

7a prova A- livro dos espíritos.p65 242 16/09/04, 15:22

DA VIDA ESPÍRITA

 

243

Espíritos que, nos primeiros momentos que se seguem à

sua morte material, experimentam grande prazer com as

honras que lhes tributam, ou se aborrecem com o pouco

caso que façam de seus envoltórios corporais. É que ainda

conservam alguns dos preconceitos desse mundo.”

327.

O Espírito assiste ao seu enterro?

“Freqüentemente assiste, mas, algumas vezes, se

ainda está perturbado, não percebe o que se passa.”

a)

— Lisonjeia-o a concorrência de muitas pessoas ao

seu enterramento?

“Mais ou menos, conforme o sentimento que as anima.”

328.

O Espírito daquele que acaba de morrer assiste à

reunião de seus herdeiros?

“Quase sempre. Para seu ensinamento e castigo dos

culpados, Deus permite que assim aconteça. Nessa ocasião,

o Espírito julga do valor dos protestos que lhe faziam.

Todos os sentimentos se lhe patenteiam e a decepção que

lhe causa a rapacidade dos que entre si partilham os bens

por ele deixados o esclarece acerca daqueles sentimentos.

Chegará, porém, a vez dos que lhe motivam essa decepção.”

329.

O instintivo respeito que, em todos os tempos e entre

todos os povos, o homem consagrou e consagra aos

mortos é efeito da intuição que tem da vida futura?

“É a conseqüência natural dessa intuição. Se assim

não fosse, nenhuma razão de ser teria esse respeito.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 243 16/09/04, 15:22

C A P Í T U L O V I I

Da volta do Espírito

à vida corporal

 

 

Prelúdio da volta

 

 

União da alma e do corpo

 

 

Faculdades morais e intelectuais do homem

 

 

Influência do organismo

 

 

Idiotismo, loucura

 

 

A infância

 

 

Simpatia e antipatia terrenas

 

 

Esquecimento do passado

P

 

RELÚDIO DA VOLTA

330.

Sabem os Espíritos em que época reencarnarão?

“Pressentem-na, como sucede ao cego que se aproxima

do fogo. Sabem que têm de retomar um corpo, como

sabeis que tendes de morrer um dia, mas ignoram quando

isso se dará.”

 

(166)

a)

— Então, a reencarnação é uma necessidade da vida

espírita, como a morte o é da vida corporal?

“Certamente; assim é.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 244 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

245

331.

Todos os Espíritos se preocupam com a sua

reencarnação?

“Muitos há que em tal coisa não pensam, que nem

sequer a compreendem. Depende de estarem mais ou menos

adiantados. Para alguns, a incerteza em que se acham

do futuro que os aguarda constitui punição.”

332.

Pode o Espírito apressar ou retardar o momento da sua

reencarnação?

“Pode apressá-lo, atraindo-o por um desejo ardente. Pode

igualmente distanciá-lo, recuando diante da prova, pois entre

os Espíritos também há covardes e indiferentes. Nenhum,

porém, assim procede impunemente, visto que sofre por

isso, como aquele que recusa o remédio capaz de curá-lo.”

333.

Se se considerasse bastante feliz, numa condição mediana

entre os Espíritos errantes e, conseguintemente,

não ambicionasse elevar-se, poderia um Espírito

prolongar indefinidamente esse estado?

“Indefinidamente, não. Cedo ou tarde, o Espírito sente

a necessidade de progredir. Todos têm que se elevar; esse o

destino de todos.”

334.

Há predestinação na união da alma com tal ou tal

corpo, ou só à última hora é feita a escolha do corpo

que ela tomará?

“O Espírito é sempre, de antemão, designado. Tendo

escolhido a prova a que queira submeter-se, pede para

encarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e vê, já antecipadamente

sabia e vira que tal Espírito se uniria a tal corpo.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 245 16/09/04, 15:22

246

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

335.

Cabe ao Espírito a escolha do corpo em que encarne, ou

somente a do gênero de vida que lhe sirva de prova?

“Pode também escolher o corpo, porquanto as imperfeições

que este apresente ainda serão, para o Espírito, provas

que lhe auxiliarão o progresso, se vencer os obstáculos

que lhe oponha. Nem sempre, porém, lhe é permitida a escolha

do seu invólucro corpóreo; mas, simplesmente,

a faculdade de pedir que seja tal ou qual.”

a)

— Poderia o Espírito recusar, à última hora, tomar o

corpo por ele escolhido?

“Se recusasse, sofreria muito mais do que aquele que

não tentasse prova alguma.”

336.

Poderia dar-se não haver Espírito que aceitasse

encarnar numa criança que houvesse de nascer?

“Deus a isso proveria. Quando uma criança tem que

nascer vital, está predestinada sempre a ter uma alma. Nada

se cria sem que à criação presida um desígnio.”

337.

Pode a união do Espírito a determinado corpo ser

imposta por Deus?

“Certo, do mesmo modo que as diferentes provas, mormente

quando ainda o Espírito não está apto a proceder a

uma escolha com conhecimento de causa. Por expiação,

pode o Espírito ser constrangido a se unir ao corpo de determinada

criança que, pelo seu nascimento e pela posição

que venha a ocupar no mundo, se lhe torne instrumento de

castigo.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 246 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

247

338.

Se acontecesse que muitos Espíritos se apresentassem

para tomar determinado corpo destinado a nascer, que

é o que decidiria sobre a qual deles pertenceria o corpo?

“Muitos podem pedi-lo; mas, em tal caso, Deus é quem

julga qual o mais capaz de desempenhar a missão a que a

criança se destina. Porém, como já eu disse, o Espírito é

designado antes que soe o instante em que haja de unir-se

ao corpo.”

339.

No momento de encarnar, o Espírito sofre perturbação

semelhante à que experimenta ao desencarnar?

“Muito maior e sobretudo mais longa. Pela morte, o

Espírito sai da escravidão; pelo nascimento, entra para ela.”

340.

É solene para o Espírito o instante da sua encarnação?

Pratica ele esse ato considerando-o grande e

importante?

“Procede como o viajante que embarca para uma

travessia perigosa e que não sabe se encontrará ou não a

morte nas ondas que se decide a afrontar.”

O viajante que embarca sabe a que perigo se lança, mas não

sabe se naufragará. O mesmo se dá com o Espírito: conhece o

gênero das provas a que se submete, mas não sabe se sucumbirá.

Assim como, para o Espírito, a morte do corpo é uma espécie

de renascimento, a reencarnação é uma espécie de morte, ou

antes, de exílio, de clausura. Ele deixa o mundo dos Espíritos

pelo mundo corporal, como o homem deixa este mundo por aquele.

Sabe que reencarnará, como o homem sabe que morrerá. Mas,

como este com relação à morte, o Espírito só no instante supremo,

quando chegou o momento predestinado, tem consciência de

que vai reencarnar. Então, qual do homem em agonia, dele se

apodera a perturbação, que se prolonga até que a nova existência

7a prova A- livro dos espíritos.p65 247 16/09/04, 15:22

248

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

se ache positivamente encetada. À aproximação do momento de

reencarnar, sente uma espécie de agonia.

341.

Na incerteza em que se vê, quanto às eventualidades

do seu triunfo nas provas que vai suportar na vida,

tem o Espírito uma causa de ansiedade antes da sua

encarnação?

“De ansiedade bem grande, pois que as provas da sua

existência o retardarão ou farão avançar, conforme as

suporte.”

342.

No momento de reencarnar, o Espírito se acha acompanhado

de outros Espíritos seus amigos, que vêm

assistir à sua partida do mundo incorpóreo, como

vêm recebê-lo quando para lá volta?

“Depende da esfera a que pertença. Se já está nas em

que reina a afeição, os Espíritos que lhe querem o acompanham

até ao último momento, animam e mesmo lhe

seguem, muitas vezes, os passos pela vida em fora.”

343.

Os que vemos, em sonho, que nos testemunham afeto

e que se nos apresentam com desconhecidos semblantes,

são alguma vez os Espíritos amigos que nos

seguem os passos na vida?

“Muito freqüentemente são eles que vos vêm visitar,

como ides visitar um encarcerado.”

U

 

NIÃO DA ALMA E DO CORPO

344.

Em que momento a alma se une ao corpo?

“A união começa na concepção, mas só é completa por

ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o

7a prova A- livro dos espíritos.p65 248 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

249

Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga

por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando

até ao instante em que a criança vê a luz. O grito, que o

recém-nascido solta, anuncia que ela se conta no número

dos vivos e dos servos de Deus.”

345.

É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o

momento da concepção? Durante esta primeira fase,

poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe

está destinado?

“É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito

não poderia substituir o que está designado para aquele

corpo. Mas, como os laços que ao corpo o prendem são

ainda muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-

se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova

que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.”

346.

Que faz o Espírito, se o corpo que ele escolheu morre

antes de se verificar o nascimento?

“Escolhe outro.”

a)

— Qual a utilidade dessas mortes prematuras?

“Dão-lhes causa, as mais das vezes, as imperfeições

da matéria.”

347.

Que utilidade encontrará um Espírito na sua encarnação

em um corpo que morre poucos dias depois de nascido?

“O ser não tem então consciência plena da sua existência.

Assim, a importância da morte é quase nenhuma.

Conforme já dissemos, o que há nesses casos de morte

prematura é uma prova para os pais.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 249 16/09/04, 15:22

250

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

348.

Sabe o Espírito, previamente, que o corpo de sua escolha

não tem probabilidade de viver?

“Sabe-o algumas vezes; mas, se nessa circunstância

reside o motivo da escolha, isso significa que está fugindo à

prova.”

349.

Quando falha por qualquer causa a encarnação de um

Espírito, é ela suprida imediatamente por outra

existência?

“Nem sempre o é imediatamente. Faz-se mister dar ao

Espírito tempo para proceder a nova escolha, a menos

que a reencarnação imediata corresponda a anterior

determinação.”

350.

Uma vez unido ao corpo da criança e quando já lhe

não é possível voltar atrás, sucede alguma vez deplorar

o Espírito a escolha que fez?

“Perguntas se, como homem, se queixa da vida que

tem? Se desejara que outra fosse ela? Sim. Se se arrepende

da escolha que fez? Não, pois não sabe ter sido sua a escolha.

Depois de encarnado, não pode o Espírito lastimar uma

escolha de que não tem consciência. Pode, entretanto, achar

pesada demais a carga e considerá-la superior às suas

forças. É quando isso acontece que recorre ao suicídio.”

351.

No intervalo que medeia da concepção ao nascimento,

goza o Espírito de todas as suas faculdades?

“Mais ou menos, conforme o ponto, em que se ache,

dessa fase, porquanto ainda não está encarnado, mas apenas

ligado. A partir do instante da concepção, começa o

Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que

7a prova A- livro dos espíritos.p65 250 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

251

lhe soou o momento de começar nova existência corpórea.

Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento.

Nesse intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um Espírito

encarnado durante o sono. À medida que a hora do

nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como

a lembrança do passado, do qual deixa de ter consciência

na condição de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança,

porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao

estado de Espírito.”

352.

Imediatamente ao nascer recobra o Espírito a plenitude

das suas faculdades?

“Não, elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos.

O Espírito se acha numa existência nova; preciso é

que aprenda a servir-se dos instrumentos de que dispõe.

As idéias lhe voltam pouco a pouco, como a uma pessoa

que desperta e se vê em situação diversa da que ocupava

na véspera.”

353.

Não sendo completa a união do Espírito ao corpo, não

estando definitivamente consumada, senão depois do

nascimento, poder-se-á considerar o feto como dotado

de alma?

“O Espírito que o vai animar existe, de certo modo,

fora dele. O feto não tem pois, propriamente falando, uma

alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se.

Achasse, entretanto, ligado à alma que virá a possuir.”

354.

Como se explica a vida intra-uterina?

“É a da planta que vegeta. A criança vive vida animal.

O homem tem a vida vegetal e a vida animal que, pelo seu

nascimento, se completam com a vida espiritual.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 251 16/09/04, 15:22

252

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

355.

Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no

seio materno não são vitais? Com que fim ocorre isso?

“Freqüentemente isso se dá e Deus o permite como

prova, quer para os pais do nascituro, quer para o Espírito

designado a tomar lugar entre os vivos.”

356.

Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido

destinados à encarnação de Espíritos?

“Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum

Espírito esteve destinado. Nada tinha que se efetuar

para eles. Tais crianças então só vêm por seus pais.”

a)

— Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa

natureza?

“Algumas vezes; mas não vive.”

b)

— Segue-se daí que toda criança que vive após o

nascimento tem forçosamente encarnado em si um Espírito?

“Que seria ela, sé assim não acontecesse? Não seria

um ser humano.”

357.

Que conseqüências tem para o Espírito o aborto?

“É uma existência nulificada e que ele terá de recomeçar.”

358.

Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer

período da gestação?

“Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma

mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que

tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por

isso que impede uma alma de passar pelas provas a que

serviria de instrumento o corpo que se estava formando.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 252 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

253

359.

Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em

perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-

-se a primeira para salvar a segunda?

“Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a

sacrificar-se o que já existe.”

360.

Será racional ter-se para com um feto as mesmas atenções

que se dispensam ao corpo de uma criança que

viveu algum tempo?

“Vede em tudo isso a vontade e a obra de Deus. Não

trateis, pois, desatenciosamente, coisas que deveis respeitar.

Por que não respeitar as obras da criação, algumas

vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre

segundo os seus desígnios e ninguém é chamado para ser

seu juiz.”

F

 

ACULDADES MORAIS E INTELECTUAIS DO HOMEM

361.

Qual a origem das qualidades morais, boas ou más,

do homem?

“São as do Espírito nele encarnado. Quanto mais puro

é esse Espírito, tanto mais propenso ao bem é o homem.”

a)

— Seguir-se-á daí que o homem de bem é a encarnação

de um bom Espírito e o homem vicioso a de um Espírito mau?

“Sim, mas, dize antes que o homem vicioso é a encarnação

de um Espírito imperfeito, pois, do contrário, poderias

fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a que

chamais demônios.”

362.

Qual o caráter dos indivíduos em que encarnam

Espíritos desassisados e levianos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 253 16/09/04, 15:22

254

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“São indivíduos estúrdios, maliciosos e, não raro,

criaturas malfazejas.”

363.

Têm os Espíritos paixões de que não partilhe a

Humanidade?

“Não, que, de outro modo, vo-las teriam comunicado.”

364.

O mesmo Espírito dá ao homem as qualidades morais

e as da inteligência?

“Certamente e isso em virtude do grau de adiantamento

a que se haja elevado. O homem não tem em si dois

Espíritos.”

365.

Por que é que alguns homens muito inteligentes, o que

indica acharem-se encarnados neles Espíritos superiores,

são ao mesmo tempo profundamente viciosos?

“É que não são ainda bastante puros os Espíritos encarnados

nesses homens, que, então, e por isso, cedem à

influência de outros Espíritos mais imperfeitos. O Espírito

progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso

não se efetua simultaneamente em todos os sentidos.

Durante um período da sua existência, ele se adianta em

ciência; durante outro, em moralidade.”

366.

Que se deve pensar da opinião dos que pretendem que

as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem

resultam da encarnação, nele, de outros tantos

Espíritos, diferentes entre si, cada um com uma

aptidão especial?

“Refletindo, reconhecereis que é absurda. O Espírito

tem que ter todas as aptidões. Para progredir, precisa de

7a prova A- livro dos espíritos.p65 254 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

255

uma vontade única. Se o homem fosse um amálgama de

Espíritos, essa vontade não existiria e ele careceria de individualidade,

pois que, por sua morte, todos aqueles Espíritos

formariam um bando de pássaros escapados da gaiola.

Queixa-se, amiúde, o homem de não compreender certas

coisas e, no entanto, curioso é ver-se como multiplica as

dificuldades, quando tem ao seu alcance explicações muito

simples e naturais. Ainda neste caso tomam o efeito pela

causa. Fazem, com relação à criatura humana, o que, com

relação a Deus, faziam os pagãos, que acreditavam em tantos

deuses quantos eram os fenômenos no Universo, se bem

que as pessoas sensatas, com eles coexistentes, apenas viam

em tais fenômenos efeitos provindos de uma causa única –

Deus.”

O mundo físico e o mundo moral nos oferecem, a este respeito,

vários pontos de semelhança. Enquanto se detiveram na

aparência dos fenômenos, os cientistas acreditaram fosse múltipla

a matéria. Hoje, compreende-se ser bem possível que tão variados

fenômenos consistam apenas em modificações da matéria

elementar única. As diversas faculdades são manifestações de

uma mesma causa, que é a alma, ou do Espírito encarnado, e

não de muitas almas, exatamente como os diferentes sons do

órgão, os quais procedem todos do ar e não de tantas espécies de

ar, quantos os sons. De semelhante sistema decorreria que, quando

um homem perde ou adquire certas aptidões, certos pendores,

isso significaria que outros tantos Espíritos teriam vindo habitá-lo

ou o teriam deixado, o que o tornaria um ser múltiplo, sem individualidade

e, conseguintemente, sem responsabilidade. Acresce

que o contradizem numerosíssimos exemplos de manifestações

de Espíritos, em que estes provam suas personalidades e

identidade.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 255 16/09/04, 15:22

256

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

I

 

NFLUÊNCIA DO ORGANISMO

367.

Unindo-se ao corpo, o Espírito se identifica com a matéria?

“A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como o

vestuário o é do corpo. Unindo-se a este, o Espírito conserva

os atributos da natureza espiritual.”

368.

Após sua união com o corpo, exerce o Espírito, com

liberdade plena, suas faculdades?

“O exercício das faculdades depende dos órgãos que

lhes servem de instrumento. A grosseria da matéria as

enfraquece.”

a)

— Assim, o invólucro material é obstáculo à livre manifestação

das faculdades do Espírito, como um vidro opaco

o é à livre irradiação da luz?

“É, como vidro muito opaco.”

Pode-se comparar a ação que a matéria grosseira exerce sobre

o Espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado,

ao qual tira a liberdade dos movimentos.

369.

O livre exercício das faculdades da alma está subordinado

ao desenvolvimento dos órgãos?

“Os órgãos são os instrumentos da manifestação das

faculdades da alma, manifestação que se acha subordinada

ao desenvolvimento e ao grau de perfeição dos órgãos,

como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta

própria à sua execução.”

370.

Da influência dos órgãos se pode inferir a existência

de uma relação entre o desenvolvimento dos do cérebro

e o das faculdades morais e intelectuais?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 256 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

257

“Não confundais o efeito com a causa. O Espírito

dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora,

não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que

impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.”

a)

— Dever-se-á deduzir daí que a diversidade das

aptidões entre os homens deriva unicamente do estado do

Espírito?

“O termo — unicamente — não exprime com toda a

exatidão o que ocorre. O princípio dessa diversidade reside

nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos

adiantado. Cumpre, porém, se leve em conta a influência

da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o exercício de

suas faculdades.”

Encarnando, traz o Espírito certas predisposições e, se se

admitir que a cada uma corresponda no cérebro um órgão, o desenvolvimento

desses órgãos será efeito e não causa. Se nos órgãos

estivesse o princípio das faculdades, o homem seria máquina

sem livre-arbítrio e sem a responsabilidade de seus atos.

Forçoso então fora admitir-se que os maiores gênios, os sábios,

os poetas, os artistas, só o são porque o acaso lhes deu órgãos

especiais, donde se seguiria que, sem esses órgãos, não teriam

sido gênios e que, assim, o maior dos imbecis houvera podido ser

um Newton, um Vergílio, ou um Rafael, desde que de certos órgãos

se achassem providos. Ainda mais absurda se mostra semelhante

hipótese, se a aplicarmos às qualidades morais. Efetivamente,

segundo esse sistema, um Vicente de Paulo, se a Natureza

o dotara de tal ou tal órgão, teria podido ser um celerado e o

maior dos celerados não precisaria senão de um certo órgão para

ser um Vicente de Paulo. Admita-se, ao contrário, que os órgãos

especiais, dado existam, são conseqüentes, que se desenvolvem

por efeito do exercício da faculdade, como os músculos por efeito

do movimento, e a nenhuma conclusão irracional se chegará.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 257 16/09/04, 15:22

258

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Sirvamo-nos de uma comparação, trivial à força de ser verdadeira.

Por alguns sinais fisionômicos se reconhece que um homem

tem o vício da embriaguez. Serão esses sinais que fazem dele um

ébrio, ou será a ebriedade que nele imprime aqueles sinais? Pode

dizer-se que os órgãos recebem o cunho das faculdades.

I

 

DIOTISMO, LOUCURA

371.

Tem algum fundamento o pretender-se que a alma dos

cretinos e dos idiotas é de natureza inferior?

“Nenhum. Eles trazem almas humanas, não raro mais

inteligentes do que supondes, mas que sofrem da insuficiência

dos meios de que dispõem para se comunicar, da

mesma forma que o mudo sofre da impossibilidade de falar.”

372.

Que objetivo visa a Providência criando seres desgraçados,

como os cretinos e os idiotas?

“Os que habitam corpos de idiotas são Espíritos sujeitos

a uma punição. Sofrem por efeito do constrangimento

que experimentam e da impossibilidade em que estão de se

manifestarem mediante órgãos não desenvolvidos ou

desmantelados.”

a)

— Não há, pois, fundamento para dizer-se que os

órgãos nada influem sobre as faculdades?

“Nunca dissemos que os órgãos não têm influência.

Têm-na muito grande sobre a manifestação das faculdades,

mas não são eles a origem destas. Aqui está a diferença.

Um músico excelente, com um instrumento defeituoso,

não dará a ouvir boa música, o que não fará que deixe de

ser bom músico.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 258 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

259

Importa se distinga o estado normal do estado patológico.

No primeiro, o moral vence os obstáculos que a matéria lhe opõe.

Há, porém, casos em que a matéria oferece tal resistência que as

manifestações anímicas ficam obstadas ou desnaturadas, como

nos de idiotismo e de loucura. São casos patológicos e, não gozando

nesse estado a alma de toda a sua liberdade, a própria lei

humana a isenta da responsabilidade de seus atos.

373.

Qual será o mérito da existência de seres que, como os

cretinos e os idiotas, não podendo fazer o bem nem o

mal, se acham incapacitados de progredir?

“É uma expiação decorrente do abuso que fizeram de

certas faculdades. É um estacionamento temporário.”

a)

— Pode assim o corpo de um idiota conter um Espírito

que tenha animado um homem de gênio em precedente

existência?

“Certo. O gênio se torna por vezes um flagelo, quando

dele abusa o homem.”

A superioridade moral nem sempre guarda proporção com a

superioridade intelectual e os grandes gênios podem ter muito

que expiar. Daí, freqüentemente, lhes resulta uma existência inferior

à que tiveram e uma causa de sofrimentos. Os embaraços

que o Espírito encontra para suas manifestações se lhe assemelham

às algemas que tolhem os movimentos a um homem vigoroso.

Pode dizer-se que os cretinos e os idiotas são estropiados do

cérebro, como o coxo o é das pernas e dos olhos o cego.

374.

Na condição de Espírito livre, tem o idiota consciência

do seu estado mental?

“Freqüentemente tem. Compreende que as cadeias que

lhe obstam ao vôo são prova e expiação.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 259 16/09/04, 15:22

260

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

375.

Qual, na loucura, a situação do Espírito?

“O Espírito, quando em liberdade, recebe diretamente

suas impressões e diretamente exerce sua ação sobre a

matéria. Encarnado, porém, ele se encontra em condições

muito diversas e na contingência de só o fazer com o auxílio

de órgãos especiais. Altere-se uma parte ou o conjunto

de tais órgãos e eis que se lhe interrompem, no que destes

dependam, a ação ou as impressões. Se perde os olhos, fica

cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que

seja o órgão, que preside às manifestações da inteligência,

o atacado ou modificado, parcial ou inteiramente, e fácil te

será compreender que, só tendo o Espírito a seu serviço órgãos

incompletos ou alterados, uma perturbação resultará

de que ele, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita

consciência, mas cujo curso não lhe está nas mãos deter.”

a)

— Então, o desorganizado é sempre o corpo e não o

Espírito?

“Exatamente; mas, convém não perder de vista que,

assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta

reage sobre ele, dentro de certos limites, e que pode acontecer

impressionar-se o Espírito temporariamente com a alteração

dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as

impressões. Pode mesmo suceder que, com a continuação,

durando longo tempo a loucura, a repetição dos mesmos

atos acabe por exercer sobre o Espírito uma influência, de

que ele não se libertará senão depois de se haver libertado

de toda impressão material.”

376.

Por que razão a loucura leva o homem algumas vezes

ao suicídio?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 260 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

261

“O Espírito sofre pelo constrangimento em que se acha

e pela impossibilidade em que se vê de manifestar-se livremente,

donde o procurar na morte um meio de quebrar

seus grilhões.”

377.

Depois da morte, o Espírito do alienado se ressente do

desarranjo de suas faculdades?

“Pode ressentir-se, durante algum tempo após a

morte, até que se desligue completamente da matéria, como

o homem que desperta se ressente, por algum tempo, da

perturbação em que o lançara o sono.”

378.

De que modo a alteração do cérebro reage sobre o

Espírito depois da morte?

“Como uma recordação. Um peso oprime o Espírito e,

como ele não teve a compreensão de tudo o que se passou

durante a sua loucura, sempre se faz mister um certo tempo,

a fim de se pôr ao corrente de tudo. Por isso é que,

quanto mais durar a loucura no curso da vida terrena, tanto

mais lhe durará a incerteza, o constrangimento, depois

da morte. Liberto do corpo, o Espírito se ressente, por certo

tempo, da impressão dos laços que àquele o prendiam.”

A

 

INFÂNCIA

379.

É tão desenvolvido, quanto o de um adulto, o Espírito

que anima o corpo de uma criança?

“Pode até ser mais, se mais progrediu. Apenas a imperfeição

dos órgãos infantis o impede de se manifestar.

Obra de conformidade com o instrumento de que dispõe.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 261 16/09/04, 15:22

262

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

380.

Abstraindo do obstáculo que a imperfeição dos órgãos

opõe à sua livre manifestação, o Espírito, numa

criancinha, pensa como criança ou como adulto?

“Desde que se trate de uma criança, é claro que, não

estando ainda nela desenvolvidos, não podem os órgãos da

inteligência dar toda a intuição própria de um adulto ao

Espírito que a anima. Este, pois, tem, efetivamente, limitada

a inteligência, enquanto a idade lhe não amadurece a

razão. A perturbação que o ato da encarnação produz no

Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento.

Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos

órgãos.”

Há um fato de observação, que apóia esta resposta. Os sonhos,

numa criança, não apresentam o caráter dos de um adulto.

Quase sempre pueril é o objeto dos sonhos infantis, o que

indica de que natureza são a s preocupações do respectivo

Espírito.

381.

Por morte da criança, readquire o Espírito, imediatamente,

o seu precedente vigor?

“Assim tem que ser, pois que se vê desembaraçado de

seu invólucro corporal. Entretanto, não readquire a anterior

lucidez, senão quando se tenha completamente separado

daquele envoltório, isto é, quando mais nenhum laço

exista entre ele e o corpo.”

382.

Durante a infância sofre o Espírito encarnado, em

conseqüência do constrangimento que a imperfeição

dos órgãos lhe impõe?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 262 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

263

“Não. Esse estado corresponde a uma necessidade, está

na ordem da natureza e de acordo com as vistas da Providência.

É um período de repouso do Espírito.

383.

Qual, para este, a utilidade de passar pelo estado de

infância?

“Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito,

durante esse período, é mais acessível às impressões

que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para

o que devem contribuir os incumbidos de educá-lo.”

384.

Por que é o choro a primeira manifestação da criança

ao nascer?

“Para estimular o interesse da genitora e provocar os

cuidados de que há mister. Não é evidente que se suas manifestações

fossem todas de alegria, quando ainda não sabe

falar, pouco se inquietariam os que o cercam com os cuidados

que lhe são indispensáveis? Admirai, pois, em tudo a

sabedoria da Providência.”

385.

Que é o que motiva a mudança que se opera no caráter

do indivíduo em certa idade, especialmente ao sair da

adolescência? É que o Espírito se modifica?

“É que o Espírito retoma a natureza que lhe é própria e

se mostra qual era.

Não conheceis o que a inocência das crianças oculta.

Não sabeis o que elas são, nem o que o foram, nem o que

serão. Contudo, afeição lhes tendes, as acariciais, como se

fossem parcelas de vós mesmos, a tal ponto que se considera

o amor que uma mãe consagra a seus filhos como o

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264

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

maior amor que um ser possa votar a outro. Donde nasce o

meigo afeto, a terna benevolência que mesmo os estranhos

sentem por uma criança? Sabeis? Não. Pois bem! Vou

explicá-lo.

As crianças são os seres que Deus manda a novas existências.

Para que não lhe possam imputar excessiva severidade,

dá-lhes ele todos os aspectos da inocência. Ainda

quando se trata de uma criança de maus pendores, cobrem-

se-lhe as más ações com a capa da inconsciência.

Essa inocência não constitui superioridade real com relação

ao que eram antes, não. É a imagem do que deveriam

ser e, se não o são, o conseqüente castigo exclusivamente

sobre elas recai.

Não foi, todavia, por elas somente que Deus lhes deu

esse aspecto de inocência; foi também e sobretudo por seus

pais, de cujo amor necessita a fraqueza que as caracteriza.

Ora, esse amor se enfraqueceria grandemente à vista de

um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus

filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e

os cercam dos mais minuciosos cuidados. Desde que, porém,

os filhos não mais precisam da proteção e assistência

que lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos,

surge-lhes o caráter real e individual em toda a nudez. Conservam-

se bons, se eram fundamentalmente bons; mas,

sempre irisados de matizes que a primeira infância manteve

ocultos.

Como vedes, os processos de Deus são sempre os

melhores e, quando se tem o coração puro, facilmente se

lhes apreende a explicação.

Com efeito, ponderai que nos vossos lares possivelmente

nascem crianças cujos Espíritos vêm de mundos onde

7a prova A- livro dos espíritos.p65 264 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

265

contraíram hábitos diferentes dos vossos e dizei-me como

poderiam estar no vosso meio esses seres, trazendo paixões

diversas das que nutris, inclinações, gostos, inteiramente

opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre

vós, senão como Deus o determinou, isto é, passando

pelo tamis da infância? Nesta se vêm confundir todas as

idéias, todos os caracteres, todas as variedades de seres

gerados pela infinidade dos mundos em que medram as

criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos achareis num

estado que é uma espécie de infância, entre novos irmãos.

Ao volverdes à existência extraterrena, ignorareis os hábitos,

os costumes, as relações que se observam nesse mundo,

para vós, novo. Manejareis com dificuldade uma linguagem

que não estais acostumado a falar, linguagem mais

vivaz do que o é agora o vosso pensamento. (

 

319)

A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só

entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem.

A delicadeza da idade infantil os torna brandos,

acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam

fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar

os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que

Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar

contas.

Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária,

indispensável, mas também conseqüência natural das leis

que Deus estabeleceu e que regem o Universo.”

S

 

IMPATIA E ANTIPATIA TERRENAS

386.

Podem dois seres, que se conheceram e estimaram, encontrar-

se noutra existência corporal e reconhecer-se?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 265 16/09/04, 15:22

266

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Reconhecer-se, não. Podem, porém, sentir-se atraídos

um para o outro. E, freqüentemente, diversa não é a

causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um

do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias

aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam

da atração de dois Espíritos, que se

 

buscam reciprocamente

por entre a multidão.”

a)

— Não lhes seria mais agradável reconhecerem-se?

“Nem sempre. A recordação das passadas existências

teria inconvenientes maiores do que imaginais. Depois de

mortos, reconhecer-se-ão e saberão que tempo passaram

juntos.”

 

(392)

387.

A simpatia tem sempre por princípio um anterior

conhecimento?

“Não. Dois Espíritos, que se ligam bem, naturalmente

se procuram um ao outro, sem que se tenham conhecido

como homens.”

388.

Os encontros, que costumam dar-se, de algumas

pessoas e que comumente se atribuem ao acaso, não

serão efeito de uma certa relação de simpatia?

“Entre os seres pensantes há ligação que ainda não

conheceis. O magnetismo é o piloto desta ciência, que mais

tarde compreendereis melhor.”

389.

E a repulsão instintiva que se experimenta por algumas

pessoas, donde se origina?

“São Espíritos antipáticos que se adivinham e reconhecem,

sem se falarem.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 266 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

267

390.

A antipatia instintiva é sempre sinal de natureza má?

“De não simpatizarem um com o outro, não se segue

que dois Espíritos sejam necessariamente maus. A antipatia,

entre eles, pode derivar de diversidade no modo de pensar.

À proporção, porém, que se forem elevando, essa divergência

irá desaparecendo e a antipatia deixará de existir.”

391.

A antipatia entre duas pessoas nasce primeiro na que

tem pior Espírito, ou na que o tem melhor?

“Numa e noutra indiferentemente, mas distintas são

as causas e os efeitos nas duas. Um Espírito mau antipatiza

com quem quer que o possa julgar e desmascarar. Ao ver

pela primeira vez uma pessoa, logo sabe que vai ser censurado.

Seu afastamento dessa pessoa se transforma em ódio,

em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom

Espírito sente repulsão pelo mau, por saber que este o não

compreenderá e porque díspares dos dele são os seus sentimentos.

Entretanto, consciente da sua superioridade, não

alimenta ódio, nem inveja contra o outro. Limita-se a

evitá-lo e a lastimá-lo.”

E

 

SQUECIMENTO DO PASSADO

392.

Por que perde o Espírito encarnado a lembrança do

seu passado?

“Não pode o homem, nem deve, saber tudo. Deus assim

o quer em sua sabedoria. Sem o véu que lhe oculta

certas coisas, ficaria ofuscado, como quem, sem transição,

saísse do escuro para o claro.

 

Esquecido de seu passado

ele é mais senhor de si

.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 267 16/09/04, 15:22

268

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

393.

Como pode o homem ser responsável por atos e resgatar

faltas de que se não lembra? Como pode aproveitar

da experiência de vidas de que se esqueceu? Concebe-

se que as tribulações da existência lhe servissem

de lição, se se recordasse do que as tenha podido ocasionar.

Desde que, porém, disso não se recorda, cada

existência é, para ele, como se fosse a primeira e eis

que então está sempre a recomeçar. Como conciliar isto

com a justiça de Deus?

“Em cada nova existência, o homem dispõe de mais

inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal. Onde o

seu mérito se se lembrasse de todo o passado? Quando

o Espírito volta à vida anterior (a vida espírita), diante dos

olhos se lhe estende toda a sua vida pretérita. Vê as faltas

que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como

de que modo as teria evitado. Reconhece justa a situação

em que se acha e busca então uma existência capaz de

reparar a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas

às de que não soube aproveitar, ou as lutas que considere

apropriadas ao seu adiantamento e pede a Espíritos que

lhe são superiores que o ajudem na nova empresa que sobre

si toma, ciente de que o Espírito, que lhe for dado por

guia nessa outra existência, se esforçará pelo levar a reparar

suas faltas, dando-lhe uma espécie de

 

intuição das em

que incorreu. Tendes essa intuição no pensamento, no desejo

criminoso que freqüentemente vos assalta e a que instintivamente

resistis, atribuindo, as mais das vezes, essa

resistência aos princípios que recebestes de vossos pais,

quando é a voz da consciência que vos fala. Essa voz, que é

a lembrança do passado, vos adverte para não recairdes

nas faltas de que já vos fizestes culpados. Em a nova existência,

se sofre com coragem aquelas provas e resiste, o

7a prova A- livro dos espíritos.p65 268 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

269

Espírito se eleva e ascende na hierarquia dos Espíritos, ao

voltar para o meio deles.”

Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata

do que fomos e do que fizemos em anteriores existências; mas

temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas

uma reminiscência do passado. E a nossa consciência, que

é o desejo que experimentamos de não reincidir nas faltas já

cometidas, nos concita à resistência àqueles pendores.

394.

Nos mundos mais elevados do que a Terra, onde os

que os habitam não se vêem premidos pelas necessidades

físicas, pelas enfermidades que nos afligem, os

homens compreendem que são mais felizes do que nós?

Relativa é, em geral, a felicidade. Sentimo-la, mediante

comparação com um estado menos ditoso. Visto que,

em suma, alguns desses mundos, se bem melhores do

que o nosso, ainda não atingiram o estado de perfeição,

seus habitantes devem ter motivos de desgostos,

embora de gênero diverso dos nossos. Entre nós, o rico,

conquanto não sofra as angústias das necessidades

materiais, como o pobre, nem por isso se acha isento

de tribulações, que lhe tornam amarga a vida. Pergunto

então: Na situação em que se encontram, os habitantes

desses mundos não se consideram tão infelizes

quanto nós, na em que nos vemos, e não se lastimam

da sorte, olvidados de existências inferiores que lhes

sirvam de termos de comparação?

“Cabem aqui duas respostas distintas. Há mundos,

entre os de que falas, cujos habitantes guardam lembrança

clara e exata de suas existências passadas. Esses, compreendes,

podem e sabem apreciar a felicidade de que Deus

7a prova A- livro dos espíritos.p65 269 16/09/04, 15:22

270

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

lhes permite fruir. Outros há, porém, cujos habitantes,

achando-se, como dizes, em melhores condições do que vós

na Terra, não deixam de experimentar grandes desgostos,

até desgraças. Esses não apreciam a felicidade de que gozam,

pela razão mesma de se não recordarem de um estado

mais infeliz. Entretanto, se não a apreciam como homens,

apreciam-na como Espíritos.”

No esquecimento das existências anteriormente transcorridas,

sobretudo quando foram amarguradas, não há qualquer coisa

de providencial e que revela a sabedoria divina? Nos mundos

superiores, quando o recordá-las já não constitui pesadelo, é que

as vidas desgraçadas se apresentam à memória. Nos mundos inferiores,

a lembrança de todas as que se tenham sofrido não agravaria

as infelicidades presentes? Concluamos, pois, daí que tudo

o que Deus fez é perfeito e que não nos toca criticar-lhe as obras,

nem lhe ensinar como deveria ter regulado o Universo.

Gravíssimos inconvenientes teria o nos lembrarmos das nossas

individualidades anteriores. Em certos casos, humilhar-nos-ia

sobremaneira. Em outros nos exaltaria o orgulho, peando-nos, em

conseqüência, o livre-arbítrio. Para nos melhorarmos, dá-nos Deus

exatamente o que nos é necessário e basta: a voz da consciência

e os pendores instintivos. Priva-nos do que nos prejudicaria. Acrescentemos

que, se nos recordássemos dos nossos precedentes atos

pessoais, igualmente nos recordaríamos dos dos outros homens,

do que resultariam talvez os mais desastrosos efeitos para as

relações sociais. Nem sempre podendo honrar-nos do nosso

passado, melhor é que sobre ele um véu seja lançado. Isto concorda

perfeitamente com a doutrina dos Espíritos acerca dos mundos

superiores à Terra. Nesses mundos, onde só reina o bem, a

reminiscência do passado nada tem de dolorosa. Tal a razão por

que neles as criaturas se lembram da sua antecedente existência,

como nos lembramos do que fizemos na véspera. Quanto à

estada em mundos inferiores, não passa então, como já dissemos,

de mau sonho.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 270 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

271

395.

Podemos ter algumas revelações a respeito de nossas

vidas anteriores?

“Nem sempre. Contudo, muitos sabem o que foram e o

que faziam. Se se lhes permitisse dizê-lo abertamente,

extraordinárias revelações fariam sobre o passado.”

396.

Algumas pessoas julgam ter vaga recordação de um

passado desconhecido, que se lhes apresenta como a

imagem fugitiva de um sonho, que em vão se tenta

reter. Não há nisso simples ilusão?

“Algumas vezes, é uma impressão real; mas também,

freqüentemente, não passa de mera ilusão, contra a qual

precisa o homem pôr-se em guarda, porquanto pode ser

efeito de superexcitada imaginação.”

397.

Nas existências corpóreas de natureza mais elevada do

que a nossa, é mais clara a lembrança das anteriores?

“Sim, à medida que o corpo se torna menos material,

com mais exatidão o homem se lembra do seu passado.

Esta lembrança, os que habitam os mundos de ordem

superior a têm mais nítida.”

398.

Sendo os pendores instintivos uma reminiscência do

seu passado, dar-se-á que, pelo estudo desses pendores,

seja possível ao homem conhecer as faltas que

cometeu?

“Até certo ponto, assim é. Preciso se torna, porém, levar

em conta a melhora que se possa ter operado no Espírito

e as resoluções que ele haja tomado na erraticidade. Pode

suceder que a existência atual seja muito melhor que a

precedente.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 271 16/09/04, 15:22

272

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Poderá também ser pior, isto é, poderá o Espírito

cometer, numa existência, faltas que não praticou em a

precedente?

“Depende do seu adiantamento. Se não souber triunfar

das provas, possivelmente será arrastado a novas faltas,

conseqüentes, então, da posição que escolheu. Mas,

em geral, estas faltas denotam mais um estacionamento

que uma retrogradação, porquanto o Espírito é suscetível

de se adiantar ou de parar, nunca, porém, de retroceder.”

399.

Sendo as vicissitudes da vida corporal expiação das

faltas do passado e, ao mesmo tempo, provas com vistas

ao futuro, seguir-se-á que da natureza de tais vicissitudes

se possa deduzir de que gênero foi a

existência anterior?

“Muito amiúde é isso possível, pois que cada um é punido

naquilo por onde pecou. Entretanto, não há que tirar

daí uma regra absoluta. As tendências instintivas constituem

indício mais seguro, visto que as provas por que passa

o Espírito o são, tanto pelo que respeita ao passado,

quanto pelo que toca ao futuro.”

Chegado ao termo que a Providência lhe assinou à vida na

erraticidade, o próprio Espírito escolhe as provas a que deseja

submeter-se para apressar o seu adiantamento, isto é, escolhe

meios de adiantar-se e tais provas estão sempre em relação com

as faltas que lhe cumpre expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se

sucumbe, tem que recomeçar.

O Espírito goza sempre do livre-arbítrio. Em virtude dessa

liberdade é que escolhe, quando desencarnado, as provas da vida

corporal e que, quando encarnado, decide fazer ou não uma coisa

e procede à escolha entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-

-arbítrio fora reduzi-lo à condição de máquina.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 272 16/09/04, 15:22

DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL

 

273

Mergulhado na vida corpórea, perde o Espírito, momentaneamente,

a lembrança de suas existências anteriores, como se

um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes vaga consciência

dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias, lhe

podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos superiores

espontaneamente lha fazem, com um fim útil, nunca

para satisfazer a vã curiosidade.

As existências futuras, essas em nenhum caso podem ser

reveladas, pela razão de que dependem do modo por que o Espírito

se sairá da existência atual e da escolha que ulteriormente faça.

O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo

à melhoria do Espírito, porquanto, se é certo que este não se

lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância

de as ter conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-

-las o guia por intuição e lhe dá a idéia de resistir ao mal, idéia

que é a voz da consciência, tendo a secundá-la os Espíritos superiores

que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão.

O homem não conhece os atos que praticou em suas existências

pretéritas, mas pode sempre saber qual o gênero das

faltas de que se tornou culpado e qual o cunho predominante do

seu caráter. Bastará então julgar do que foi, não pelo que é, sim,

pelas suas tendências.

As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação das

faltas do passado e, simultaneamente, provas com relação ao

futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados

e sem murmurar.

A natureza dessas vicissitudes e das provas que sofremos

também nos podem esclarecer acerca do que fomos e do que fizemos,

do mesmo modo que neste mundo julgamos dos atos de um

culpado pelo castigo que lhe inflige a lei. Assim, o orgulhoso será

castigado no seu orgulho, mediante a humilhação de uma existência

subalterna; o mau rico, o avarento, pela miséria; o que foi

cruel para os outros, pelas crueldades que sofrerá; o tirano, pela

escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o

preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 273 16/09/04, 15:22

C A P Í T U L O V I I I

Da emancipação da alma

 

 

O sono e os sonhos

 

 

Visitas espíritas entre pessoas vivas

 

 

Transmissão oculta do pensamento

 

 

Letargia, catalepsia, mortes aparentes

 

 

Sonambulismo

 

 

Êxtase

 

 

Dupla vista

 

 

Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e

da dupla vista

O

 

SONO E OS SONHOS

400.

O Espírito encarnado permanece de bom grado no seu

envoltório corporal?

“É como se perguntasses se ao encarcerado agrada o

cárcere. O Espírito encarnado aspira constantemente à sua

libertação e tanto mais deseja ver-se livre do seu invólucro,

quanto mais grosseiro é este.”

401.

Durante o sono, a alma repousa como o corpo?

“Não, o Espírito jamais está inativo. Durante o sono,

afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não preci-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 274 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

275

sando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço

e

 

entra em relação mais direta com os outros Espíritos.

402.

Como podemos julgar da liberdade do Espírito durante

o sono?

“Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, acredita-o,

tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília.

Lembra-se do passado e algumas vezes prevê o futuro.

Adquire maior potencialidade e pode pôr-se em comunicação

com os demais Espíritos,

 

quer deste mundo, quer do

outro

. Dizes freqüentemente: Tive um sonho extravagante,

um sonho horrível, mas absolutamente inverossímil.

Enganas-te. É amiúde uma recordação dos lugares e das

coisas que viste ou que verás em outra existência ou em

outra ocasião. Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata

de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou

no futuro.

Pobres homens, que mal conheceis os mais vulgares

fenômenos da vida! Julgais-vos muito sábios e as coisas

mais comezinhas vos confundem. Nada sabeis responder a

estas perguntas que todas as crianças formulam: Que fazemos

quando dormimos? Que são os sonhos?

O sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando

dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em

que fica permanentemente depois que morre. Tiveram sonos

inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se

desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão

para junto dos seres que lhes são superiores. Com estes

viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em

obras que se lhes deparam concluídas, quando volvem,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 275 16/09/04, 15:22

276

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

morrendo na Terra, ao mundo espiritual. Ainda esta circunstância

é de molde a vos ensinar que não deveis temer a

morte, pois que todos os dias morreis, como disse um santo.

Isto, pelo que concerne aos Espíritos elevados. Pelo que

respeita ao grande número de homens que, morrendo, têm que

passar longas horas na perturbação, na incerteza de que

tantos já vos falaram, esses vão, enquanto dormem, ou a

mundos inferiores à Terra, onde os chamam velhas afeições,

ou em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em

que aqui tanto se deleitam. Vão beber doutrinas ainda mais

vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam

entre vós. E o que gera a simpatia na Terra é o fato de

sentir-se o homem, ao despertar, ligado pelo coração àqueles

com quem acaba de passar oito ou nove horas de ventura

ou de prazer. Também as antipatias invencíveis se explicam

pelo fato de sentirmos em nosso íntimo que os entes

com quem antipatizamos têm uma consciência diversa da

nossa. Conhecemo-los sem nunca os termos visto com os

olhos. É ainda o que explica a indiferença de muitos homens.

Não cuidam de conquistar novos amigos, por saberem

que muitos têm que os amam e lhes querem. Numa

palavra: o sono influi mais do que supondes na vossa vida.

Graças ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre

em relação com o mundo dos Espíritos. Por isso é que os

Espíritos superiores assentem, sem grande repugnância,

em encarnar entre vós. Quis Deus que, tendo de estar em

contacto com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na

fonte do bem, a fim de igualmente não falirem, quando se

propõem a instruir os outros. O sono é a porta que Deus

lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do céu;

é o recreio depois do trabalho, enquanto esperam a grande

7a prova A- livro dos espíritos.p65 276 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

277

libertação, a libertação final, que os restituirá ao meio que

lhes é próprio.

O sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o

sono. Notai, porém, que nem sempre sonhais. Que quer

isso dizer? Que nem sempre vos lembrais do que vistes, ou

de tudo o que haveis visto, enquanto dormíeis. É que não

tendes então a alma no pleno desenvolvimento de suas faculdades.

Muitas vezes, apenas vos fica a lembrança da

perturbação que o vosso Espírito experimenta à sua partida

ou no seu regresso, acrescida da que resulta do que

fizestes ou do que vos preocupa quando despertos. A não

ser assim, como explicaríeis os sonhos absurdos, que tanto

os sábios, quanto as mais humildes e simples criaturas

têm? Acontece também que os maus Espíritos se aproveitam

dos sonhos para atormentar as almas fracas e

pusilânimes.

Em suma, dentro em pouco vereis vulgarizar-se outra

espécie de sonhos. Conquanto tão antiga como a de que

vimos falando, vós a desconheceis. Refiro-me aos sonhos

de Joana, ao de Jacob, aos dos profetas judeus e aos de

alguns adivinhos indianos. São recordações guardadas por

almas que se desprendem quase inteiramente do corpo,

recordações dessa segunda vida a que ainda há pouco

aludíamos.

Tratai de distinguir essas duas espécies de sonhos nos

de que vos lembrais, do contrário cairíeis em contradições

e em erros funestos à vossa fé.”

Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais

independente se torna pela suspensão da vida ativa e de relação.

Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos

mais afastados lugares e até mesmo a outros mundos. Daí tam-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 277 16/09/04, 15:22

278

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

bém a lembrança que traz à memória acontecimentos da precedente

existência ou das existências anteriores. As singulares imagens

do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos,

entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos

estranhos e confusos, que nenhum sentido ou ligação

parecem ter.

A incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas

que apresenta a recordação incompleta que conservamos do que

nos apareceu quando sonhávamos. É como se a uma narração se

truncassem frases ou trechos ao acaso. Reunidos depois, os

fragmentos restantes nenhuma significação racional teriam.

403.

Por que não nos lembramos sempre dos sonhos?

“Em o que chamas sono, só há o repouso do corpo,

visto que o Espírito está constantemente em atividade. Recobra,

durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde

com os que lhe são caros, quer neste mundo, quer

em outros. Mas, como é pesada e grosseira a matéria que o

compõe, o corpo dificilmente conserva as impressões que o

Espírito recebeu, porque a este não chegaram por intermédio

dos órgãos corporais.”

404.

Que se deve pensar das significações atribuídas aos

sonhos?

“Os sonhos não são verdadeiros como o entendem os

ledores de

 

buena-dicha, pois fora absurdo crer-se que sonhar

com tal coisa anuncia tal outra. São verdadeiros no

sentido de que apresentam imagens que para o Espírito

têm realidade, porém que, freqüentemente, nenhuma relação

guardam com o que se passa na vida corporal. São

também, como atrás dissemos, um pressentimento do futuro,

permitido por Deus, ou a visão do que no momento

7a prova A- livro dos espíritos.p65 278 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

279

ocorre em outro lugar a que a alma se transporta. Não se

contam por muitos os casos de pessoas que em sonho aparecem

a seus parentes e amigos, a fim de avisá-los do que a

elas está acontecendo? Que são essas aparições senão as

almas ou Espíritos de tais pessoas a se comunicarem com

entes caros? Quando tendes certeza de que o que vistes

realmente se deu, não fica provado que a imaginação nenhuma

parte tomou na ocorrência, sobretudo se o que

observastes não vos passava pela mente quando em vigília?”

405.

Acontece com freqüência verem-se em sonho coisas que

parecem um pressentimento, que, afinal, não se

confirma. A que se deve atribuir isto?

“Pode suceder que tais pressentimentos venham a confirmar-

se apenas para o Espírito. Quer dizer que este viu

aquilo que desejava,

 

foi ao seu encontro. É preciso não esquecer

que, durante o sono, a alma está mais ou menos

sob a influência da matéria e que, por conseguinte, nunca

se liberta completamente de suas idéias terrenas, donde

resulta que as preocupações do estado de vigília podem dar

ao que se vê a aparência do que se deseja, ou do que se

teme. A isto é que, em verdade, cabe chamar-se efeito da

imaginação. Sempre que uma idéia nos preocupa fortemente,

tudo o que vemos se nos mostra ligado a essa idéia.”

406.

Quando em sonho vemos pessoas vivas, muito nossas

conhecidas, a praticarem atos de que absolutamente

não cogitam, não é isso puro efeito de imaginação?

“De que absolutamente não cogitam, dizes. Que sabes

a tal respeito? Os Espíritos dessas pessoas vêm visitar o

teu, como o teu os vai visitar, sem que saibas sempre o em

7a prova A- livro dos espíritos.p65 279 16/09/04, 15:22

280

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

que eles pensam. Demais, não é raro atribuirdes, de acordo

com o que desejais, a pessoas que conheceis, o que se deu

ou se está dando em outras existências.”

407.

É necessário o sono completo para a emancipação do

Espírito?

“Não; basta que os sentidos entrem em torpor para

que o Espírito recobre a sua liberdade. Para se emancipar,

ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo

lhe concede. Desde que haja prostração das forças vitais, o

Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre,

quanto mais fraco for o corpo.”

Assim se explica que imagens idênticas às que vemos, em

sonho, vejamos estando apenas meio dormindo, ou em simples

modorra.

408.

E qual a razão de ouvirmos, algumas vezes em nós

mesmos, palavras pronunciadas distintamente e que

nenhum nexo têm com o que nos preocupa?

“É fato: ouvis até mesmo frases inteiras, principalmente

quando os sentidos começam a entorpecer-se. É, quase

sempre, fraco eco do que diz um Espírito que convosco se

quer comunicar.”

409.

Doutras vezes, num estado que ainda não é bem o do

adormecimento, estando com os olhos fechados, vemos

imagens distintas, figuras cujas mínimas

particularidades percebemos. Que há aí, efeito de visão

ou de imaginação?

“Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de desprender-

se. Transporta-se e vê. Se já fosse completo o sono,

haveria sonho.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 280 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

281

410.

Dá-se também que, durante o sono, ou quando nos

achamos apenas ligeiramente adormecidos, acodem-

-nos idéias que nos parecem excelentes e que se nos

apagam da memória, apesar dos esforços que

façamos para retê-las. Donde vêm essas idéias?

“Provêm da liberdade do Espírito que se emancipa e

que, emancipado, goza de suas faculdades com maior amplitude.

Também são, freqüentemente, conselhos que

outros Espíritos dão.”

a)

— De que servem essas idéias e esses conselhos,

desde que, pelos esquecer, não os podemos aproveitar?

“Essas idéias, em regra, mais dizem respeito ao mundo

dos Espíritos do que ao mundo corpóreo. Pouco importa

que comumente o Espírito as esqueça, quando unido ao

corpo. Na ocasião oportuna, voltar-lhe-ão como inspiração

de momento.”

411.

Estando desprendido da matéria e atuando como Espírito,

sabe o Espírito encarnado qual será a época de

sua morte?

“Acontece pressenti-la. Também sucede ter plena consciência

dessa época, o que dá lugar a que, em estado de

vigília, tenha a intuição do fato. Por isso é que algumas

pessoas prevêem com grande exatidão a data em que virão

a morrer.”

412.

Pode a atividade do Espírito, durante o repouso, ou o

sono corporal, fatigar o corpo?

“Pode, pois que o Espírito se acha preso ao corpo qual

balão cativo ao poste. Assim como as sacudiduras do balão

7a prova A- livro dos espíritos.p65 281 16/09/04, 15:22

282

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

abalam o poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo

e pode fatigá-lo.”

V

 

ISITAS ESPÍRITAS ENTRE PESSOAS VIVAS

413.

Do princípio da emancipação da alma parece decorrer

que temos duas existências simultâneas: a do corpo,

que nos permite a vida de relação ostensiva; e a da alma,

que nos proporciona a vida de relação oculta. É assim?

“No estado de emancipação, prima a vida da alma.

Contudo, não há, verdadeiramente, duas existências. São

antes duas fases de uma só existência, porquanto o

homem não vive duplamente.”

414.

Podem duas pessoas que se conhecem visitar-se

durante o sono?

“Certo e muitos que julgam não se conhecerem costumam

reunir-se e falar-se. Podes ter, sem que o suspeites,

amigos em outro país. É tão habitual o fato de irdes encontrar-

vos, durante o sono, com amigos e parentes, com os

que conheceis e que vos podem ser úteis, que quase todas

as noites fazeis essas visitas.”

415.

Que utilidade podem elas ter, se as olvidamos?

“De ordinário, ao despertardes, guardais a intuição

desse fato, do qual se originam certas idéias que vos vêm

espontaneamente, sem que possais explicar como vos

acudiram. São idéias que adquiristes nessas confabulações.”

416.

Pode o homem, pela sua vontade, provocar as visitas

espíritas? Pode, por exemplo, dizer, quando está para

7a prova A- livro dos espíritos.p65 282 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

283

dormir: Quero esta noite encontrar-me em Espírito com

Fulano, quero falar-lhe para dizer isto?

“O que se dá é o seguinte: Adormecendo o homem, seu

Espírito desperta e, muitas vezes, nada disposto se mostra

a fazer o que o homem resolvera, porque a vida deste pouco

interessa ao seu Espírito, uma vez desprendido da matéria.

Isto com relação a homens já bastante elevados espiritualmente.

Os outros passam de modo muito diverso a fase

espiritual de sua existência terrena. Entregam-se às paixões

que os escravizaram, ou se mantêm inativos. Pode,

pois, suceder, tais sejam os motivos que a isso o induzem,

que o Espírito vá visitar aqueles com quem deseja encontrar-

se. Mas, não constitui razão, para que semelhante coisa

se verifique, o simples fato de ele o querer quando

desperto.”

417.

Podem Espíritos encarnados reunir-se em certo

número e formar assembléias?

“Sem dúvida alguma. Os laços, antigos ou recentes,

da amizade costumam reunir desse modo diversos Espíritos,

que se sentem felizes de estar juntos.”

Pelo termo

 

antigos se devem entender os laços de amizade

contraída em existências anteriores. Ao despertar, guardamos

intuição das idéias que haurimos nesses colóquios, mas ficamos

na ignorância da fonte donde promanaram.

418.

Uma pessoa que julgasse morto um de seus amigos,

sem que tal fosse a realidade, poderia encontrar-se com

ele, em Espírito, e verificar que continuava vivo? E, dado

o fato, poderia, ao despertar, ter dele a intuição?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 283 16/09/04, 15:22

284

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Como Espírito, a pessoa que figuras pode ver o seu amigo

e conhecer-lhe a sorte. Se lhe não houver sido imposto, por

prova, crer na morte desse amigo, poderá ter um pressentimento

da sua existência, como poderá tê-lo de sua morte.”

T

 

RANSMISSÃO OCULTA DO PENSAMENTO

419.

Que é o que dá causa a que uma idéia, a de uma descoberta,

por exemplo, surja em muitos pontos ao

mesmo tempo?

“Já dissemos que durante o sono os Espíritos se comunicam

entre si. Ora bem! Quando se dá o despertar, o

Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ser

isso um invento de sua autoria. Assim é que muitos podem

simultaneamente descobrir a mesma coisa. Quando dizeis

que uma idéia paira no ar, usais de uma figura de linguagem

mais exata do que supondes. Todos, sem o

suspeitarem, contribuem para propagá-la.”

Desse modo, o nosso próprio Espírito revela muitas vezes, a

outros Espíritos, mau grado nosso, o que constituía objeto de

nossas preocupações no estado de vigília.

420.

Podem os Espíritos comunicar-se, estando completamente

despertos os corpos?

“O Espírito não se acha encerrado no corpo como numa

caixa; irradia por todos os lados. Segue-se que pode comunicar-

se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília,

se bem que mais dificilmente.”

421.

Como se explica que duas pessoas, perfeitamente acordadas,

tenham instantaneamente a mesma idéia?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 284 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

285

“São dois Espíritos simpáticos que se comunicam e

vêem reciprocamente seus pensamentos respectivos, embora

sem estarem adormecidos os corpos.”

Há, entre os Espíritos que se encontram, uma comunicação

de pensamento, que dá causa a que duas pessoas se vejam e

compreendam sem precisarem dos sinais ostensivos da linguagem.

Poder-se-ia dizer que falam entre si a linguagem dos Espíritos.

L

 

ETARGIA, CATALEPSIA, MORTES APARENTES

422.

Os letárgicos e os catalépticos, em geral, vêem e ouvem

o que em derredor se diz e faz, sem que possam

exprimir que estão vendo e ouvindo. É pelos olhos e

pelos ouvidos que têm essas percepções?

“Não; pelo Espírito. O Espírito tem consciência de si,

mas não pode comunicar-se.”

a)

— Por quê?

“Porque a isso se opõe o estado do corpo. E esse estado

especial dos órgãos vos prova que no homem há alguma

coisa mais do que o corpo, pois que, então, o corpo já não

funciona e, no entanto, o Espírito se mostra ativo.”

423.

Na letargia, pode o Espírito separar-se inteiramente do

corpo, de modo a imprimir-lhe todas as aparências da

morte e voltar depois a habitá-lo?

“Na letargia, o corpo não está morto, porquanto há funções

que continuam a executar-se. Sua vitalidade se encontra

em estado latente, como na crisálida, porém não

aniquilada. Ora, enquanto o corpo vive, o Espírito se lhe

7a prova A- livro dos espíritos.p65 285 16/09/04, 15:22

286

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

acha ligado. Em se rompendo, por efeito da morte

 

real e

pela desagregação dos órgãos, os laços que prendem um ao

outro, integral se torna a separação e o Espírito não volta

mais ao seu envoltório. Desde que um homem, aparentemente

morto, volve à vida, é que não era completa a morte.”

424.

Por meio de cuidados dispensados a tempo, podem

reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se à

vida um ser que definitivamente morreria se não fosse

socorrido?

“Sem dúvida e todos os dias tendes a prova disso. O

magnetismo, em tais casos, constitui, muitas vezes, poderoso

meio de ação, porque restitui ao corpo o fluido vital

que lhe falta para manter o funcionamento dos órgãos.”

A letargia e a catalepsia derivam do mesmo princípio, que é

a perda temporária da sensibilidade e do movimento, por uma

causa fisiológica ainda inexplicada. Diferem uma da outra em

que, na letargia, a suspensão das forças vitais é geral e dá ao

corpo todas as aparências da morte; na catalepsia, fica localizada,

podendo atingir uma parte mais ou menos extensa do corpo,

de sorte a permitir que a inteligência se manifeste livremente, o

que a torna inconfundível com a morte. A letargia é sempre

natural; a catalepsia é por vezes magnética.

S

 

ONAMBULISMO

425.

O sonambulismo natural tem alguma relação com os

sonhos? Como explicá-lo?

“É um estado de independência do Espírito, mais completo

do que no sonho, estado em que maior amplitude

7a prova A- livro dos espíritos.p65 286 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

287

adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de

que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo

imperfeito.

“No sonambulismo, o Espírito está na posse plena de

si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma

em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões

exteriores

. Esse estado se apresenta principalmente durante

o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar provisoriamente

o corpo, por se encontrar este gozando do repouso

indispensável à matéria. Quando se produzem os

fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com

uma coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para

cuja prática necessita de utilizar-se do corpo. Serve-se então

deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto

material no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo

como se utiliza da mão do médium nas comunicações

escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos,

inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem

imperfeitamente as impressões produzidas por objetos ou

causas externas e as comunicam ao Espírito, que, então,

também em repouso, só experimenta, do que lhe é transmitido,

sensações confusas e, amiúde, desordenadas, sem

nenhuma aparente razão de ser, mescladas que se apresentam

de vagas recordações, quer da existência atual, quer

de anteriores. Facilmente, portanto, se compreende por que

os sonâmbulos nenhuma lembrança guardam do que se

passou enquanto estiveram no estado sonambúlico e por

que os sonhos, de que se conserva memória, as mais das

vezes não têm sentido. Digo — as mais das vezes, porque

também sucede serem a conseqüência de lembrança exata

de acontecimentos de uma vida anterior e até, não raro,

uma espécie de intuição do futuro.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 287 16/09/04, 15:22

288

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

426.

O chamado sonambulismo magnético tem alguma

relação com o sonambulismo natural?

“É a mesma coisa, com a só diferença de ser

provocado.”

427.

De que natureza é o agente que se chama fluido

magnético?

“Fluido vital, eletricidade animalizada, que são modificações

do fluido universal.”

428.

Qual a causa da clarividência sonambúlica?

“Já o dissemos: É a alma que vê.”

429.

Como pode o sonâmbulo ver através dos corpos

opacos?

“Não há corpos opacos senão para os vossos grosseiros

órgãos. Já precedentemente não dissemos que a matéria

nenhum obstáculo oferece ao Espírito, que livremente a

atravessa? Freqüentemente ouvis o sonâmbulo dizer que

vê pela fronte, pelo punho, etc., porque, achando-vos inteiramente

presos à matéria, não compreendeis lhe seja possível

ver sem o auxílio dos órgãos. Ele próprio, pelo desejo

que manifestais, julga precisar dos órgãos. Se, porém, o

deixásseis livre, compreenderia que vê por todas as partes

do seu corpo, ou, melhor falando, que vê de fora do

seu corpo.”

430.

Pois que a sua clarividência é a de sua alma ou de seu

Espírito, por que é que o sonâmbulo não vê tudo e

tantas vezes se engana?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 288 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

289

“Primeiramente, aos Espíritos imperfeitos não é dado

verem tudo e tudo saberem. Não ignoras que ainda partilham

dos vossos erros e prejuízos. Depois, quando unidos

à matéria, não gozam de todas as suas faculdades de Espírito.

Deus outorgou ao homem a faculdade sonambúlica

para fim útil e sério, não para que se informe do que não

deva saber. Eis por que os sonâmbulos nem tudo

podem dizer.”

431.

Qual a origem das idéias inatas do sonâmbulo e como

pode falar com exatidão de coisas que ignora quando

desperto, de coisas que estão mesmo acima de sua

capacidade intelectual?

“É que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do

que os que lhe supões. Apenas, tais conhecimentos dormitam,

porque, por demasiado imperfeito, seu invólucro corporal

não lhe consente rememorá-lo. Que é, afinal, um sonâmbulo?

Espírito, como nós, e que se encontra encarnado

na matéria para cumprir a sua missão, despertando dessa

letargia quando cai em estado sonambúlico. Já te temos

dito, repetidamente, que vivemos muitas vezes. Esta mudança

é que, ao sonâmbulo, como a qualquer Espírito ocasiona

a perda material do que haja aprendido em precedente

existência. Entrando no estado, a que chamas

 

crise,

lembra-se do que sabe, mas sempre de modo incompleto.

Sabe, mas não poderia dizer donde lhe vem o que sabe,

nem como possui os conhecimentos que revela. Passada a

crise, toda recordação se apaga e ele volve à obscuridade.”

Mostra a experiência que os sonâmbulos também recebem

comunicações de outros Espíritos, que lhes transmitem o que

devam dizer e suprem à incapacidade que denotam. Isto se verifi-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 289 16/09/04, 15:22

290

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

ca principalmente nas prescrições médicas. O Espírito do sonâmbulo

vê o mal, outro lhe indica o remédio. Essa dupla ação é às

vezes patente e se revela, além disso, por estas expressões muito

freqüentes:

 

dizem-me que diga, ou proíbem-me que diga tal coisa.

Neste último caso, há sempre perigo em insistir-se por uma revelação

negada, porque se dá azo a que intervenham Espíritos

levianos, que falam de tudo sem escrúpulo e sem se importarem

com a verdade.

432.

Como se explica a visão a distância em certos

sonâmbulos?

“Durante o sono, a alma não se transporta? O mesmo

se dá no sonambulismo.”

433.

O desenvolvimento maior ou menor da clarividência

sonambúlica depende da organização física, ou só da

natureza do Espírito encarnado?

“De uma e outra. Há disposições físicas que permitem

ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da

matéria.”

434.

As faculdades de que goza o sonâmbulo são as que

tem o Espírito depois da morte?

“Somente até certo ponto, pois cumpre se atenda à

influência da matéria a que ainda se acha ligado.”

435.

Pode o sonâmbulo ver os outros Espíritos?

“A maioria deles os vê muito bem, dependendo do grau

e da natureza da lucidez de cada um. É muito comum, porém,

não perceberem, no primeiro momento, que estão vendo

Espíritos e os tomarem por seres corpóreos. Isso acon-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 290 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

291

tece principalmente aos que, nada conhecendo do Espiritismo,

ainda não compreendem a essência dos Espíritos. O

fato os espanta e fá-los supor que têm diante da vista seres

terrenos.”

O mesmo se dá com os que, tendo morrido, ainda se julgam

vivos. Nenhuma alteração notando ao seu derredor e parecendo-

-lhes que os Espíritos têm corpos iguais aos nossos, tomam por

corpos reais os corpos aparentes com que os mesmos Espíritos se

lhes apresentam.

436.

O sonâmbulo que vê, a distância, vê do ponto em que

se acha o seu corpo, ou do em que está sua alma?

“Por que esta pergunta, desde que sabes ser a alma

quem vê e não o corpo?”

437.

Posto que o que se dá, nos fenômenos sonambúlicos, é

que a alma se transporta, como pode o sonâmbulo experimentar

no corpo as sensações do frio e do calor

existentes no lugar onde se acha sua alma, muitas

vezes bem distante do seu invólucro?

“A alma, em tais casos, não tem deixado inteiramente

o corpo; conserva-se-lhe presa pelo laço que os liga e que

então desempenha o papel de condutor das sensações.

Quando duas pessoas se comunicam de uma cidade para

outra, por meio da eletricidade, esta constitui o laço que

lhes liga os pensamentos. Daí vem que confabulam como

se estivessem ao lado uma da outra.”

438.

O uso que um sonâmbulo faz da sua faculdade influi

no estado do seu Espírito depois da morte?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 291 16/09/04, 15:22

292

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Muito, como o bom ou mau uso que o homem faz de

todas as faculdades com que Deus o dotou.”

Ê

 

XTASE

439.

Que diferença há entre o êxtase e o sonambulismo?

“O êxtase é um sonambulismo mais apurado. A alma

do extático ainda é mais independente.”

440.

O Espírito do extático penetra realmente nos mundos

superiores?

“Vê esses mundos e compreende a felicidade dos que

os habitam, donde lhe nasce o desejo de lá permanecer.

Há, porém, mundos inacessíveis aos Espíritos que ainda

não estão bastante purificados.”

441.

Quando o extático manifesta o desejo de deixar a

Terra, fala sinceramente, não o retém o instinto de

conservação?

“Isso depende do grau de purificação do Espírito. Se

verifica que a sua futura situação será melhor do que a sua

vida presente, esforça-se por desatar os laços que o

prendem à Terra.”

442.

Se se deixasse o extático entregue a si mesmo, poderia

sua alma abandonar definitivamente o corpo?

“Perfeitamente, poderia morrer. Por isso é que preciso

se torna chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o

prende a este mundo, fazendo-lhe sobretudo compreender

que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria

7a prova A- livro dos espíritos.p65 292 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

293

feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao

planeta terreno.”

443.

Pretendendo que lhe é dado ver coisas que evidentemente

são produto de uma imaginação que as crenças

e prejuízos terrestres impressionaram, não será justo

concluir-se que nem tudo o que o extático vê é real?

“O que o extático vê é real para ele. Mas, como seu

Espírito se conserva sempre debaixo da influência das idéias

terrenas, pode acontecer que veja a seu modo, ou melhor,

que exprima o que vê numa linguagem moldada pelos preconceitos

e idéias de que se acha imbuído, ou, então, pelos

vossos preconceitos e idéias, a fim de ser mais bem compreendido.

Neste sentido, principalmente, é que lhe

sucede errar.”

444.

Que confiança se pode depositar nas revelações dos

extáticos?

“O extático está sujeito a enganar-se muito freqüentemente,

sobretudo quando pretende penetrar no que deva

continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se

deixa levar pela corrente das suas próprias idéias, ou se

torna joguete de Espíritos mistificadores,

 

que se aproveitam

da sua exaltação

para fasciná-lo.”

445.

Que deduções se podem tirar dos fenômenos do sonambulismo

e do êxtase? Não constituirão uma

espécie de iniciação na vida futura?

“A bem dizer, mediante esses fenômenos, o homem entrevê

a vida passada e a vida futura. Estude-os e achará o

7a prova A- livro dos espíritos.p65 293 16/09/04, 15:22

294

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

aclaramento de mais de um mistério, que a sua razão

inutilmente procura devassar.”

446.

Poderiam tais fenômenos adequar-se às idéias

materialistas?

“Aquele que os estudar de boa-fé e sem prevenções não

poderá ser materialista, nem ateu.”

D

 

UPLA VISTA

447.

O fenômeno a que se dá a designação de dupla vista

tem alguma relação com o sonho e o sonambulismo?

“Tudo isso é uma só coisa. O que se chama

 

dupla vista

é ainda resultado da libertação do Espírito, sem que o corpo

seja adormecido. A

 

dupla vista ou segunda vista é a

vista da alma.”

448.

É permanente a segunda vista?

“A faculdade é, o exercício não. Em os mundos menos

materiais do que o vosso, os Espíritos se desprendem mais

facilmente e se põem em comunicação apenas pelo pensamento,

sem que, todavia, fique abolida a linguagem articulada.

Por isso mesmo, em tais mundos, a dupla vista é faculdade

permanente, para a maioria de seus habitantes,

cujo estado normal se pode comparar ao dos vossos sonâmbulos

lúcidos. Essa também a razão por que esses Espíritos

se vos manifestam com maior facilidade do que os

encarnados em corpos mais grosseiros.”

449.

A segunda vista aparece espontaneamente ou por efeito

da vontade de quem a possui como faculdade?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 294 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

295

“As mais das vezes é espontânea, porém a vontade também

desempenha com grande freqüência importante papel

no seu aparecimento. Toma, para exemplo, de umas dessas

pessoas a quem se dá o nome de ledoras da

 

buena-

-dicha

, algumas das quais dispõem desta faculdade, e verás

que é com o auxílio da própria vontade que se colocam

no estado de terem a dupla vista e o que chamas visão.”

450.

A dupla vista é suscetível de desenvolver-se pelo

exercício?

“Sim, do trabalho sempre resulta o progresso e a dissipação

do véu que encobre as coisas.”

a)

— Esta faculdade tem qualquer ligação com a

organização física?

“Incontestavelmente, o organismo influi para a sua existência.

Há organismos que lhe são refratários.”

451.

Por que é que a segunda vista parece hereditária em

algumas famílias?

“Por semelhança da organização, que se transmite como

as outras qualidades físicas. Depois, a faculdade se desenvolve

por uma espécie de educação, que também se

transmite de um a outro.”

452.

É exato que certas circunstâncias desenvolvem a

segunda vista?

“A moléstia, a proximidade do perigo, uma grande comoção

podem desenvolvê-la. O corpo, às vezes, vem a

achar-se num estado especial que faculta ao Espírito ver o

que não podeis ver com os olhos carnais.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 295 16/09/04, 15:22

296

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Nas épocas de crises e de calamidades, as grandes emoções,

todas as causas, enfim, de superexcitação do moral provocam

não raro o desenvolvimento da dupla vista. Parece que a Providência,

quando um perigo nos ameaça, nos dá o meio de conjurá-lo.

Todas as seitas e partidos perseguidos oferecem múltiplos

exemplos desse fato.

453.

As pessoas dotadas de dupla vista sempre têm consciência

de que a possuem?

“Nem sempre. Consideram isso coisa perfeitamente

natural e muitos crêem que, se cada um observasse o que

se passa consigo, todos verificariam que são como eles.”

454.

Poder-se-ia atribuir a uma espécie de segunda vista a

perspicácia de algumas pessoas que, sem nada apresentarem

de extraordinário, apreciam as coisas com

mais precisão do que outras?

“É sempre a alma a irradiar mais livremente e a

apreciar melhor do que sob o véu da matéria.”

a)

— Pode esta faculdade, em alguns casos, dar a

presciência das coisas?

“Pode. Também dá os pressentimentos, pois que muitos

são os graus em que ela existe, sendo possível que num

mesmo indivíduo exista em todos os graus, ou em alguns

somente.”

R

 

ESUMO TEÓRICO DO SONAMBULISMO,

DO ÊXTASE E DA DUPLA VISTA

455

 

.

Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem

espontaneamente e independem de qualquer causa

7a prova A- livro dos espíritos.p65 296 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

297

exterior conhecida. Mas, em certas pessoas dotadas de especial

organização, podem ser provocados artificialmente,

pela ação do agente magnético.

O estado que se designa pelo nome de

 

sonambulismo

magnético

apenas difere do sonambulismo natural em que

um é provocado, enquanto o outro é espontâneo.

O sonambulismo natural constitui fato notório, que

ninguém mais se lembra de pôr em dúvida, não obstante o

aspecto maravilhoso dos fenômenos a que dá lugar. Por

que seria então mais extraordinário ou irracional o sonambulismo

magnético? Apenas por produzir-se artificialmente,

como tantas outras coisas? Os charlatães o exploram,

dizem. Razão demais para que não lhes seja deixado nas

mãos. Quando a Ciência se houver apropriado dele, muito

menos crédito terão os charlatães junto às massas populares.

Enquanto isso não se verifica, como o sonambulismo

natural ou artificial é um fato, e como contra fatos não há

raciocínio possível, vai ele ganhando terreno, apesar da

má vontade de alguns, no seio da própria Ciência, onde

penetra por uma imensidade de portinhas, em vez de

entrar pela porta larga. Quando lá estiver totalmente, terão

que lhe conceder direito de cidade.

Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um

fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a psicologia.

É aí que se pode estudar a alma, porque é onde esta se

mostra a descoberto. Ora, um dos fenômenos que a caracterizam

é o da clarividência independente dos órgãos ordinários

da vista. Fundam-se os que contestam este fato

em que o sonâmbulo nem sempre vê, e à vontade do experimentador,

como com os olhos. Será de admirar que difiram

7a prova A- livro dos espíritos.p65 297 16/09/04, 15:22

298

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

os efeitos, quando diferentes são os meios? Será racional

que se pretenda obter os mesmos efeitos, quando há e quando

não há o instrumento? A alma tem suas propriedades,

como os olhos têm as suas. Cumpre julgá-las em si

mesmas e não por analogia.

De uma causa única se originam a clarividência do

sonâmbulo magnético e a do sonâmbulo natural. É

 

um atributo

da alma

, uma faculdade inerente a todas as partes do

ser incorpóreo que existe em nós e cujos limites não são

outros senão os assinados à própria alma. O sonâmbulo vê

em todos os lugares aonde sua alma possa transportar-se,

qualquer que seja a longitude.

No caso de visão a distância, o sonâmbulo não vê as

coisas de onde está o seu corpo, como por meio de um

telescópio. Vê-as presentes, como se se achasse no lugar

onde elas existem, porque sua alma, em realidade, lá está.

Por isso é que seu corpo fica como que aniquilado e privado

de sensação, até que a alma volte a habitá-lo novamente.

Essa separação parcial da alma e do corpo constitui um

estado anormal, suscetível de duração mais ou menos longa,

porém não indefinida. Daí a fadiga que o corpo experimenta

após certo tempo, mormente quando aquela se

entrega a um trabalho ativo.

A vista da alma ou do Espírito não é circunscrita e não

tem sede determinada. Eis por que os sonâmbulos não lhe

podem marcar órgão especial. Vêem porque vêem, sem saberem

o motivo nem o modo, uma vez que, para eles, na

condição de Espíritos, a vista carece de foco próprio.

 

Se se

reportam ao corpo

, esse foco lhes parece estar nos centros

onde maior é a atividade vital, principalmente no cérebro,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 298 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

299

na região do epigastro, ou no órgão que considerem o

ponto de ligação

 

mais forte entre o Espírito e o corpo.

O poder da lucidez sonambúlica não é ilimitado. O Espírito,

mesmo quando completamente livre, tem restringidos

seus conhecimentos e faculdades, conforme ao grau de

perfeição que haja alcançado. Ainda mais restringidos os

tem quando ligado à matéria, a cuja influência está sujeito.

É o que motiva não ser universal, nem infalível, a clarividência

sonambúlica. E tanto menos se pode contar com a

sua infalibilidade, quanto mais desviada seja do fim visado

pela natureza e transformada em objeto de curiosidade

 

e

de experimentação

.

No estado de desprendimento em que fica colocado, o

Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil

com os outros Espíritos

 

encarnados, ou não encarnados,

comunicação que se estabelece pelo contacto dos fluidos,

que compõem os perispíritos e servem de transmissão ao

pensamento, como o fio elétrico. O sonâmbulo não precisa,

portanto, que se lhe exprimam os pensamentos por meio

da palavra articulada. Ele os sente e adivinha. É o que o

torna eminentemente impressionável e sujeito às influências

da atmosfera moral que o envolva. Essa também a razão

por que uma assistência muito numerosa e a presença

de curiosos mais ou menos malevolentes lhe prejudicam de

modo essencial o desenvolvimento das faculdades que, por

assim dizer, se contraem, só se desdobrando com toda a

liberdade num meio íntimo ou simpático.

 

A presença de

pessoas mal-intencionadas ou antipáticas lhe produz efeito

idêntico ao do contacto da mão na sensitiva

.

O sonâmbulo vê ao mesmo tempo o seu próprio Espírito

e o seu corpo, os quais constituem, por assim dizer, dois

7a prova A- livro dos espíritos.p65 299 16/09/04, 15:22

300

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

seres que lhe representam a dupla existência corpórea e

espiritual, existências que, entretanto, se confundem, mediante

os laços que as unem. Nem sempre o sonâmbulo se

apercebe de tal situação e essa

 

dualidade faz que muitas

vezes fale de si, como se falasse de outra pessoa. É que ora

é o ser corpóreo que fala ao ser espiritual, ora é este que

fala àquele.

Em cada uma de suas existências corporais, o Espírito

adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência.

Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por

demais grosseira,

 

porém deles se recorda como Espírito.

Assim é que certos sonâmbulos revelam conhecimentos acima

do grau da instrução que possuem e mesmo superiores

às suas aparentes capacidades intelectuais. Portanto, da

inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo, quando

desperto, nada se pode inferir com relação aos conhecimentos

que porventura revele no estado de lucidez. Conforme

as circunstâncias e o fim que se tenha em vista, ele

os pode haurir da sua própria experiência, da sua clarividência

relativa às coisas presentes, ou dos conselhos que

receba de outros Espíritos. Mas, podendo o seu próprio

Espírito ser mais ou menos adiantado, possível lhe é dizer

coisas mais ou menos certas.

Pelos fenômenos do sonambulismo, quer natural, quer

magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência

e da independência da alma e nos faz assistir ao

sublime espetáculo da sua emancipação. Abre-nos, dessa

maneira, o livro do nosso destino. Quando o sonâmbulo

descreve o que se passa a distância, é evidente que vê, mas

não com os olhos do corpo. Vê-se a si mesmo e se sente

7a prova A- livro dos espíritos.p65 300 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

301

transportado ao lugar onde vê o que descreve. Lá se acha,

pois, alguma coisa dele e, não podendo essa alguma coisa

ser o seu corpo, necessariamente é sua alma, ou Espírito.

Enquanto o homem se perde nas sutilezas de uma metafísica

abstrata e ininteligível, em busca das causas da nossa existência

moral, Deus cotidianamente nos põe sob os olhos e

ao alcance da mão os mais simples e patentes meios de

estudarmos a psicologia experimental.

O êxtase é o estado em que a independência da alma,

com relação ao corpo, se manifesta de modo mais sensível

e se torna, de certa forma, palpável.

No sonho e no sonambulismo, o Espírito anda em giro

pelos mundos terrestres. No êxtase, penetra em um mundo

desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra

em comunicação, sem que, todavia, lhe seja lícito ultrapassar

certos limites, porque, se os transpusesse, totalmente se

partiriam os laços que o prendem ao corpo. Cerca-o então

resplendente e desusado fulgor, inebriam-no harmonias

que na Terra se desconhecem, indefinível bem-estar o invade:

goza antecipadamente da beatitude celeste

 

e bem se

pode dizer que pousa um pé no limiar da eternidade.

No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase

completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida orgânica.

Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um

fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão.

Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres,

cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui

a essência mesma do nosso ser imaterial. Inteiramente

entregue a tão sublime contemplação, o extático encara a

vida apenas como paragem momentânea. Considera os bens

7a prova A- livro dos espíritos.p65 301 16/09/04, 15:22

302

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

e os males, as alegrias grosseiras e as misérias deste mundo

quais incidentes fúteis de uma viagem, cujo termo tem a

dita de avistar.

Dá-se com os extáticos o que se dá com os sonâmbulos:

mais ou menos perfeita podem ter a lucidez e o Espírito

mais ou menos apto a conhecer e compreender as coisas,

conforme seja mais ou menos elevado. Muitas vezes, porém,

há neles mais excitação do que verdadeira lucidez, ou,

melhor, muitas vezes a exaltação lhes prejudica a lucidez.

Daí o serem, freqüentemente, suas revelações um misto de

verdades e erros, de coisas grandiosas e coisas absurdas,

até ridículas. Dessa exaltação, que é sempre uma causa de

fraqueza, quando o indivíduo não sabe reprimi-la, Espíritos

inferiores costumam aproveitar-se para dominar o extático,

tomando, com tal intuito, aos seus olhos,

 

aparências que

mais o aferram às idéias que nutre no estado de vigília. Há

nisso um escolho, mas nem todos são assim. Cabe-nos tudo

julgar friamente e pesar-lhes as revelações na balança

da razão.

A emancipação da alma se verifica às vezes no estado

de vigília e produz o fenômeno conhecido pelo nome de

segunda vista

ou dupla vista, que é a faculdade graças à

qual quem a possui vê, ouve e sente

 

além dos limites dos

sentidos humanos

. Percebe o que exista até onde estende a

alma a sua ação. Vê, por assim dizer, através da vista ordinária

e como por uma espécie de miragem.

No momento em que o fenômeno da segunda vista se

produz, o estado físico do indivíduo se acha sensivelmente

modificado. O olhar apresenta alguma coisa de vago. Ele

olha sem ver. Toda a sua fisionomia reflete uma como exal-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 302 16/09/04, 15:22

DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA

 

303

tação. Nota-se que os órgãos visuais se conservam alheios

ao fenômeno, pelo fato de a visão persistir, malgrado à

oclusão dos olhos.

Aos dotados desta faculdade ela se afigura tão natural,

como a que todos temos de ver. Consideram-na um

atributo de seus próprios seres, que em nada lhes parecem

excepcionais. De ordinário, o esquecimento se segue a essa

lucidez passageira, cuja lembrança, tornando-se cada vez

mais vaga, acaba por desaparecer, como a de um sonho.

O poder da vista dupla varia, indo desde a sensação

confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes

ou ausentes. Quando rudimentar, confere a certas pessoas

o tato, a perspicácia, uma certa segurança nos atos, a que

se pode dar o qualificativo de

 

precisão de golpe de vista

moral

. Um pouco desenvolvida, desperta os pressentimentos.

Mais desenvolvida mostra os acontecimentos que

deram ou estão para dar-se.

O sonambulismo natural e artificial, o êxtase e a dupla

vista são efeitos vários, ou de modalidades diversas, de uma

mesma causa. Esses fenômenos, como os sonhos, estão na

ordem da natureza. Tal a razão por que hão existido em

todos os tempos. A História mostra que foram sempre conhecidos

e até explorados desde a mais remota antiguidade

e neles se nos depara a explicação de uma imensidade

de fatos que os preconceitos fizeram fossem tidos por

sobrenaturais.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 303 16/09/04, 15:22

C A P Í T U L O I X

Da intervenção dos

Espíritos no mundo

corporal

 

 

Faculdade, que têm os Espíritos, de penetrar os nossos

pensamentos

 

 

Influência oculta dos Espíritos em nossos pensamentos

e atos

 

 

Possessos

 

 

Convulsionários

 

 

Afeição que os Espíritos votam a certas pessoas

 

 

Anjos-de-guarda. Espíritos protetores, familiares ou

simpáticos

 

 

Pressentimentos

 

 

Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida

 

 

Ação dos Espíritos nos fenômenos da Natureza

 

 

Os Espíritos durante os combates

 

 

Pactos

 

 

Poder oculto. Talismãs. Feiticeiros

 

 

Bênçãos e maldições

7a prova A- livro dos espíritos.p65 304 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

305

F

 

ACULDADE, QUE TÊM OS ESPÍRITOS, DE PENETRAR

OS NOSSOS PENSAMENTOS

456.

Vêem os Espíritos tudo o que fazemos?

“Podem ver, pois que constantemente vos rodeiam. Cada

um, porém, só vê aquilo a que dá atenção. Não se ocupam

com o que lhes é indiferente.”

457.

Podem os Espíritos conhecer os nossos mais secretos

pensamentos?

“Muitas vezes chegam a conhecer o que desejaríeis ocultar

de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos se lhes

podem dissimular.”

a)

— Assim, mais fácil nos seria ocultar de uma pessoa

viva qualquer coisa, do que a esconder dessa mesma

pessoa depois de morta?

“Certamente. Quando vos julgais muito ocultos, é comum

terdes ao vosso lado uma multidão de Espíritos que

vos observam.”

458.

Que pensam de nós os Espíritos que nos cercam e

observam?

“Depende. Os levianos riem das pequenas partidas que

vos pregam e zombam das vossas impaciências. Os Espíritos

sérios se condoem dos vossos reveses e procuram

ajudar-vos.”

I

 

NFLUÊNCIA OCULTA DOS ESPÍRITOS EM NOSSOS

PENSAMENTOS E ATOS

459.

Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em

nossos atos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 305 16/09/04, 15:22

306

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto,

que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”

460.

De par com os pensamentos que nos são próprios, outros

haverá que nos sejam sugeridos?

“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais

que, freqüentemente, muitos pensamentos vos acodem a

um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários

uns aos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre

de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em

que vos vedes. É que tendes em vós duas idéias a

se combaterem.”

461.

Como havemos de distinguir os pensamentos que nos

são próprios dos que nos são sugeridos?

“Quando um pensamento vos é sugerido, tendes a impressão

de que alguém vos fala. Geralmente, os pensamentos

próprios são os que acodem em primeiro lugar. Afinal,

não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção.

Muitas vezes, é útil que não saibais fazê-la. Não a fazendo,

obra o homem com mais liberdade. Se se decide pelo bem,

é voluntariamente que o pratica; se toma o mau caminho,

maior será a sua responsabilidade.”

462.

É sempre de dentro de si mesmos que os homens

inteligentes e de gênio tiram suas idéias?

“Algumas vezes, elas lhes vêm do seu próprio Espírito,

porém, de outras muitas, lhes são sugeridas por Espíritos

que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de

vulgarizá-las. Quando tais homens não as acham em si

7a prova A- livro dos espíritos.p65 306 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

307

mesmos, apelam para a inspiração. Fazem assim, sem o

suspeitarem, uma verdadeira evocação.”

Se fora útil que pudéssemos distinguir claramente os nossos

pensamentos próprios dos que nos são sugeridos, Deus nos

houvera proporcionado os meios de o conseguirmos, como nos

concedeu o de diferençarmos o dia da noite. Quando uma coisa

se conserva imprecisa, é que convém assim aconteça.

463.

Diz-se comumente ser sempre bom o primeiro impulso.

É exato?

“Pode ser bom ou mau, conforme a natureza do Espírito

encarnado. É sempre bom naquele que atende às boas

inspirações.”

464.

Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede

de um bom Espírito ou de um Espírito mau?

“Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem

aconselham. Compete-vos discernir.”

465.

Com que fim os Espíritos imperfeitos nos induzem

ao mal?

“Para que sofrais como eles sofrem.”

a)

— E isso lhes diminui os sofrimentos?

“Não; mas fazem-no por inveja, por não poderem

suportar que haja seres felizes.”

b)

— De que natureza é o sofrimento que procuram

infligir aos outros?

“Os que resultam de ser de ordem inferior a criatura e

de estar afastada de Deus.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 307 16/09/04, 15:22

308

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

466.

Por que permite Deus que Espíritos nos excitem ao mal?

“Os Espíritos imperfeitos são instrumentos próprios a

pôr em prova a fé e a constância dos homens na prática do

bem. Como Espírito que és, tens que progredir na ciência

do infinito. Daí o passares pelas provas do mal, para chegares

ao bem. A nossa missão consiste em te colocarmos

no bom caminho. Desde que sobre ti atuam influências más,

é que as atrais, desejando o mal; porquanto os Espíritos

inferiores correm a te auxiliar no mal, logo que desejes

praticá-lo. Só quando queiras o mal, podem eles ajudar-te

para a prática do mal. Se fores propenso ao assassínio,

terás em torno de ti uma nuvem de Espíritos a te alimentarem

no íntimo esse pendor. Mas, outros também te cercarão,

esforçando-se por te influenciarem para o bem, o que

restabelece o equilíbrio da balança e te deixa senhor dos

teus atos.”

É assim que Deus confia à nossa consciência a escolha do

caminho que devamos seguir e a liberdade de ceder a uma ou

outra das influências contrárias que se exercem sobre nós.

467.

Pode o homem eximir-se da influência dos Espíritos

que procuram arrastá-lo ao mal?

“Pode, visto que tais Espíritos só se apegam aos que,

pelos seus desejos, os chamam, ou aos que, pelos seus

pensamentos, os atraem.”

468.

Renunciam às suas tentativas os Espíritos cuja

influência a vontade do homem repele?

“Que querias que fizessem? Quando nada conseguem,

abandonam o campo. Entretanto, ficam à espreita de um

momento propício, como o gato que tocaia o rato.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 308 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

309

469.

Por que meio podemos neutralizar a influência dos maus

Espíritos?

“Praticando o bem e pondo em Deus toda a vossa confiança,

repelireis a influência dos Espíritos inferiores e

aniquilareis o império que desejem ter sobre vós. Guardai-

-vos de atender às sugestões dos Espíritos que vos suscitam

maus pensamentos, que sopram a discórdia entre vós

outros e que vos insuflam as paixões más. Desconfiai especialmente

dos que vos exaltam o orgulho, pois que esses

vos assaltam pelo lado fraco. Essa a razão por que Jesus,

na oração dominical, vos ensinou a dizer: “Senhor! não nos

deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.”

470.

Os Espíritos, que ao mal procuram induzir-nos e que

põem assim em prova a nossa firmeza no bem, procedem

desse modo cumprindo missão? E, se assim é,

cabe-lhes alguma responsabilidade?

“A nenhum Espírito é dada a missão de praticar o mal.

Aquele que o faz fá-lo por conta própria, sujeitando-se, portanto,

às conseqüências. Pode Deus permitir-lhe que assim

proceda, para vos experimentar; nunca, porém, lhe

determina tal procedimento. Compete-vos, pois, repeli-lo.”

471

 

.

Quando experimentamos uma sensação de angústia,

de ansiedade indefinível, ou de íntima satisfação, sem

que lhe conheçamos a causa, devemos atribuí-la

unicamente a uma disposição física?

“É quase sempre efeito das comunicações em que inconscientemente

entrais com os Espíritos, ou da que com

eles tivestes durante o sono.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 309 16/09/04, 15:22

310

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

472.

Os Espíritos que procuram atrair-nos para o mal se

limitam a aproveitar as circunstâncias em que nos

achamos, ou podem também criá-las?

“Aproveitam as circunstâncias ocorrentes, mas também

costumam criá-las, impelindo-vos, mau grado vosso,

para aquilo que cobiçais. Assim, por exemplo, encontra um

homem, no seu caminho, certa quantia. Não penses tenham

sido os Espíritos que a trouxeram para ali. Mas, eles podem

inspirar ao homem a idéia de tomar aquela direção e

sugerir-lhe depois a de se apoderar da importância achada,

enquanto outros lhe sugerem a de restituir o dinheiro ao

seu legítimo dono. O mesmo se dá com relação a todas as

demais tentações.”

P

 

OSSESSOS

473.

Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro

corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num

corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha

encarnado neste corpo?

“O Espírito não entra em um corpo como entras numa

casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos

e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de

obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre

quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha

revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está

encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao

seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.”

474.

Desde que não há possessão propriamente dita, isto é,

coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a

7a prova A- livro dos espíritos.p65 310 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

311

alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo

a se achar

subjugada ou obsidiada ao ponto de a sua

vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada?

“Sem dúvida e são esses os verdadeiros possessos. Mas,

é preciso saibas que essa dominação não se efetua nunca

sem que aquele que a sofre o consinta,

 

quer por sua fraqueza,

quer por desejá-la. Muitos epilépticos ou loucos, que

mais necessitavam de médico que de exorcismos, têm sido

tomados por possessos.”

O vocábulo

 

possesso, na sua acepção vulgar, supõe a existência

de demônios, isto é, de uma categoria de seres maus por

natureza, e a coabitação de um desses seres com a alma de um

indivíduo, no seu corpo. Pois que,

 

nesse sentido, não há demônios

e que dois Espíritos não podem habitar simultaneamente o

mesmo corpo, não há possessos na conformidade da idéia a que

esta palavra se acha associada. O termo

 

possesso só se deve

admitir como exprimindo a dependência absoluta em que uma

alma pode achar-se com relação a Espíritos imperfeitos que a

subjuguem.

475.

Pode alguém por si mesmo afastar os maus Espíritos e

libertar-se da dominação deles?

“Sempre é possível, a quem quer que seja, subtrair-se

a um jugo, desde que com vontade firme o queira.”

476.

Mas, não pode acontecer que a fascinação exercida pelo

mau Espírito seja de tal ordem que o subjugado não a

perceba? Sendo assim, poderá uma terceira pessoa

fazer que cesse a sujeição da outra? E, nesse caso,

qual deve ser a condição dessa terceira pessoa?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 311 16/09/04, 15:22

312

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Sendo ela um homem de bem, a sua vontade poderá

ter eficácia, desde que apele para o concurso dos bons Espíritos,

porque, quanto

 

mais digna for a pessoa, tanto maior

poder terá sobre os Espíritos imperfeitos, para afastá-los, e

sobre os bons, para os atrair. Todavia, nada poderá, se o

que estiver

 

subjugado não lhe prestar o seu concurso. Há

pessoas a quem agrada uma dependência que lhes lisonjeia

os gostos e os desejos. Qualquer, porém, que seja o

caso, aquele que não tiver puro o coração nenhuma influência

exercerá. Os bons Espíritos não lhe atendem ao

chamado e os maus não o temem.”

477.

As fórmulas de exorcismo têm qualquer eficácia sobre

os maus Espíritos?

“Não. Estes últimos riem e se obstinam, quando vêem

alguém tomar isso a sério.”

478.

Pessoas há, animadas de boas intenções e que, nada

obstante, não deixam de ser obsidiadas. Qual, então,

o melhor meio de nos livrarmos dos Espíritos

obsessores?

“Cansar-lhes a paciência, nenhum valor lhes dar às

sugestões, mostrar-lhes que perdem o tempo. Em vendo

que nada conseguem, afastam-se.”

479.

A prece é meio eficiente para a cura da obsessão?

“A prece é em tudo um poderoso auxílio. Mas, crede

que não basta que alguém murmure algumas palavras, para

que obtenha o que deseja. Deus assiste os que obram, não

os que se limitam a pedir. É, pois, indispensável que o

7a prova A- livro dos espíritos.p65 312 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

313

obsidiado faça, por sua parte, o que se torne necessário

para destruir em si mesmo a causa da atração dos maus

Espíritos.”

480.

Que se deve pensar da expulsão dos demônios,

mencionada no Evangelho?

“Depende da interpretação que se lhe dê. Se chamais

demônio

ao mau Espírito que subjugue um indivíduo, desde

que se lhe destrua a influência, ele terá sido verdadeiramente

expulso. Se ao demônio atribuirdes a causa de uma

enfermidade, quando a houverdes curado direis com acerto

que expulsastes o demônio. Uma coisa pode ser verdadeira

ou falsa, conforme o sentido que empresteis às palavras.

As maiores verdades estão sujeitas a parecer absurdos, uma

vez que se atenda apenas à forma, ou que se considere

como realidade a alegoria. Compreendei bem isto e não o

esqueçais nunca, pois que se presta a uma aplicação geral.”

C

 

ONVULSIONÁRIOS

481.

Desempenham os Espíritos algum papel nos fenômenos

que se dão com os indivíduos chamados

convulsionários?

“Sim e muito importante, bem como o magnetismo,

que é a causa originária de tais fenômenos. O charlatanismo,

porém, os tem amiúde explorado e exagerado, de sorte a

lançá-los ao ridículo.”

a)

— De que natureza são, em geral, os Espíritos que

concorrem para a produção desta espécie de fenômenos?

“Pouco elevada. Supondes que Espíritos superiores se

deleitem com tais coisas?”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 313 16/09/04, 15:22

314

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

482.

Como é que sucede estender-se subitamente a toda

uma população o estado anormal dos convulsionários

e dos que sofrem de crises nervosas?

“Efeito de simpatia. As disposições morais se comunicam

mui facilmente, em certos casos. Não és tão alheio aos

efeitos magnéticos que não compreendas isto e a parte que

alguns Espíritos naturalmente tomam no fato, por

simpatia com os que os provocam.”

Entre as singulares faculdades que se notam nos convulsionários,

algumas facilmente se reconhecem, de que numerosos

exemplos oferecem o sonambulismo e o magnetismo, tais como,

além de outras, a insensibilidade física, a leitura do pensamento,

a transmissão das dores, por simpatia, etc. Não há, pois, duvidar

de que aqueles em quem tais crises se manifestam estejam numa

espécie de sonambulismo desperto, provocado pela influência que

exercem uns sobre os outros. Eles são ao mesmo tempo

magnetizadores e magnetizados, inconscientemente.

483.

Qual a causa da insensibilidade física que se observa

em alguns convulsionários, assim como em outros

indivíduos submetidos às mais atrozes torturas?

“Em alguns é, exclusivamente, efeito do magnetismo,

que atua sobre o sistema nervoso, do mesmo modo que

certas substâncias. Em outros, a exaltação do pensamento

embota a sensibilidade. Dir-se-ia que nestes a vida se retirou

do corpo, para se concentrar toda no Espírito. Não sabeis

que, quando o Espírito está vivamente preocupado com uma

coisa, o corpo nada sente, nada vê e nada ouve?”

A exaltação fanática e o entusiasmo hão proporcionado, em

casos de suplícios, múltiplos exemplos de uma calma e de um

sangue frio que não seriam capazes de triunfar de uma dor agu-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 314 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

315

da, senão admitindo-se que a sensibilidade se acha neutralizada,

como por efeito de um anestésico. Sabe-se que, no ardor da batalha,

combatentes há que não se apercebem de que estão gravemente

feridos, ao passo que, em circunstâncias ordinárias, uma

simples arranhadura os poria trêmulos.

Visto que esses fenômenos dependem de uma causa física e

da ação de certos Espíritos, lícito se torna perguntar como há

podido uma autoridade pública fazê-los cessar em alguns casos.

Simples a razão. Meramente secundária é aqui a ação dos Espíritos,

que nada mais fazem do que aproveitar-se de uma disposição

natural. A autoridade não suprimiu essa disposição, mas a

causa que a entretinha e exaltava. De ativa que era, passou esta

a ser latente. E a autoridade teve razão para assim proceder, porque

do fato resultava abuso e escândalo. Sabe-se, demais, que

semelhante intervenção nenhum poder absolutamente tem,

quando a ação dos Espíritos é direta e espontânea.

A

 

FEIÇÃO QUE OS ESPÍRITOS VOTAM A CERTAS

PESSOAS

484.

Os Espíritos se afeiçoam de preferência a certas

pessoas?

“Os bons Espíritos simpatizam com os homens de bem,

ou suscetíveis de se melhorarem. Os Espíritos inferiores

com os homens viciosos, ou que podem tornar-se tais. Daí

suas afeições, como conseqüência da conformidade dos

sentimentos.”

485.

É exclusivamente moral a afeição que os Espíritos

votam a certas pessoas?

“A verdadeira afeição nada tem de carnal; mas, quando

um Espírito se apega a uma pessoa, nem sempre o faz

7a prova A- livro dos espíritos.p65 315 16/09/04, 15:22

316

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

só por afeição. À estima que essa pessoa lhe inspira pode

agregar-se uma reminiscência das paixões humanas.”

486.

Interessam-se os Espíritos pelas nossas desgraças e

pela nossa prosperidade? Afligem-se os que nos querem

bem com os males que padecemos durante a vida?

“Os bons Espíritos fazem todo o bem que lhes é possível

e se sentem ditosos com as vossas alegrias. Afligem-se

com os vossos males, quando os não suportais com resignação,

porque nenhum benefício então tirais deles, assemelhando-

vos, em tais casos, ao doente que rejeita a

beberagem amarga que o há de curar.”

487.

Dentre os nossos males, de que natureza são os de

que mais se afligem os Espíritos por nossa causa?

Serão os males físicos ou os morais?

“O vosso egoísmo e a dureza dos vossos corações. Daí

decorre tudo o mais. Riem-se de todos esses males imaginários

que nascem do orgulho e da ambição. Rejubilam

com os que redundam na abreviação do tempo das vossas

provas.”

Sabendo ser transitória a vida corporal e que as tribulações

que lhe são inerentes constituem meios de alcançarmos melhor

estado, os Espíritos mais se afligem pelos nossos males devidos a

causas de ordem moral, do que pelos nossos sofrimentos físicos,

todos passageiros.

Pouco se incomodam com as desgraças que apenas atingem

as nossas idéias mundanas, tal qual fazemos com as mágoas

pueris das crianças.

Vendo nas amarguras da vida um meio de nos adiantarmos,

os Espíritos as consideram como a crise ocasional de que resultará

a salvação do doente. Compadecem-se dos nossos sofrimentos,

como nos compadecemos dos de um amigo. Porém, enxer-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 316 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

317

gando as coisas de um ponto de vista mais justo, os apreciam de

um modo diverso do nosso. Então, ao passo que os bons nos

levantam o ânimo no interesse do nosso futuro, os outros nos

impelem ao desespero, objetivando comprometer-nos.

488.

Os parentes e amigos, que nos precederam na outra

vida, maior simpatia nos votam do que os Espíritos que

nos são estranhos?

“Sem dúvida e quase sempre vos protegem como

Espíritos, de acordo com o poder de que dispõem.”

a)

— São sensíveis à afeição que lhes conservamos?

“Muito sensíveis, mas esquecem-se dos que os olvidam.”

A

 

NJOS-DE-GUARDA. ESPÍRITOS PROTETORES,

FAMILIARES OU SIMPÁTICOS

489.

Há Espíritos que se liguem particularmente a um

indivíduo para protegê-lo?

“Há

 

o irmão espiritual, o que chamais o bom Espírito

ou

 

o bom gênio.”

490.

Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo

guardião?

“O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”

491.

Qual a missão do Espírito protetor?

“A de um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu

protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos,

consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas

provas da vida.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 317 16/09/04, 15:22

318

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

492.

O Espírito protetor se dedica ao indivíduo desde o seu

nascimento?

“Desde o nascimento até a morte e muitas vezes o acompanha

na vida espírita, depois da morte, e mesmo através

de muitas existências corpóreas, que mais não são do que

fases curtíssimas da vida do Espírito.”

493.

É voluntária ou obrigatória a missão do Espírito protetor?

“O Espírito fica obrigado a vos assistir, uma vez que

aceitou esse encargo. Cabe-lhe, porém, o direito de escolher

seres que lhe sejam simpáticos. Para alguns, é um

prazer; para outros, missão ou dever.”

a)

— Dedicando-se a uma pessoa, renuncia o Espírito a

proteger outros indivíduos?

“Não; mas protege-os menos exclusivamente.”

494.

O Espírito protetor fica fatalmente preso à criatura confiada

à sua guarda?

“Freqüentemente sucede que alguns Espíritos deixam

suas posições de protetores para desempenhar diversas

missões. Mas, nesse caso, outros os substituem.”

495.

Poderá dar-se que o Espírito protetor abandone o seu

protegido, por se lhe mostrar este rebelde aos conselhos?

“Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis

e que mais forte é, no seu protegido, a decisão de submeter-

se à influência dos Espíritos inferiores. Mas, não o abandona

completamente e sempre se faz ouvir. É então o homem

quem tapa os ouvidos. O protetor volta desde que este

o chame.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 318 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

319

“É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo

seu encanto e doçura, devera converter os mais incrédulos.

Não vos parece grandemente consoladora a idéia de terdes

sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos

sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão

da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados

amigos do que todos os que mais intimamente se vos

liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de

Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por

amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão.

Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos

cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão,

nem na solidão, estais separados desses amigos a quem

não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente,

ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos.

“Ah! se conhecêsseis bem esta verdade! Quanto vos

ajudaria nos momentos de crise! Quanto vos livraria dos

maus Espíritos! Mas, oh! quantas vezes, no dia solene, não

se verá esse anjo constrangido a vos observar: ‘Não te aconselhei

isto? Entretanto, não o fizeste. Não te mostrei o abismo?

Contudo, nele te precipitaste! Não fiz ecoar na tua consciência

a voz da verdade? Preferiste, no entanto, seguir os

conselhos da mentira!’ Oh! interrogai os vossos anjos

guardiães; estabelecei entre eles e vós essa terna intimidade

que reina entre os melhores amigos. Não penseis em

lhes ocultar nada, pois que eles têm o olhar de Deus e não

podeis enganá-los. Pensai no futuro; procurai adiantar-vos

na vida presente. Assim fazendo, encurtareis vossas provas

e mais felizes tornareis as vossas existências. Vamos,

homens, coragem! De uma vez por todas, lançai para longe

todos os preconceitos e idéias preconcebidas. Entrai na nova

7a prova A- livro dos espíritos.p65 319 16/09/04, 15:22

320

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

senda que diante dos passos se vos abre. Caminhai!

Tendes guias, segui-os, que a meta não vos pode faltar,

porquanto essa meta é o próprio Deus.

“Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente

elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e

de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos

as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes

de vós. O espaço, para nós, nada é, e, não obstante

viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas

ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não

podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos

impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos

deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo

de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai

pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre,

quando ele lhe despreza os conselhos.

“Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao

contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis

assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações

de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam

médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas

que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano

sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância.

Homens doutos, instruí os vossos semelhantes;

homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais

que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos

impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber,

senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para

fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à

bem-aventurança, à felicidade eterna?”

S

 

ÃO LUÍS, SANTO AGOSTINHO.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 320 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

321

Nada tem de surpreendente a doutrina dos anjos guardiães,

a velarem pelos seus protegidos, malgrado à distância que medeia

entre os mundos. É, ao contrário, grandiosa e sublime. Não

vemos na Terra o pai velar pelo filho, ainda que de muito longe, e

auxiliá-lo com seus conselhos correspondendo-se com ele? Que

motivo de espanto haverá, então, em que os Espíritos possam, de

um outro mundo, guiar os que, habitantes da Terra, eles tomaram

sob sua proteção, uma vez que, para eles, a distância que vai

de um mundo a outro é menor do que a que, neste planeta, separa

os continentes? Não dispõem, além disso, do fluido universal,

que entrelaça todos os mundos, tornando-os solidários; veículo

imenso da transmissão dos pensamentos, como o ar é, para nós,

o da transmissão do som?

496.

O Espírito, que abandona o seu protegido, que deixa

de lhe fazer bem, pode fazer-lhe mal?

“Os bons Espíritos nunca fazem mal. Deixam que o

façam aqueles que lhes tomam o lugar. Costumais então

lançar à conta da sorte as desgraças que vos acabrunham,

quando só as sofreis por culpa vossa.”

497.

Pode um Espírito protetor deixar o seu protegido à mercê

de outro Espírito que lhe queira fazer mal?

“Os maus Espíritos se unem para neutralizar a ação

dos bons. Mas, se o quiser, o protegido dará toda a força ao

seu protetor. Pode acontecer que o bom Espírito encontre

alhures uma boa vontade a ser auxiliada. Aplica-se então

em auxiliá-la, aguardando que seu protegido lhe volte.”

498.

Será por não poder lutar contra Espíritos malévolos que

um Espírito protetor deixa que seu protegido se

transvie na vida?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 321 16/09/04, 15:22

322

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Não é porque não possa, mas porque não quer. E não

quer, porque das provas sai o seu protegido mais instruído

e perfeito. Assiste-o sempre com seus conselhos, dando-os

por meio dos bons pensamentos que lhe inspira, porém que

quase nunca são atendidos. A fraqueza, o descuido ou o

orgulho do homem são exclusivamente o que empresta força

aos maus Espíritos, cujo poder todo advém do fato de

lhes não opordes resistência.”

499.

O Espírito protetor está constantemente com o seu protegido?

Não haverá alguma circunstância em que, sem

abandoná-lo, ele o perca de vista?

“Há circunstâncias em que não é necessário esteja o

Espírito protetor junto do seu protegido.”

500.

Momentos haverá em que o Espírito deixe de precisar,

de então por diante, do seu protetor?

“Sim, quando ele atinge o ponto de poder guiar-se a si

mesmo, como sucede ao estudante, para o qual um momento

chega em que não mais precisa de mestre. Isso,

porém, não se dá na Terra.”

501.

Por que é oculta a ação dos Espíritos sobre a nossa

existência e por que, quando nos protegem, não o

fazem de modo ostensivo?

“Se vos fosse dado contar sempre com a ação deles,

não obraríeis por vós mesmos e o vosso Espírito não progrediria.

Para que este possa adiantar-se, precisa de experiência,

adquirindo-a freqüentemente à sua custa. É necessário

que exercite suas forças, sem o que, seria como a

7a prova A- livro dos espíritos.p65 322 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

323

criança a quem não consentem que ande sozinha. A ação

dos Espíritos que vos querem bem é sempre regulada de

maneira que não vos tolha o livre-arbítrio, porquanto, se

não tivésseis responsabilidade, não avançaríeis na senda

que vos há de conduzir a Deus. Não vendo quem o ampara,

o homem se confia às suas próprias forças. Sobre ele, entretanto,

vela o seu guia e, de tempos a tempos, lhe brada,

advertindo-o do perigo.”

502.

O Espírito protetor, que consegue trazer ao bom

caminho o seu protegido, lucra algum bem para si?

“Constitui isso um mérito que lhe é levado em conta,

seja para seu progresso, seja para sua felicidade. Sente-se

ditoso quando vê bem-sucedidos os seus esforços, o que

representa, para ele, um triunfo, como triunfo é, para um

preceptor, os bons êxitos do seu educando.”

a)

— É responsável pelo mau resultado de seus

esforços?

“Não, pois que fez o que de si dependia.”

503.

Sofre o Espírito protetor quando vê que seu protegido

segue mau caminho, não obstante os avisos que dele

recebe? Não há aí uma causa de turbação da sua

felicidade?

“Compungem-no os erros do seu protegido, a quem lastima.

Tal aflição, porém, não tem analogia com as angústias

da paternidade terrena, porque ele sabe que há remédio para

o mal e que o que não se faz hoje, amanhã se fará.”

504.

Poderemos sempre saber o nome do Espírito nosso

protetor, ou anjo-de-guarda?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 323 16/09/04, 15:22

324

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Como quereis saber nomes para vós inexistentes?

Supondes que Espíritos só há os que conheceis?”

a)

— Como então o podemos invocar, se o não

conhecemos?

“Dai-lhe o nome que quiserdes, o de Espírito superior

que vos inspire simpatia ou veneração. O vosso protetor

acudirá ao apelo que com esse nome lhe dirigirdes, visto

que todos os bons Espíritos são irmãos e se assistem

mutuamente.”

505.

Os protetores, que dão nomes conhecidos, sempre são,

realmente, os Espíritos das personalidades que tiveram

esses nomes?

“Não. Muitas vezes, os que os dão são Espíritos simpáticos

aos que de tais nomes usaram na Terra e, a mando

destes, respondem ao vosso chamamento. Fazeis questão

de nomes; eles tomam um que vos inspire confiança. Quando

não podeis desempenhar pessoalmente determinada missão,

não costumais mandar que outro, por quem respondeis

como por vós mesmos, obre em vosso nome?”

506.

Na vida espírita, reconheceremos o Espírito nosso

protetor?

“Decerto, pois não é raro que o tenhais conhecido

antes de encarnardes.”

507.

Pertencem todos os Espíritos protetores à classe dos

Espíritos elevados? Podem contar-se entre os de classe

média? Um pai, por exemplo, pode tornar-se o Espírito

protetor de seu filho?

“Pode, mas a proteção pressupõe certo grau de elevação

e um poder ou uma virtude a mais, concedidos por

7a prova A- livro dos espíritos.p65 324 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

325

Deus. O pai, que protege seu filho, também pode ser assistido

por um Espírito mais elevado.”

508.

Os Espíritos que se achavam em boas condições ao

deixarem a Terra, sempre podem proteger os que lhes

são caros e que lhes sobrevivem?

“Mais ou menos restrito é o poder de que desfrutam. A

situação em que se encontram nem sempre lhes permite

inteira liberdade de ação.”

509.

Quando em estado de selvageria ou de inferioridade

moral, têm os homens, igualmente, seus Espíritos protetores?

E, assim sendo, esses Espíritos são de ordem

tão elevada quanto a dos Espíritos protetores de

homens muito adiantados?

“Todo homem tem um Espírito que por ele vela, mas

as missões são relativas ao fim que visam. Não dais a uma

criança, que está aprendendo a ler, um professor de filosofia.

O progresso do Espírito familiar guarda relação com o

do Espírito protegido. Tendo um Espírito que vela por vós,

podeis tornar-vos, a vosso turno, o protetor de outro que

vos seja inferior e os progressos que este realize, com o auxílio

que lhe dispensardes, contribuirão para o vosso adiantamento.

Deus não exige do Espírito mais do que comportem a

sua natureza e o grau de elevação a que já chegou.”

510.

Quando o pai, que vela pelo filho, reencarna, continua

a velar por ele?

“Isso é mais difícil. Contudo, de certo modo o faz, pedindo,

num instante de desprendimento, a um Espírito

7a prova A- livro dos espíritos.p65 325 16/09/04, 15:22

326

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

simpático que o assista nessa missão. Demais, os Espíritos

só aceitam missões que possam desempenhar até ao fim.

“Encarnado, mormente em mundo onde a existência é

material, o Espírito se acha muito sujeito ao corpo para

poder dedicar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para

poder assisti-lo pessoalmente. Tanto assim que os que ainda

se não elevaram bastante são também assistidos por outros,

que lhes estão acima, de tal sorte que, se por qualquer

circunstância um vem a faltar, outro lhe supre a falta.”

511.

A cada indivíduo achar-se-á ligado, além do Espírito

protetor, um mau Espírito, com o fim de impeli-lo ao

erro e de lhe proporcionar ocasiões de lutar entre o bem

e o mal?

“Ligado, não é o termo. É certo que os maus Espíritos

procuram desviar do bom caminho o homem, quando se

lhes depara ocasião. Sempre, porém, que um deles se liga a

um indivíduo, fá-lo por si mesmo, porque conta ser atendido.

Há então luta entre o bom e o mau, vencendo aquele

por quem o homem se deixe influenciar.”

512.

Podemos ter muitos Espíritos protetores?

“Todo homem conta sempre Espíritos, mais ou menos

elevados, que com ele simpatizam, que lhe dedicam afeto e

por ele se interessam, como também tem junto de si outros

que o assistem no mal.”

513.

Os Espíritos que conosco simpatizam atuam em cumprimento

de missão?

“Não raro, desempenham missão temporária; porém,

as mais das vezes, são apenas atraídos pela identidade de

7a prova A- livro dos espíritos.p65 326 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

327

pensamentos e sentimentos, assim para o bem como para

o mal.”

a)

— Parece lícito inferir-se daí que os Espíritos a quem

somos simpáticos podem ser bons ou maus, não?

“Sim, qualquer que seja o seu caráter, o homem sempre

encontra Espíritos que com ele simpatizem.”

514.

Os Espíritos familiares são os mesmos a quem chamamos

Espíritos simpáticos ou Espíritos protetores?

“Há gradações na proteção e na simpatia. Dai-lhes os

nomes que quiserdes. O Espírito familiar é antes o amigo

da casa.”

Das explicações acima e das observações feitas sobre a natureza

dos Espíritos que se afeiçoam ao homem, pode-se deduzir

o seguinte:

O Espírito protetor, anjo de guarda, ou bom gênio é o que

tem por missão acompanhar o homem na vida e ajudá-lo a progredir.

É sempre de natureza superior, com relação ao protegido.

Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por laços

mais ou menos duráveis, com o fim de lhes serem úteis, dentro

dos limites do poder, quase sempre muito restrito, de que dispõem.

São bons, porém muitas vezes pouco adiantados e mesmo

um tanto levianos. Ocupam-se de boa mente com as particularidades

da vida íntima e só atuam por ordem ou com permissão

dos Espíritos protetores.

Os Espíritos simpáticos são os que se sentem atraídos para

o nosso lado por afeições particulares e ainda por uma certa semelhança

de gostos e de sentimentos, tanto para o bem como

para o mal. De ordinário, a duração de suas relações se acha

subordinada às circunstâncias.

O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso, que se

liga ao homem para desviá-lo do bem. Obra, porém, por impulso

7a prova A- livro dos espíritos.p65 327 16/09/04, 15:22

328

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

próprio e não no desempenho de missão. A tenacidade da sua

ação está em relação direta com a maior ou menor facilidade de

acesso que encontre por parte do homem, que goza sempre da

liberdade de escutar-lhe a voz ou de lhe cerrar os ouvidos.

515.

Que se há de pensar dessas pessoas que se ligam a

certos indivíduos para levá-los à perdição, ou para guiá-

-los pelo bom caminho?

“Efetivamente, certas pessoas exercem sobre outras

uma espécie de fascinação que parece irresistível. Quando

isso se dá no sentido do mal, são maus Espíritos, de que

outros Espíritos também maus se servem para subjugá-las.

Deus permite que tal coisa ocorra para vos experimentar.”

516.

Poderiam os nossos bom e mau gênios encarnar, a fim

de mais de perto nos acompanharem na vida?

“Isso às vezes se dá. Porém, o que mais freqüentemente

se verifica é encarregarem dessa missão outros Espíritos

encarnados que lhes são simpáticos.”

517.

Haverá Espíritos que se liguem a uma família inteira

para protegê-la?

“Alguns Espíritos se ligam aos membros de uma determinada

família, que vivem juntos e unidos pela afeição;

mas, não acrediteis em Espíritos protetores do orgulho das

raças.”

518.

Assim como são atraídos, pela simpatia, para certos

indivíduos, são-no igualmente os Espíritos, por motivos

particulares, para as reuniões de indivíduos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 328 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

329

“Os Espíritos preferem estar no meio dos que se lhes

assemelham. Acham-se aí mais à vontade e mais certos de

serem ouvidos. É pelas suas tendências que o homem atrai

os Espíritos e isso quer esteja só, quer faça parte de um

todo coletivo, como uma sociedade, uma cidade, ou um povo.

Portanto, as sociedades, as cidades e os povos são, de acordo

com as paixões e o caráter neles predominantes, assistidos

por Espíritos mais ou menos elevados. Os Espíritos imperfeitos

se afastam dos que os repelem. Segue-se que o aperfeiçoamento

moral das

 

coletividades, como o dos indivíduos,

tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons, que

estimulam e alimentam nelas o sentimento do bem, como

outros lhes podem insuflar as paixões grosseiras.”

519.

As aglomerações de indivíduos, como as sociedades,

as cidades, as nações, têm Espíritos protetores

especiais?

“Têm, pela razão de que esses agregados são individualidades

coletivas que, caminhando para um objetivo

comum, precisam de uma direção superior.”

520.

Os Espíritos protetores das coletividades são de natureza

mais elevada do que os que se ligam aos

indivíduos?

“Tudo é relativo ao grau de adiantamento, quer se trate

de coletividades, quer de indivíduos.”

521.

Podem certos Espíritos auxiliar o progresso das artes,

protegendo os que às artes se dedicam?

“Há Espíritos protetores especiais e que assistem os

que os invocam, quando dignos dessa assistência. Que que-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 329 16/09/04, 15:22

330

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

res, porém, que façam com os que julgam ser o que não

são? Não lhes cabe fazer que os cegos vejam, nem que os

surdos ouçam.”

Os antigos fizeram, desses Espíritos, divindades especiais.

As Musas não eram senão a personificação alegórica dos Espíritos

protetores das ciências e das artes, como os deuses Lares e

Penates simbolizavam os Espíritos protetores da família. Também

modernamente, as artes, as diferentes indústrias, as cidades,

os países têm seus patronos, que mais não são do que Espíritos

superiores, sob várias designações.

Tendo todo homem Espíritos que com ele simpatizam, claro

é que, nos corpos coletivos, a generalidade dos Espíritos que lhes

votam simpatia está em proporção com a generalidade dos indivíduos;

que os Espíritos estranhos são atraídos para essas coletividades

pela identidade dos gostos e das idéias; em suma, que esses

agregados de pessoas, tanto quanto os indivíduos, são mais

ou menos bem assistidos e influenciados, de acordo com a natureza

dos sentimentos dominantes entre os elementos que os

compõem.

Nos povos, determinam a atração dos Espíritos os costumes,

os hábitos, o caráter dominante e as leis, as leis sobretudo,

porque o caráter de uma nação se reflete nas suas leis. Fazendo

reinar em seu seio a justiça, os homens combatem a influência

dos maus Espíritos. Onde quer que as leis consagrem coisas injustas,

contrárias à Humanidade, os bons Espíritos ficam em

minoria e a multidão, que aflui, dos maus mantém a nação aferrada

às suas idéias e paralisa as boas influências parciais, que

ficam perdidas no conjunto, como insuladas espigas entre espinheiros.

Estudando-se os costumes dos povos ou de qualquer

reunião de homens, facilmente se forma idéia da população oculta

que se lhes imiscui no modo de pensar e nos atos.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 330 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

331

P

 

RESSENTIMENTOS

522.

O pressentimento é sempre um aviso do Espírito protetor?

“É o conselho íntimo e oculto de um Espírito que vos

quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja

feito. É a voz do instinto. Antes de encarnar, tem o Espírito

conhecimento das fases principais de sua existência, isto

é, do gênero das provas a que se submete. Tendo estas

caráter assinalado, ele conserva, no seu foro íntimo, uma

espécie de impressão de tais provas e esta impressão, que é

a voz do instinto, fazendo-se ouvir quando lhe chega o momento

de sofrê-las, se torna pressentimento.”

523.

Acontecendo que os pressentimentos e a voz do instinto

são sempre algum tanto vagos, que devemos fazer,

na incerteza em que ficamos?

“Quando te achares na incerteza, invoca o teu bom

Espírito, ou

 

ora a Deus, soberano senhor de todos, e ele te

enviará um de seus mensageiros, um de nós

.”

524.

Os avisos dos Espíritos protetores objetivam unicamente

o nosso procedimento moral, ou também o proceder

que devamos adotar nos assuntos da vida particular?

“Tudo. Eles se esforçam para que vivais o melhor possível.

Mas, quase sempre tapais os ouvidos aos avisos salutares

e vos tornais desgraçados por culpa vossa.”

Os Espíritos protetores nos ajudam com seus conselhos,

mediante a voz da consciência que fazem ressoar em nosso íntimo.

Como, porém, nem sempre ligamos a isso a devida importância,

outros conselhos mais diretos eles nos dão, servindo-se das

pessoas que nos cercam. Examine cada um as diversas circuns-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 331 16/09/04, 15:22

332

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

tâncias felizes ou infelizes de sua vida e verá que em muitas ocasiões

recebeu conselhos de que se não aproveitou e que lhe teriam

poupado muitos desgostos, se os houvera escutado.

I

 

NFLUÊNCIA DOS ESPÍRITOS NOS

ACONTECIMENTOS DA VIDA

525.

Exercem os Espíritos alguma influência nos acontecimentos

da vida?

“Certamente, pois que vos aconselham.”

a)

— Exercem essa influência por outra forma que não

apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, têm ação

direta sobre o cumprimento das coisas?

“Sim, mas nunca atuam fora das leis da Natureza.”

Imaginamos erradamente que aos Espíritos só caiba manifestar

sua ação por fenômenos extraordinários. Quiséramos que

nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre

armados de uma varinha mágica. Por não ser assim é que oculta

nos parece a intervenção que têm nas coisas deste mundo e muito

natural o que se executa com o concurso deles.

Assim é que, provocando, por exemplo, o encontro de duas

pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém

a idéia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a

atenção para certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista,

eles obram de tal maneira que o homem, crente de que obedece a

um impulso próprio, conserva sempre o seu livre-arbítrio.

526.

Tendo, como têm, ação sobre a matéria, podem os Espíritos

provocar certos efeitos, com o objetivo de que se

dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que

morrer; sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre

7a prova A- livro dos espíritos.p65 332 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

333

da queda. Foram os Espíritos que quebraram a escada,

para que o destino daquele homem se cumprisse?

“É exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria,

mas para cumprimento das leis da Natureza, não para as

derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um sucesso

inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo

que figuraste, a escada se quebrou porque se achava podre,

ou por não ser bastante forte para suportar o peso de

um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal

maneira, os Espíritos lhe inspirariam a idéia de subir a

escada em questão, que teria de quebrar-se com o seu peso,

resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e sem que

para isso fosse mister a produção de um milagre.”

527.

Tomemos outro exemplo, em que não entre a matéria

em seu estado natural. Um homem tem que morrer fulminado

pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore.

Estala o raio e o mata. Poderá dar-se tenham sido os

Espíritos que provocaram a produção do raio e que o

dirigiram para o homem?

“Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio caiu sobre

aquela árvore em tal momento, porque estava nas leis da

Natureza que assim acontecesse. Não foi encaminhado para

a árvore, por se achar debaixo dela o homem. A este, sim, foi

inspirada a idéia de se abrigar debaixo de uma árvore sobre

a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser

atingida, só por não lhe estar debaixo da fronde o homem.”

528.

No caso de uma pessoa mal-intencionada disparar sobre

outra um projetil que apenas lhe passe perto sem a

7a prova A- livro dos espíritos.p65 333 16/09/04, 15:22

334

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso

haja desviado o projetil?

“Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse

modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a idéia de se desviar,

ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a

fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma,

o projetil segue a linha que tem de percorrer.”

529.

Que se deve pensar das balas encantadas, de que falam

algumas lendas e que fatalmente atingem o alvo?

“Pura imaginação. O homem gosta do maravilhoso e

não se contenta com as maravilhas da Natureza.”

a)

— Podem os Espíritos que dirigem os acontecimentos

terrenos ter obstada sua ação por Espíritos que queiram o

contrário?

“O que Deus quer se executa. Se houver demora na

execução, ou lhe surjam obstáculos, é porque ele assim o

quis.”

530

 

.

Não podem os Espíritos levianos e zombeteiros criar

pequenos embaraços à realização dos nossos projetos

e transtornar as nossas previsões? Serão eles, numa

palavra, os causadores do que chamamos pequenas

misérias da vida humana?

“Eles se comprazem em vos causar aborrecimentos que

representam para vós provas destinadas a exercitar a vossa

paciência. Cansam-se, porém, quando vêem que nada

conseguem. Entretanto, não seria justo, nem acertado,

imputar-lhes todas as decepções que experimentais e de

que sois os principais culpados pela vossa irreflexão. Fica

7a prova A- livro dos espíritos.p65 334 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

335

certo de que, se a tua louça se quebra, é mais por desazo

teu do que por culpa dos Espíritos.”

a)

— Destes, os que provocam contrariedades obram

impelidos por animosidade pessoal, ou assim procedem contra

qualquer, sem motivo determinado, por pura malícia?

Por uma e outra coisa. Às vezes os que assim vos molestam

são inimigos que granjeastes nesta ou em precedente

existência. Doutras vezes, nenhum motivo há.

 

531.

Extingue-se-lhes com a vida corpórea a malevolência

dos seres que nos fizeram mal na Terra?

“Muitas vezes reconhecem a injustiça com que procederam

e o mal que causaram. Mas, também, não é raro que

continuem a perseguir-vos, cheios de animosidade, se Deus

o permitir, por ainda vos experimentar.”

a)

— Pode-se pôr termo a isso? Por que meio?

“Podeis. Orando por eles e lhes retribuindo o mal com

o bem, acabarão compreendendo a injustiça do proceder

deles. Demais, se souberdes colocar-vos acima de suas maquinações,

deixar-vos-ão, por verificarem que nada lucram.”

A experiência demonstra que alguns Espíritos continuam

em outra existência a exercer as vinganças que vinham tomando

e que assim, cedo ou tarde, o homem paga o mal que tenha feito

a outrem.

532.

Têm os Espíritos o poder de afastar de certas pessoas

os males e de favorecê-las com a prosperidade?

“De todo, não; porquanto, há males que estão nos decretos

da Providência. Amenizam-vos, porém, as dores, dando-

vos paciência e resignação.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 335 16/09/04, 15:22

336

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Ficai igualmente sabendo que de vós depende muitas

vezes poupar-vos aos males, ou, quando menos, atenuá-los.

A inteligência, Deus vo-la outorgou para que dela vos sirvais

e é principalmente por meio da vossa inteligência que os

Espíritos vos auxiliam, sugerindo-vos idéias propícias ao

vosso bem. Mas, não assistem senão os que sabem assistir-

se a si mesmos. Esse o sentido destas palavras: Buscai

e achareis, batei e se vos abrirá.

“Sabei ainda que nem sempre é um mal o que vos parece

sê-lo. Freqüentemente, do que considerais um mal sairá

um bem muito maior. Quase nunca compreendeis isso,

porque só atentais no momento presente ou na vossa

própria pessoa.”

533.

Podem os Espíritos fazer que obtenham riquezas os

que lhes pedem que assim aconteça?

“Algumas vezes, como prova. Quase sempre, porém,

recusam, como se recusa à criança a satisfação de um

pedido inconsiderado.”

a)

— São os bons ou os maus Espíritos que concedem

esses favores?

“Uns e outros. Depende da intenção. As mais das vezes,

entretanto, os que os concedem são os Espíritos que

vos querem arrastar para o mal e que encontram meio fácil

de o conseguirem, facilitando-vos os gozos que a riqueza

proporciona.”

534.

Será por influência de algum Espírito que, fatalmente,

a realização dos nossos projetos parece encontrar

obstáculos?

“Algumas vezes é isso efeito da ação dos Espíritos; muito

mais vezes, porém, é que andais errados na elaboração e

7a prova A- livro dos espíritos.p65 336 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

337

na execução dos vossos projetos. Muito influem nesses casos

a posição e o caráter do indivíduo. Se vos obstinais em

ir por um caminho que não deveis seguir, os Espíritos nenhuma

culpa têm dos vossos insucessos. Vós mesmos vos

constituís em vossos maus gênios.”

535.

Quando algo de venturoso nos sucede é ao Espírito

nosso protetor que devemos agradecê-lo?

“Agradecei primeiramente a Deus, sem cuja permissão

nada se faz; depois, aos bons Espíritos que foram os

agentes da sua vontade.”

a)

— Que sucederia se nos esquecêssemos de

agradecer?

“O que sucede aos ingratos.”

b)

— No entanto, pessoas há que não pedem nem agradecem

e às quais tudo sai bem!

“Assim é, de fato, mas importa ver o fim. Pagarão bem

caro essa felicidade de que não são merecedoras, pois quanto

mais houverem recebido, tanto maiores contas terão que

prestar.”

A

 

ÇÃO DOS ESPÍRITOS NOS FENÔMENOS DA

N

 

ATUREZA

536.

São devidos a causas fortuitas, ou, ao contrário, têm

todos um fim providencial, os grandes fenômenos da

Natureza, os que se consideram como perturbação dos

elementos?

“Tudo tem uma razão de ser e nada acontece sem a

permissão de Deus.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 337 16/09/04, 15:22

338

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Objetivam sempre o homem esses fenômenos?

“Às vezes têm, como imediata razão de ser, o homem.

Na maioria dos casos, entretanto, têm por único motivo o

restabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças

físicas da Natureza.”

b)

— Concebemos perfeitamente que a vontade de Deus

seja a causa primária, nisto como em tudo; porém, sabendo

que os Espíritos exercem ação sobre a matéria e que são os

agentes da vontade de Deus, perguntamos se alguns dentre

eles não exercerão certa influência sobre os elementos para

os agitar, acalmar ou dirigir?

“Mas, evidentemente. Nem poderia ser de outro modo.

Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra

agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.”

537.

A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em

idéias espíritas, com a única diferença de que consideravam

os Espíritos como divindades. Representavam

esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais.

Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros

do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação,

etc. Semelhante crença é totalmente destituída de

fundamento?

“Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está

muito aquém da verdade.

 

a)

— Poderá então haver Espíritos que habitem o interior

da Terra e presidam aos fenômenos geológicos?

“Tais Espíritos não habitam positivamente a Terra.

Presidem aos fenômenos e os dirigem de acordo com as

atribuições que têm. Dia virá em que recebereis a explicação

de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 338 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

339

538.

Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos

que presidem aos fenômenos da Natureza?

Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados

como nós?

“Que foram ou que o serão.”

a)

— Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou

às inferiores da hierarquia espírita?

“Isso é conforme seja mais ou menos material, mais

ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam,

outros executam. Os que executam coisas materiais

são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como

entre os homens.

 

539.

A produção de certos fenômenos, das tempestades, por

exemplo, é obra de um só Espírito, ou muitos se reúnem,

formando grandes massas, para produzi-los?

“Reúnem-se em massas inumeráveis.”

540.

Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da Natureza

operam com conhecimento de causa, usando do

livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou irrefletido

impulso?

“Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma comparação.

Considera essas miríades de animais que, pouco a

pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas

que não há aí um fim providencial e que essa transformação

da superfície do globo não seja necessária à harmonia

geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam

essas obras, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem

de que são instrumentos de Deus. Pois bem, do

7a prova A- livro dos espíritos.p65 339 16/09/04, 15:22

340

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade

ao conjunto. Enquanto

 

se ensaiam para a vida, antes

que tenham plena consciência de seus atos e estejam no

gozo pleno do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos,

de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente,

executam. Mais tarde, quando suas inteligências

já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão

e dirigirão as coisas do mundo material. Depois,

poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve,

que tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo

até o arcanjo, que também começou por ser átomo.

Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito

ainda não pode apreender em seu conjunto!”

O

 

S ESPÍRITOS DURANTE OS COMBATES

541.

Durante uma batalha, há Espíritos assistindo e

amparando cada um dos exércitos?

“Sim, e que lhes estimulam a coragem.”

Os antigos figuravam os deuses tomando o partido deste ou

daquele povo. Esses deuses eram simplesmente Espíritos

representados por alegorias.

542.

Estando, numa guerra, a justiça sempre de um dos lados,

como pode haver Espíritos que tomem o partido

dos que se batem por uma causa injusta?

“Bem sabeis haver Espíritos que só se comprazem na

discórdia e na destruição. Para esses, a guerra é a guerra.

A justiça da causa pouco os preocupa.”

543.

Podem alguns Espíritos influenciar o general na

concepção de seus planos de campanha?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 340 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

341

“Sem dúvida alguma. Podem influenciá-lo nesse sentido,

como com relação a todas as concepções.”

544.

Poderiam maus Espíritos suscitar-lhe planos errôneos

com o fim de levá-lo à derrota?

“Podem; mas, não tem ele o livre-arbítrio? Se não tiver

critério bastante para distinguir uma idéia falsa, sofrerá as

conseqüências e melhor faria se obedecesse, em vez de

comandar.”

545.

Pode, alguma vez, o general ser guiado por uma espécie

de dupla vista, por uma visão intuitiva, que lhe

mostre de antemão o resultado de seus planos?

“Isso se dá amiúde com o homem de gênio. É o que ele

chama inspiração e o que faz que obre com uma espécie de

certeza. Essa inspiração lhe vem dos Espíritos que o dirigem,

os quais se aproveitam das faculdades de que o vêem

dotado.”

546.

No tumulto dos combates, que se passa com os Espíritos

dos que sucumbem? Continuam, após a morte, a

interessar-se pela batalha?

“Alguns continuam a interessar-se, outros se afastam.”

Dá-se, nos combates, o que ocorre em todos os casos de

morte violenta: no primeiro momento, o Espírito fica surpreendido

e como que atordoado. Julga não estar morto. Parece-lhe

que ainda toma parte na ação. Só pouco a pouco a realidade lhe

surge.

547.

Após a morte, os Espíritos, que como vivos se guerreavam,

continuam a considerar-se inimigos e se conservam

encarniçados uns contra os outros?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 341 16/09/04, 15:22

342

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Nessas ocasiões, o Espírito nunca está calmo. Pode

acontecer que nos primeiros instantes depois da morte ainda

odeie o seu inimigo e mesmo o persiga. Quando, porém,

se lhe restabelece a serenidade nas idéias, vê que nenhum

fundamento há mais para sua animosidade. Contudo, não

é impossível que dela guarde vestígios mais ou menos

fortes, conforme o seu caráter.”

a)

— Continua a ouvir o rumor da batalha?

“Perfeitamente.”

548.

O Espírito que, como espectador, assiste calmamente

a um combate observa o ato de separar-se a alma do

corpo? Como é que esse fenômeno se lhe apresenta à

observação?

“Raras são as mortes verdadeiramente instantâneas.

Na maioria dos casos, o Espírito, cujo corpo acaba de ser

mortalmente ferido, não tem consciência imediata desse

fato. Somente quando ele começa a reconhecer a nova condição

em que se acha, é que os assistentes podem distingui-

lo, a mover-se ao lado do cadáver. Parece isso tão natural,

que nenhum efeito desagradável lhe causa a vista do

corpo morto. Tendo-se a vida toda concentrado no Espírito,

só ele prende a atenção dos outros. É com ele que estes

conversam, ou a ele é que fazem determinações.”

P

 

ACTOS

549.

Algo de verdade haverá nos pactos com os maus

Espíritos?

“Não, não há pactos. Há, porém, naturezas más que

simpatizam com os maus Espíritos. Por exemplo: queres

7a prova A- livro dos espíritos.p65 342 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

343

atormentar o teu vizinho e não sabes como hás de fazer.

Chamas então por Espíritos inferiores que, como tu, só

querem o mal e que, para te ajudarem, exigem que também

os sirvas em seus maus desígnios. Mas, não se segue que o

teu vizinho não possa livrar-se deles por meio de uma conjuração

oposta e pela ação da sua vontade. Aquele que intenta

praticar uma ação má, pelo simples fato de alimentar

essa intenção, chama em seu auxílio maus Espíritos, aos

quais fica então obrigado a servir, porque dele também precisam

esses Espíritos, para o mal que queiram fazer. Nisto

apenas é que consiste o pacto.”

O fato de o homem ficar, às vezes, na dependência dos Espíritos

inferiores nasce de se entregar aos maus pensamentos que

estes lhe sugerem e não de estipulações quaisquer que com eles

faça. O pacto, no sentido vulgar do termo, é uma alegoria representativa

da simpatia existente entre um indivíduo de natureza

má e Espíritos malfazejos.

550.

Qual o sentido das lendas fantásticas em que figuram

indivíduos que teriam vendido suas almas a Satanás

para obterem certos favores?

“Todas as fábulas encerram um ensinamento e um sentido

moral. O vosso erro consiste em tomá-las ao pé da

letra. Isso a que te referes é uma alegoria, que se pode explicar

desta maneira: aquele que chama em seu auxílio os

Espíritos, para deles obter riquezas, ou qualquer outro favor,

rebela-se contra a Providência; renuncia à missão que

recebeu e às provas que lhe cumpre suportar neste mundo.

Sofrerá na vida futura as conseqüências desse ato. Não quer

isto dizer que sua alma fique para sempre condenada à

desgraça. Mas, desde que, em lugar de se desprender da

7a prova A- livro dos espíritos.p65 343 16/09/04, 15:22

344

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

matéria, nela cada vez se enterra mais, não terá, no mundo

dos Espíritos, a satisfação de que haja gozado na Terra, até

que tenha resgatado a sua falta, por meio de novas provas,

talvez maiores e mais penosas. Coloca-se, por amor dos

gozos materiais, na dependência dos Espíritos impuros.

Estabelece-se assim, tacitamente, entre estes e o delinqüente,

um pacto que o leva à sua perda, mas que lhe será sempre

fácil romper, se o quiser firmemente, granjeando a

assistência dos bons Espíritos.”

P

 

ODER OCULTO. TALISMÃS. FEITICEIROS

551.

Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito

que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

“Não; Deus não o permitiria.”

552.

Que se deve pensar da crença no poder, que certas

pessoas teriam, de enfeitiçar?

“Algumas pessoas dispõem de grande força magnética,

de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios

Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados

por outros Espíritos maus. Não creias, porém,

num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação

de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis

da Natureza. Os fatos que citam, como prova da existência

desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo

mal compreendidos.”

553.

Que efeito podem produzir as fórmulas e práticas mediante

as quais pessoas há que pretendem dispor do

concurso dos Espíritos?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 344 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

345

“O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé.

No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas

as fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra

sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem

talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto

estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas

coisas materiais.”

a)

— Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado,

eles próprios, fórmulas cabalísticas?

“Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras

estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio

dos quais se fazem os chamados conjuros. Mas, ficai certos

de que são Espíritos que de vós outros escarnecem e

zombam da vossa credulidade.”

554.

Não pode aquele que, com ou sem razão, confia no que

chama a virtude de um talismã, atrair um Espírito, por

efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que

atua é o pensamento, não passando o talismã de um

sinal que apenas lhe auxilia a concentração?

“É verdade; mas, da pureza da intenção e da elevação

dos sentimentos depende a natureza do Espírito que é

atraído. Ora, muito raramente aquele que seja bastante simplório

para acreditar na virtude de um talismã deixará de

colimar um fim mais material do que moral. Qualquer, porém,

que seja o caso, essa crença denuncia uma inferioridade

e uma fraqueza de idéias que favorecem a ação dos

Espíritos imperfeitos e escarninhos.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 345 16/09/04, 15:22

346

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

555.

Que sentido se deve dar ao qualificativo de feiticeiro?

“Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas que,

quando de boa-fé, gozam de certas faculdades, como sejam

a força magnética ou a dupla vista. Então, como fazem coisas

geralmente incompreensíveis, são tidas por dotadas de

um poder sobrenatural. Os vossos sábios não têm passado

muitas vezes por feiticeiros aos olhos dos ignorantes?”

O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade

de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu um sem-

-número de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados

pela imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências

que, a bem dizer, formam uma única, mostrando a realidade das

coisas e suas verdadeiras causas, constitui o melhor preservativo

contra as idéias supersticiosas, porque revela o que é possível e o

que é impossível, o que está nas leis da Natureza e o que não

passa de ridícula crendice.

556.

Têm algumas pessoas, verdadeiramente, o poder de

curar pelo simples contacto?

“A força magnética pode chegar até aí, quando secundada

pela pureza dos sentimentos e por um ardente desejo

de fazer o bem, porque então os bons Espíritos lhe vêm em

auxílio. Cumpre, porém, desconfiar da maneira pela qual

contam as coisas pessoas muito crédulas e muito entusiastas,

sempre dispostas a considerar maravilhoso o que

há de mais simples e mais natural. Importa desconfiar também

das narrativas interesseiras, que costumam fazer os

que exploram, em seu proveito, a credulidade alheia.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 346 16/09/04, 15:22

DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL

 

347

B

 

ÊNÇÃOS E MALDIÇÕES

557.

Podem a bênção e a maldição atrair o bem e o mal

para aquele sobre quem são lançadas?

“Deus não escuta a maldição injusta e culpado perante

ele se torna o que a profere. Como temos os dois gênios

opostos, o bem e o mal, pode a maldição exercer momentaneamente

influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência,

porém, só se verifica por vontade de Deus como aumento

de prova para aquele que é dela objeto. Demais, o

que é comum é serem amaldiçoados os maus e abençoados

os bons. Jamais a bênção e a maldição podem desviar da

senda da justiça a Providência, que nunca fere o maldito,

senão quando mau, e cuja proteção não acoberta senão

aquele que a merece.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 347 16/09/04, 15:22

C A P Í T U L O X

Das ocupações e missões

dos Espíritos

558.

Alguma outra coisa incumbe aos Espíritos fazer, que

não seja melhorarem-se pessoalmente?

“Concorrem para a harmonia do Universo, executando

as vontades de Deus, cujos ministros eles são. A vida espírita

é uma ocupação contínua, mas que nada tem de penosa,

como a vida na Terra, porque não há a fadiga corporal,

nem as angústias das necessidades.”

559.

Também desempenham função útil no Universo os

Espíritos inferiores e imperfeitos?

“Todos têm deveres a cumprir. Para a construção de

um edifício, não concorre tanto o último dos serventes

de pedreiro, como o arquiteto?”

 

(540)

560.

Tem atribuições especiais cada Espírito?

“Todos temos que habitar em toda parte e adquirir o

conhecimento de todas as coisas, presidindo sucessivamente

7a prova A- livro dos espíritos.p65 348 16/09/04, 15:22

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

 

349

ao que se efetua em todos os pontos do Universo. Mas,

como diz o Eclesiastes, há tempo para tudo. Assim, tal Espírito

cumpre hoje neste mundo o seu destino, tal outro

cumprirá ou já cumpriu o seu, em época diversa, na terra,

na água, no ar, etc.”

561.

São permanentes para cada um e estão nas atribuições

exclusivas de certas classes as funções que os

Espíritos desempenham na ordem das coisas?

“Todos têm que percorrer os diferentes graus da escala,

para se aperfeiçoarem. Deus, que é justo, não poderia

ter dado a uns a ciência sem trabalho, destinando outros a

só a adquirirem com esforço.”

É o que sucede entre os homens, onde ninguém chega ao

supremo grau de perfeição numa arte qualquer, sem que tenha

adquirido os conhecimentos necessários, praticando os

rudimentos dessa arte.

562.

Já não tendo o que adquirir, os Espíritos da ordem mais

elevada se acham em repouso absoluto, ou também

lhes tocam ocupações?

“Que quererias que fizessem na eternidade? A

ociosidade eterna seria um eterno suplício.”

a)

— De que natureza são as suas ocupações?

“Receber diretamente as ordens de Deus, transmiti-las

ao Universo inteiro e velar por que sejam cumpridas.”

563.

São incessantes as ocupações dos Espíritos?

“Incessantes, sim, atendendo-se a que sempre ativos

são os seus pensamentos, porquanto vivem pelo pensamen-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 349 16/09/04, 15:22

350

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

to. Importa, porém, não identifiqueis as ocupações dos Espíritos

com as ocupações materiais dos homens. Essa mesma

atividade lhes constitui um gozo, pela consciência que

têm de ser úteis.”

a)

— Concebe-se isto com relação aos bons Espíritos.

Dar-se-á, entretanto, o mesmo com os Espíritos inferiores?

“A estes cabem ocupações apropriadas à sua natureza.

Confiais, porventura, ao obreiro manual e ao ignorante

trabalhos que só o homem instruído pode executar?”

564.

Haverá Espíritos que se conservem ociosos, que em

coisa alguma útil se ocupem?

“Há, mas esse estado é temporário e dependendo do

desenvolvimento de suas inteligências. Há, certamente,

como há homens que só para si mesmos vivem. Pesa-lhes,

porém, essa ociosidade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir

lhes faz necessária a atividade e felizes se sentirão

por poderem tornar-se úteis. Referimo-nos aos Espíritos

que hão chegado ao ponto de terem consciência de si mesmos

e do seu livre-arbítrio; porquanto, em sua origem, todos

são quais crianças que acabam de nascer e que obram

mais por instinto que por vontade expressa.”

565.

Atentam os Espíritos em nossos trabalhos de arte e

por eles se interessam?

“Atentam no que prove a elevação dos Espíritos e seus

progressos.”

566.

Um Espírito, que haja cultivado na Terra uma especialidade

artística, que tenha sido, por exemplo, pintor, ou

7a prova A- livro dos espíritos.p65 350 16/09/04, 15:22

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

 

351

arquiteto, se interessa de preferência pelos trabalhos que

constituíram objeto de sua predileção durante a vida?

“Tudo se confunde num objetivo geral. Se for um Espírito

bom, esses trabalhos o interessarão na medida do ensejo

que lhe proporcionem de auxiliar as almas a se elevarem

para Deus. Demais, esqueceis que um Espírito que

cultivou certa arte, na existência em que o conhecestes,

pode ter cultivado outra em anterior existência, pois que

lhe cumpre saber tudo para ser perfeito. Assim, conforme o

grau do seu adiantamento, pode suceder que nada seja para

ele uma especialidade. Foi o que eu quis significar, dizendo

que tudo se confunde num objetivo geral. Notai ainda o

seguinte: o que, no vosso mundo atrasado, considerais sublime,

não passa de infantilidade, comparado ao que há em

mundos mais adiantados. Como pretenderíeis que os Espíritos

que habitam esses mundos, onde existem artes que

desconheceis, admirem o que, aos seus olhos, corresponde

a trabalhos de colegiais? Por isso disse eu: atentam no que

demonstre progresso.”

a)

— Concebemos que seja assim, em se tratando de

Espíritos muito adiantados. Referimo-nos, porém, a Espíritos

mais vulgares, que ainda se não elevaram acima das

idéias terrenas.

“Com relação a esses, o caso é diferente. Mais restrito

é o ponto de vista donde observam as coisas. Podem,

portanto, admirar o que vos cause admiração.”

567.

Costumam os Espíritos imiscuir-se em nossos

prazeres e ocupações?

“Os Espíritos vulgares, como dizes, costumam. Esses

vos rodeiam constantemente e com freqüência tomam par-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 351 16/09/04, 15:22

352

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

te muito ativa no que fazeis, de conformidade com suas

naturezas. Cumpre assim aconteça, porque, para serem os

homens impelidos pelas diversas veredas da vida, necessário

é que se lhes excitem ou moderem as paixões.”

Com as coisas deste mundo os Espíritos se ocupam

conformemente ao grau de elevação ou de inferioridade em que

se achem. Os Espíritos superiores dispõem, sem dúvida, da faculdade

de examiná-las nas suas mínimas particularidades, mas

só o fazem na medida em que isso seja útil ao progresso. Unicamente

os Espíritos inferiores ligam a essas coisas uma importância

relativa às reminiscências que ainda conservam e às idéias

materiais que ainda se não extinguiram neles.

568.

Os Espíritos, que têm missões a cumprir, as cumprem

na erraticidade, ou encarnados?

“Podem tê-las num e noutro estado. Para certos Espíritos

errantes, é uma grande ocupação.”

569.

Em que consistem as missões de que podem ser encarregados

os Espíritos errantes?

“São tão variadas que impossível fora descrevê-las.

Muitas há mesmo que não podeis compreender. Os Espíritos

executam as vontades de Deus e não vos é dado

penetrar-lhe todos os desígnios.”

As missões dos Espíritos têm sempre por objeto o bem. Quer

como Espíritos, quer como homens, são incumbidos de auxiliar o

progresso da Humanidade, dos povos ou dos indivíduos, dentro

de um círculo de idéias mais ou menos amplas, mais ou menos

especiais e de velar pela execução de determinadas coisas.

Alguns desempenham missões mais restritas e, de certo modo,

pessoais ou inteiramente locais, como sejam assistir os enfer-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 352 16/09/04, 15:22

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

 

353

mos, os agonizantes, os aflitos, velar por aqueles de quem se constituíram

guias e protetores, dirigi-los, dando-lhes conselhos ou

inspirando-lhes bons pensamentos. Pode dizer-se que há tantos

gêneros de missões quantas as espécies de interesses a resguardar,

assim no mundo físico, como no moral. O Espírito se adianta

conforme à maneira por que desempenha a sua tarefa.

570.

Os Espíritos percebem sempre os desígnios que lhes

compete executar?

“Não. Muitos há que são instrumentos cegos. Outros,

porém, sabem muito bem com que fim atuam.”

571.

Só os Espíritos elevados desempenham missões?

“A importância das missões corresponde às capacidades

e à elevação do Espírito. O estafeta que leva um telegrama

ao seu destinatário também desempenha uma perfeita

missão, se bem que diversa da de um general.”

572.

A missão de um Espírito lhe é imposta, ou depende da

sua vontade?

“Ele a pede e ditoso se considera se a obtém.”

a)

— Pode uma igual missão ser pedida por muitos

Espíritos?

“Sim, é freqüente apresentarem-se muitos candidatos,

mas nem todos são aceitos.”

573.

Em que consiste a missão dos Espíritos encarnados?

“Em instruir os homens, em lhes auxiliar o progresso;

em lhes melhorar as instituições, por meios diretos e materiais.

As missões, porém, são mais ou menos gerais e im-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 353 16/09/04, 15:22

354

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

portantes. O que cultiva a terra desempenha tão nobre missão,

como o que governa, ou o que instrui. Tudo em a Natureza

se encadeia. Ao mesmo tempo que o Espírito se depura

pela encarnação, concorre, dessa forma, para a

execução dos desígnios da Providência. Cada um tem neste

mundo a sua missão, porque todos podem ter alguma

utilidade.”

574.

Qual pode ser, na Terra, a missão das criaturas

voluntariamente inúteis?

“Há efetivamente pessoas que só para si mesmas vivem

e que não sabem tornar-se úteis ao que quer que seja.

São pobres seres dignos de compaixão, porquanto expiarão

duramente sua voluntária inutilidade, começando-lhes muitas

vezes, já neste mundo, o castigo, pelo aborrecimento e

pelo desgosto que a vida lhes causa.”

a)

— Pois que lhes era facultada a escolha, por que preferiram

uma existência que nenhum proveito lhes traria?

“Entre os Espíritos também há preguiçosos que

recuam diante de uma vida de labor. Deus consente que assim

procedam. Mais tarde compreenderão, à própria

custa, os inconvenientes da inutilidade a que se votaram e

serão os primeiros a pedir que se lhes conceda recuperar o

tempo perdido. Pode também acontecer que tenham escolhido

uma vida útil e que hajam recuado diante da execução da

obra, deixando-se levar pelas sugestões dos Espíritos que

os induzem a permanecer na ociosidade.”

575.

As ocupações comuns mais nos parecem deveres do

que missões propriamente ditas. A missão, de acordo

7a prova A- livro dos espíritos.p65 354 16/09/04, 15:22

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

 

355

com a idéia a que esta palavra está associada, tem um

caráter menos exclusivo, de importância sobretudo

menos pessoal. Deste ponto de vista, como se pode

reconhecer que um homem tem realmente na Terra uma

determinada missão?

“Pelas grandes coisas que opera, pelos progressos a

cuja realização conduz seus semelhantes.”

576.

Foram predestinados a isso, antes de nascerem, os

homens que trazem uma importante missão e dela têm

conhecimento?

“Algumas vezes, assim é. Quase sempre, porém, o ignoram.

Baixando à Terra, colimam um vago objetivo. Depois

do nascimento e de acordo com as circunstâncias é

que suas missões se lhes desenham às vistas. Deus os impele

para a senda onde devam executar-lhe os desígnios.”

577.

Quando um homem faz alguma coisa útil fá-la sempre

em virtude da missão em que foi anteriormente investido

e a que vem predestinado, ou pode suceder que

haja recebido missão não prevista?

“Nem tudo o que o homem faz resulta de missão a que

tenha sido predestinado. Amiudadas vezes é o instrumento

de que se serve um Espírito para fazer que se execute uma

coisa que julga útil. Por exemplo, entende um Espírito ser

útil que se escreva um livro, que ele próprio escreveria se

estivesse encarnado. Procura então o escritor mais apto a

lhe compreender e executar o pensamento. Transmite-lhe

a idéia do livro e o dirige na execução. Ora, esse escritor

não veio à Terra com a missão de publicar tal obra. O

mesmo ocorre com diversos trabalhos artísticos e muitas

7a prova A- livro dos espíritos.p65 355 16/09/04, 15:22

356

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

descobertas. Devemos acrescentar que, durante o sono corporal,

o Espírito encarnado se comunica diretamente com o

Espírito errante, entendendo-se os dois acerca da execução.”

578.

Poderá o Espírito, por própria culpa, falir na sua missão?

“Sim, se não for um Espírito superior.”

a)

— Que conseqüências lhe advirão da sua falência?

“Terá que retomar a tarefa; essa a sua punição. Também

sofrerá as conseqüências do mal que haja causado.”

579.

Pois se é de Deus que o Espírito recebe a sua missão,

como se há de compreender que Deus confie missão

importante e de interesse geral a um Espírito capaz

de falir?

“Não sabe Deus se o seu general obterá a vitória ou se

será vencido? Sabe-o, crede, e seus planos,

 

quando importantes,

não se apóiam nos que hajam de abandonar em meio

a obra. Toda a questão, para vós, está no conhecimento que

Deus tem do futuro, mas que não vos é concedido.”

580.

O Espírito, que encarna para desempenhar determinada

missão, tem apreensões idênticas às de outro

que o faz por provação?

“Não, porque traz a experiência adquirida.”

581.

Certamente desempenham missão os homens que servem

de faróis ao gênero humano, que o iluminam com

a luz do gênio. Entre eles, porém, alguns há que se

enganam, que, de par com grandes verdades, propagam

grandes erros. Como se deve considerar a missão

desses homens?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 356 16/09/04, 15:22

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

 

357

“Como falseadas por eles próprios. Estão abaixo da

tarefa que tomaram sobre os ombros. Contudo, mister se

faz levar em conta as circunstâncias. Os homens de gênio

têm que falar de acordo com as épocas em que vivem e,

assim, um ensinamento que pareceu errôneo ou pueril,

numa época adiantada, pode ter sido o que convinha no

século em que foi divulgado.”

582.

Pode-se considerar como missão a paternidade?

“É, sem contestação possível, uma verdadeira missão.

É ao mesmo tempo grandíssimo dever e que envolve, mais

do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto

ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim

de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a

tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que

o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto,

que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim

e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de

formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por

culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda

e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura,

por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que

ele avançasse na estrada do bem.”

583.

São responsáveis os pais pelo transviamento de um

filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos

cuidados que lhe dispensaram?

“Não; porém, quanto piores forem as propensões do

filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito

dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 357 16/09/04, 15:22

358

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Se um filho se torna homem de bem, não obstante

a negligência ou os maus exemplos de seus pais, tiram estes

daí algum proveito?

“Deus é justo.”

584.

De que natureza será a missão do conquistador que

apenas visa satisfazer à sua ambição e que, para alcançar

esse objetivo, não vacila ante nenhuma das

calamidades que vai espalhando?

“As mais das vezes não passa de um instrumento de

que se serve Deus para cumprimento de seus desígnios,

representando essas calamidades um meio de que ele se

utiliza para fazer que um povo progrida mais rapidamente.”

a)

— Nenhuma parte tendo na produção do bem que

dessas calamidades passageiras possa resultar, pois que

visava um fim todo pessoal, aquele que delas se constitui

instrumento tirará, não obstante, proveito desse bem?

“Cada um é recompensado de acordo com as suas

obras, com o bem que

 

intentou fazer e com a retidão de

suas intenções.”

Os Espíritos encarnados têm ocupações inerentes às suas

existências corpóreas. No estado de erraticidade, ou de desmaterialização,

tais ocupações são adequadas ao grau de adiantamento

deles.

Uns percorrem os mundos, se instruem e preparam para

nova encarnação.

Outros, mais adiantados, se ocupam com o progresso, dirigindo

os acontecimentos e sugerindo idéias que lhe sejam propícias.

Assistem os homens de gênio que concorrem para o

adiantamento da Humanidade.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 358 16/09/04, 15:22

DAS OCUPAÇÕES E MISSÕES DOS ESPÍRITOS

 

359

Outros encarnam com determinada missão de progresso.

Outros tomam sob sua tutela os indivíduos, as famílias, as

reuniões, as cidades e os povos, dos quais se constituem os anjos

guardiães, os gênios protetores e os Espíritos familiares.

Outros, finalmente, presidem aos fenômenos da Natureza,

de que se fazem os agentes diretos.

Os Espíritos vulgares se imiscuem em nossas ocupações e

diversões.

Os impuros ou imperfeitos aguardam, em sofrimentos e angústias,

o momento em que praza a Deus proporcionar-lhes meios

de se adiantarem. Se praticam o mal, é pelo despeito de ainda

não poderem gozar do bem.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 359 16/09/04, 15:22

C A P Í T U L O X I

Dos três reinos

 

 

Os minerais e as plantas

 

 

Os animais e o homem

 

 

Metempsicose

O

 

S MINERAIS E AS PLANTAS

585.

Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou

melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a

dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana

forma uma quarta classe. Qual destas divisões é

preferível?

“Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto

de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos.

Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.”

Esses quatro graus apresentam, com efeito, caracteres determinados,

muito embora pareçam confundir-se nos seus limites

extremos. A matéria inerte, que constitui o reino mineral, só

tem em si uma força mecânica. As plantas, ainda que compostas

de matéria inerte, são dotadas de vitalidade. Os animais, também

compostos de matéria inerte e igualmente dotados de vitalidade,

possuem, além disso, uma espécie de inteligência instintiva,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 360 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

361

limitada, e a consciência de sua existência e de suas individualidades.

O homem, tendo tudo o que há nas plantas e nos animais,

domina todas as outras classes por uma inteligência especial,

indefinida, que lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção

das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus.

586.

Têm as plantas consciência de que existem?

“Não, pois que não pensam; só têm vida orgânica.”

587.

Experimentam sensações? Sofrem quando as mutilam?

“Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria,

mas não têm percepções. Conseguintemente, não têm

a sensação da dor.”

588.

Independe da vontade delas a força que as atrai umas

para as outras?

“Certo, porquanto não pensam. É uma força mecânica

da matéria, que atua sobre a matéria, sem que elas possam

a isso opor-se.”

589.

Algumas plantas, como a sensitiva e a dionéia, por

exemplo, executam movimentos que denotam grande

sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de vontade,

conforme se observa na segunda, cujos lóbulos

apanham a mosca que sobre ela pousa para sugá-la,

parecendo que urde uma armadilha com o fim de capturar

e matar aquele inseto. São dotadas essas plantas

da faculdade de pensar? Têm vontade e formam

uma classe intermediária entre a Natureza vegetal e a

Natureza animal? Constituem a transição de uma

para outra?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 361 16/09/04, 15:22

362

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Tudo em a Natureza é transição, por isso mesmo que

uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se

prendem umas às outras. As plantas não pensam; por conseguinte

carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem

os zoófitos pensam: têm apenas um instinto cego e natural.”

O organismo humano nos proporciona exemplo de movimentos

análogos, sem participação da vontade, nas funções digestivas

e circulatórias. O piloro se contrai, ao contacto de certos corpos,

para lhes negar passagem. O mesmo provavelmente se dá na

sensitiva, cujos movimentos de nenhum modo implicam a necessidade

de percepção e, ainda menos, da vontade.

590.

Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto

de conservação, que as induza a procurar o que lhes

possa ser útil e a evitar o que lhes possa ser nocivo?

“Há, se quiserdes, uma espécie de instinto, dependendo

isso da extensão que se dê ao significado desta palavra.

É, porém, um instinto puramente mecânico. Quando, nas

operações químicas, observais que dois corpos se reúnem,

é que um ao outro convém; quer dizer: é que há entre eles

afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.”

591.

Nos mundos superiores, as plantas são de natureza

mais perfeita, como os outros seres?

“Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre

plantas, como os animais sempre animais e os homens

sempre homens.”

O

 

S ANIMAIS E O HOMEM

592.

Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem

e os animais, parece difícil estabelecer-se uma linha

7a prova A- livro dos espíritos.p65 362 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

363

de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns

animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade

sobre certos homens. Pode essa linha de

demarcação ser estabelecida de modo preciso?

“A este respeito é completo o desacordo entre os vossos

filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e

outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro.

O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas

vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é

como os animais e menos bem-dotado do que muitos destes.

A Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a

inventar com a sua inteligência

, para satisfação de suas necessidades

e para sua conservação. Seu corpo se destrói,

como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado

um destino que só ele pode compreender, porque só

ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais

mais do que os brutos! não sabeis distinguir-vos deles?

Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.”

593.

Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto?

“Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria

dos animais domina o instinto. Mas, não vês que muitos

obram denotando acentuada vontade? É que têm

inteligência, porém limitada.”

Não se poderia negar que, além de possuírem o instinto,

alguns animais praticam atos combinados, que denunciam vontade

de operar em determinado sentido e de acordo com as circunstâncias.

Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas

cujo exercício quase que se circunscreve à utilização dos meios

de satisfazerem às suas necessidades físicas e de proverem à conservação

própria. Nada, porém, criam, nem melhora alguma rea-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 363 16/09/04, 15:22

364

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

lizam. Qualquer que seja a arte com que executem seus trabalhos,

fazem hoje o que faziam outrora e o fazem, nem melhor,

nem pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis.

A cria, separada dos de sua espécie, não deixa por isso de construir

o seu ninho de perfeita conformidade com os seus maiores,

sem que tenha recebido nenhum ensino. O desenvolvimento intelectual

de alguns, que se mostram suscetíveis de certa educação,

desenvolvimento, aliás, que não pode ultrapassar acanhados

limites, é devido à ação do homem sobre uma natureza

maleável, porquanto não há aí progresso que lhe seja próprio.

Mesmo o progresso que realizam pela ação do homem é efêmero e

puramente individual, visto que, entregue a si mesmo, não tarda

que o animal volte a encerrar-se nos limites que lhe traçou a

Natureza.

594.

Têm os animais alguma linguagem?

“Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e

palavras, não. Meio, porém, de se comunicarem entre si,

têm. Dizem uns aos outros muito mais coisas do que

imaginais. Mas, essa mesma linguagem de que dispõem é

restrita às necessidades, como restritas também são as

idéias que podem ter.”

a)

— Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses

parece que nenhuma linguagem usam, não?

“Compreendem-se por outros meios. Para vos comunicardes

reciprocamente, vós outros, homens, só dispondes

da palavra? E os mudos? Facultada lhes sendo a vida de

relação, os animais possuem meios de se prevenirem e de

exprimirem as sensações que experimentam. Pensais que

os peixes não se entendem entre si? O homem não goza do

privilégio exclusivo da linguagem. Porém, a dos animais é

7a prova A- livro dos espíritos.p65 364 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

365

instintiva e circunscrita pelas suas necessidades e idéias,

ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas

as concepções da sua inteligência.”

Efetivamente, os peixes que, como as andorinhas, emigram

em cardumes, obedientes ao guia que os conduz, devem ter meios

de se advertirem, de se entenderem e combinarem. É possível que

disponham de uma vista mais penetrante e esta lhes permita

perceber os sinais que mutuamente façam. Pode ser também que

tenham na água um veículo próprio para a transmissão de certas

vibrações. Como quer que seja, o que é incontestável é que lhes

não falecem meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos

os animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em

comum. Diante disso, que admiração pode causar que os Espíritos

entre si se comuniquem sem o auxílio da palavra articulada?

595.

Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos

seus atos?

“Os animais não são simples máquinas, como supondes.

Contudo, a liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada

pelas suas necessidades e não se pode comparar à

do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os

mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita

aos atos da vida material.”

596.

Donde procede a aptidão que certos animais denotam

para imitar a linguagem do homem e por que essa aptidão

se revela mais nas aves do que no macaco, por

exemplo, cuja conformação apresenta mais analogia

com a humana?

“Origina-se de uma particular conformação dos órgãos

vocais, reforçada pelo instinto de imitação. O macaco imita

os gestos; algumas aves imitam a voz.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 365 16/09/04, 15:22

366

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

597.

Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes

faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum

princípio independente da matéria?

“Há e que sobrevive ao corpo.”

a)

— Será esse princípio uma alma semelhante à

do homem?

“É também uma alma, se quiserdes,

 

dependendo isto

do sentido que se der a esta palavra

. É, porém, inferior à do

homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância

equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598.

Após a morte, conserva a alma dos animais a sua

individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência

do seu

 

eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado

latente.”

599.

À alma dos animais é dado escolher a espécie de

animal em que encarne?

“Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”

600.

Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do

animal vem a achar-se, depois da morte, num estado

de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais

se acha unida ao corpo, mas não é um

 

Espírito errante. O

Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre

vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A

consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo

do Espírito. O do animal, depois da morte, é classifi-

7a prova A- livro dos espíritos.p65 366 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

367

cado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado

quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar

em relação com outras criaturas.”

601.

Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei

progressiva?

“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os

homens são mais adiantados, os animais também o são,

dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre,

porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos,

tendo neles o homem servidores inteligentes.”

Nada há nisso de extraordinário. Tomemos os nossos mais

inteligentes animais, o cão, o elefante, o cavalo, e imaginemo-los

dotados de uma conformação apropriada a trabalhos manuais.

Que não fariam sob a direção do homem?

602.

Os animais progridem, como o homem, por ato da

própria vontade, ou pela força das coisas?

“Pela força das coisas, razão por que não estão

sujeitos à expiação.”

603.

Nos mundos superiores, os animais conhecem a Deus?

“Não. Para eles o homem é um deus, como outrora os

Espíritos eram deuses para o homem.”

604.

Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes

nos mundos superiores, são sempre inferiores

ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais

perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece

em desacordo com a unidade de vistas e de

progresso que todas as suas obras revelam.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 367 16/09/04, 15:22

368

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Tudo em a Natureza se encadeia por elos que ainda

não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais

díspares têm pontos de contacto que o homem, no seu estado

atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço

da inteligência poderá entrevê-los; mas, somente quando

essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento

e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará

ver claro na obra de Deus. Até lá, suas muito restritas

idéias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e

acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga

e que, na Natureza, tudo se harmoniza mediante

leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de

corresponder à sublime sabedoria do Criador.”

a)

— A inteligência é então uma propriedade comum,

um ponto de contacto entre a alma dos animais e a

do homem?

“É, porém os animais só possuem a inteligência da

vida material. No homem, a inteligência proporciona a vida

moral.”

605.

Considerando-se todos os pontos de contacto que existem

entre o homem e os animais, não seria lícito pensar

que o homem possui duas almas: a alma animal e

a alma espírita e que, se esta última não existisse, só

como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o animal

é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma

espírita? Dessa maneira de ver resultaria serem os bons

e os maus instintos do homem efeito da predominância

de uma ou outra dessas almas?

“Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém,

tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos

7a prova A- livro dos espíritos.p65 368 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

369

órgãos. Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza

animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo,

da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua

alma, participa da dos Espíritos.”

a)

— De modo que, além de suas próprias imperfeições

de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem

que lutar contra a influência da matéria?

“Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados

são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O

homem não tem duas almas; a alma é sempre única em

cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a

do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o

corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma

animal, que, por suas paixões, o nivele aos animais, o homem

tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até ao nível deles,

por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de

instintos, porém ininteligentes estes e restritos ao cuidado

que a sua conservação requer.”

Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio

intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As

duas naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens

diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo

as outras das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é

ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a grosseria dos

apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a

pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se

do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação.

606.

Donde tiram os animais o princípio inteligente que

constitui a alma de natureza especial de que são dotados?

“Do elemento inteligente universal.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 369 16/09/04, 15:22

370

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

a)

— Então, emanam de um único princípio a inteligência

do homem e a dos animais?

“Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por

uma elaboração que a coloca acima da que existe no

animal.”

607.

Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na

sua origem, corresponde ao estado da infância na vida

corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se

ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa

primeira fase do seu desenvolvimento?

“Numa série de existências que precedem o período a

que chamais Humanidade.”

a)

— Parece que, assim, se pode considerar a alma como

tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da

criação, não?

“Já não dissemos que tudo em a Natureza se encadeia

e tende para a unidade? Nesses seres, cuja totalidade estais

longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora,

se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme

acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho

preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o

princípio inteligente sofre uma transformação e se torna

Espírito

. Entra então no período da humanização, começando

a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir

o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos.

Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo

depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa

alguma há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão

7a prova A- livro dos espíritos.p65 370 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

371

humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes

nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe

seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua

impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e

para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do

Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável

harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza.

Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e

criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da sua

bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.”

b)

— Esse período de humanização principia na Terra?

“A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação

humana. O período da humanização começa, geralmente,

em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto,

não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um

Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na

Terra. Não é freqüente o caso; constitui antes uma exceção.”

608.

O Espírito do homem tem, após a morte, consciência de

suas existências anteriores ao período de humanidade?

“Não, pois não é desse período que começa a sua vida

de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras

existências humanas, como difícil é que o homem se

lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos

do tempo que passou no seio materno. Essa a razão

por que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.”

609.

Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito

traços do que era precedentemente, quer dizer: do

estado em que se achava no período a que se poderia

chamar ante-humano?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 371 16/09/04, 15:22

372

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Conforme a distância que medeie entre os dois períodos

e o progresso realizado. Durante algumas gerações, pode

ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado

primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por

brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades

da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios,

porém, se apagam com o desenvolvimento do livre-

-arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se

efetuam, porque ainda não têm a secundá-los a vontade.

Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito

adquire mais perfeita consciência de si mesmo.”

610.

Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir

o homem um ser à parte na ordem da criação?

“Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais,

há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O

homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades

que o distinguem de todos os outros e ter outro destino.

A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação

dos seres

 

que podem conhecê-lo.”

M

 

ETEMPSICOSE

611.

O terem os seres vivos uma origem comum no princípio

inteligente não é a consagração da doutrina da

metempsicose?

“Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente

não se assemelharem mais tarde. Quem reconheceria

a árvore, com suas folhas, flores e frutos, no gérmen

informe que se contém na semente donde ela surge? Desde

que o princípio inteligente atinge o grau necessário para

7a prova A- livro dos espíritos.p65 372 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

373

ser Espírito e entrar no período da humanização, já não

guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma

dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal

só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência

do corpo e do instinto de conservação inerente à

matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação

do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a

metempsicose, como a entendem, não é verdadeira.”

612.

Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o

corpo de um homem?

“Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O

rio não remonta à sua nascente.”

 

(118)

613.

Embora de todo errônea, a idéia ligada à metempsicose

não terá resultado do sentimento intuitivo que o

homem possui de suas diferentes existências?

“Nessa, como em muitas outras crenças, se depara esse

sentimento intuitivo. O homem, porém, o desnaturou, como

costuma fazer com a maioria de suas idéias intuitivas.”

Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a progressão

da alma, passando de um estado inferior a outro superior, onde

adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza.

É, porém, falsa no sentido de transmigração direta da alma do

animal para o homem e reciprocamente, o que implicaria a idéia

de uma retrogradação, ou de fusão. Ora, o fato de não poder semelhante

fusão operar-se, entre os seres corporais das duas espécies,

mostra que estas são de graus inassimiláveis, devendo

dar-se o mesmo com relação aos Espíritos que as animam. Se um

mesmo Espírito as pudesse animar alternativamente, haveria,

como conseqüência, uma identidade de natureza, traduzindo-se

pela possibilidade da reprodução material.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 373 16/09/04, 15:22

374

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

A reencarnação, como os Espíritos a ensinam, se funda, ao

contrário, na marcha ascendente da Natureza e na progressão do

homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui

a dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz das

faculdades que Deus lhe outorgou para que progrida. Seja como

for, a ancianidade e a universalidade da doutrina da metempsicose

e, bem assim, a circunstância de a terem professado homens

eminentes provam que o princípio da reencarnação se radica na

própria Natureza. Antes, pois, constituem argumentos a seu

favor, que contrários a esse princípio.

O ponto inicial do Espírito é uma dessas questões que se

prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo.

Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais

lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar

sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios Espíritos longe

estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem

ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas.

É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma

forma quanto às relações existentes entre o homem e os animais.

Segundo uns, o Espírito não chega ao período humano senão

depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus

dos seres inferiores da Criação. Segundo outros, o Espírito do

homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela

fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem

de assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então

os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é

mais conforme à dignidade do homem e pode resumir-se da

maneira seguinte:

As diferentes espécies de animais não procedem

 

intelectualmente

umas das outras, mediante progressão. Assim, o espírito

da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, do pássaro, do

quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie constitui, física e

moralmente, um tipo

 

absoluto, cada um de cujos indivíduos haure

na fonte universal a quantidade do princípio inteligente que

lhe seja necessário, de acordo com a perfeição de seus órgãos e

7a prova A- livro dos espíritos.p65 374 16/09/04, 15:22

DOS TRÊS REINOS

 

375

com o trabalho que tenha de executar nos fenômenos da Natureza,

quantidade que ele, por sua morte, restitui ao reservatório

donde a tirou. Os dos mundos mais adiantados que o nosso (ver

nº 188) constituem igualmente raças distintas, apropriadas às

necessidades desses mundos e ao grau de adiantamento dos homens,

cujos auxiliares eles são, mas de modo nenhum procedem

das da Terra, espiritualmente falando. Outro tanto não se dá com

o homem. Do ponto de vista físico, este forma evidentemente um

elo da cadeia dos seres vivos; porém, do ponto de vista moral, há,

entre o animal e o homem, solução de continuidade. O homem

possui, como propriedade sua, a alma ou Espírito, centelha divina

que lhe confere o senso moral e um alcance intelectual de que

carecem os animais e que é nele o ser principal, que preexiste e

sobrevive ao corpo, conservando sua individualidade. Qual a origem

do Espírito? Onde o seu ponto inicial? Forma-se do princípio

inteligente individualizado? Tudo isso são mistérios que fora inútil

querer devassar e sobre os quais, como dissemos, nada mais

se pode fazer do que construir sistemas. O que é constante, o que

ressalta do raciocínio e da experiência é a sobrevivência do Espírito,

a conservação de sua individualidade após a morte, a

progressividade de suas faculdades, seu estado feliz ou desgraçado

de acordo com o seu adiantamento na senda do bem e todas

as verdades morais decorrentes deste princípio.

Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem

e os animais, isso, repetimos, está nos segredos de Deus, como

muitas outras coisas, cujo conhecimento

 

atual nada importa ao

nosso progresso e sobre as quais seria inútil determo-nos.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 375 16/09/04, 15:22

P A R T E T E R C E I R A

Das leis morais

CAPÍTULO I

 

DA LEI DIVINA OU NATURAL

CAPÍTULO II

 

DA LEI DE ADORAÇÃO

CAPÍTULO III

 

DA LEI DO TRABALHO

CAPÍTULO IV

 

DA LEI DE REPRODUÇÃO

CAPÍTULO V

 

DA LEI DE CONSERVAÇÃO

CAPÍTULO VI

 

DA LEI DE DESTRUIÇÃO

CAPÍTULO VII

 

DA LEI DE SOCIEDADE

CAPÍTULO VIII

 

DA LEI DO PROGRESSO

CAPÍTULO IX

 

DA LEI DE IGUALDADE

CAPÍTULO X

 

DA LEI DE LIBERDADE

CAPÍTULO XI

 

DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE

CAPÍTULO XII

 

DA PERFEIÇÃO MORAL

7a prova A- livro dos espíritos.p65 376 16/09/04, 15:22

C A P Í T U L O I

Da lei divina ou natural

 

 

Caracteres da lei natural

 

 

Conhecimento da lei natural

 

 

O bem e o mal

 

 

Divisão da lei natural

C

 

ARACTERES DA LEI NATURAL

614.

Que se deve entender por lei natural?

“A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira

para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou

deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”

615.

É eterna a lei de Deus?

“Eterna e imutável como o próprio Deus.”

616.

Será possível que Deus em certa época haja prescrito

aos homens o que noutra época lhes proibiu?

“Deus não se engana. Os homens é que são obrigados

a modificar suas leis, por imperfeitas. As de Deus, essas

são perfeitas. A harmonia que reina no universo material,

7a prova A- livro dos espíritos.p65 377 16/09/04, 15:22

378

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

como no universo moral, se funda em leis estabelecidas por

Deus desde toda a eternidade.”

617.

As leis divinas, que é o que compreendem no seu

âmbito? Concernem a alguma outra coisa, que não somente

ao procedimento moral?

“Todas as da Natureza são leis divinas, pois que Deus

é o autor de tudo. O sábio estuda as leis da matéria, o

homem de bem estuda e pratica as da alma.”

a)

— Dado é ao homem aprofundar umas e outras?

“É, mas uma única existência não lhe basta para isso.”

Efetivamente, que são alguns anos para a aquisição de tudo

o de que precisa o ser, a fim de se considerar perfeito, embora

apenas se tenha em conta a distancia que vai do selvagem ao

homem civilizado? Insuficiente seria, para tanto, a existência mais

longa que se possa imaginar. Ainda com mais forte razão o será

quando curta, como é para a maior parte dos homens.

Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações

da matéria bruta: as leis físicas, cujo estudo pertence ao

domínio da Ciência.

As outras dizem respeito especialmente ao homem considerado

em si mesmo e nas suas relações com Deus e com seus

semelhantes. Contêm as regras da vida do corpo, bem como as da

vida da alma: são as leis morais.

618.

São as mesmas, para todos os mundos, as leis

divinas?

“A razão está a dizer que devem ser apropriadas à natureza

de cada mundo e adequadas ao grau de progresso

dos seres que os habitam.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 378 16/09/04, 15:22

DA LEI DIVINA OU NATURAL

 

379

C

 

ONHECIMENTO DA LEI NATURAL

619.

A todos os homens facultou Deus os meios de

conhecerem sua lei?

“Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem.

Os homens de bem e os que se decidem a

investigá-la são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto,

a compreenderão um dia, porquanto forçoso é que

o progresso se efetue.”

A justiça das diversas encarnações do homem é uma conseqüência

deste princípio, pois que, em cada nova existência, sua

inteligência se acha mais desenvolvida e ele compreende melhor

o que é bem e o que é mal. Se numa só existência tudo lhe devesse

ficar ultimado, qual seria a sorte de tantos milhões de seres

que morrem todos os dias no embrutecimento da selvageria, ou

nas trevas da ignorância, sem que deles tenha dependido o se

instruírem? (171-222)

620.

Antes de se unir ao corpo, a alma compreende melhor

a lei de Deus do que depois de encarnada?

“Compreende-a de acordo com o grau de perfeição que

tenha atingido e dela guarda a intuição quando unida ao

corpo. Os maus instintos, porém, fazem ordinariamente que

o homem a esqueça.”

621.

Onde está escrita a lei de Deus?

“Na consciência.”

a)

— Visto que o homem traz em sua consciência a lei de

Deus, que necessidade havia de lhe ser ela revelada?

“Ele a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe

fosse lembrada.”

7a prova A- livro dos espíritos.p65 379 16/09/04, 15:22

380

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

622.

Confiou Deus a certos homens a missão de revelarem

a sua lei?

“Indubitavelmente. Em todos os tempos houve homens

que tiveram essa missão. São Espíritos superiores, que

encarnam com o fim de fazer progredir a Humanidade.”

623.

Os que hão pretendido instruir os homens na lei de Deus

não se têm enganado algumas vezes, fazendo-os

transviar-se por meio de falsos princípios?

“Certamente hão dado causa a que os homens se transviassem

aqueles que não eram inspirados por Deus e que,

por ambição, tomaram sobre si um encargo que lhes não

fora cometido. Todavia, como eram, afinal, homens de gênio,

mesmo entre os erros que ensinaram, grandes

verdades muitas vezes se encontram.”

624.

Qual o caráter do verdadeiro profeta?

“O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado

por Deus. Podeis reconhecê-lo pelas suas palavras e pelos

seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca do

mentiroso para ensinar a verdade.”

625.

Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao

homem, para lhe servir de guia e modelo?

“Jesus.”

Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a

que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como

o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão

mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de

quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.

7a prova A- livro dos espíritos.p65 380 16/09/04, 15:22

DA LEI DIVINA OU NATURAL

 

381

Quanto aos que, pretendendo instruir o homem na lei de

Deus, o têm transviado, ensinando-lhe falsos princípios, isso aconteceu

por haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado

terrenos e por terem confundido as leis que regulam as

condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo.

Muitos hão apresentado como leis divinas simples leis humanas

estatuídas para servir às paixões e dominar os homens.

626.

Só por Jesus foram reveladas as leis divinas e naturais?

Antes do seu aparecimento, o conhecimento

dessas leis só por intuição os homens o tiveram?

“Já não dissemos que elas estão escritas por toda parte?

Desde os séculos mais longínquos, todos os que meditaram

sobre a sabedoria hão podido compreendê-las e

ensiná-las. Pelos ensinos, mesmo incompletos, que espalharam,

prepararam o terreno para receber a semente. Estando

as leis divinas escritas no livro da natureza, possível

foi ao homem conhecê-las, logo que as quis procurar. Por

isso é que os preceitos que consagram foram, desde todos

os tempos, proclamados pelos homens de bem; e também

por isso é que elementos delas se encontram, se bem que

incompletos ou adulterados pela ignorância, na doutrina

moral de todos os povos saídos da barbárie.”

627.

Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de

Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão?

Terão que nos ensinar mais alguma coisa?

“Jesus empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias

e parábolas, porque falava de conformidade com os

tempos e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se

torne inteligível para todo mundo. Muito necessário é que

7a prova A- livro dos espíritos.p65 381 16/09/04, 15:22

382

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos

são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam.

A nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos

a todos, confundindo os orgulhosos e desmascarando

os hipócritas: os que vestem a capa da virtude e da religião,

a fim de ocultarem suas torpezas. O ensino dos Espíritos

tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa

pretextar ignorância e para que todos o possam julgar e

apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar o

reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de

que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao

sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei

toda de amor e de caridade.”

628

 

.

Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de

toda gente?

“Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade

é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a

pouco; do contrário, fica deslumbrado.

“Jamais permitiu Deus que o homem recebesse comunicações

tão completas e instrutivas como as que hoje lhe

são dadas. Havia, como sabeis, na antiguidade alguns indivíduos

possuidores do que eles próprios consideravam uma

ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que, aos

seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis

das leis que regem estes fenômenos, deveis compreender

que esses indivíduos apenas recebiam algumas verdades

esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na maioria

dos casos, emblemático. Entretanto, para o estudioso, não

há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição,

nenhuma religião, que seja desprezível, pois em tudo há

7a prova A- livro dos espíritos.p65 382 16/09/04, 15:22

DA LEI DIVINA OU NATURAL

 

383

germens de grandes verdades que, se bem pareçam contraditórias

entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios

sem fundamento, facilmente coordenáveis se vos apresentam,

graças à explicação que o Espiritismo dá de uma

imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem

razão alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente

demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo

que esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos

e podem contribuir grandemente para vossa instrução.”

O

 

BEM E O MAL

629.

Que definição se pode dar da moral?

“A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir

o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus.

O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos,

porque então cumpre a lei de Deus.”

630.

Como se pode distinguir o bem do mal?

“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal,

tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de

acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”

631.

Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é

bem do que é mal?

“Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe

deu a inteligência para distinguir um do outro.”

632.

Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-

-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o

bem quando em realidade pratica o mal?

7a prova A- livro dos espíritos.p65 383 16/09/04, 15:22

384

 

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

“Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou

não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”

633.

A regra do bem e do mal, que se poderia chamar de reciprocidade

ou de

solidariedade, é inaplicável ao proceder

pessoal do homem para consigo mesmo. Achará ele, na

lei natural, a regra desse proceder e um guia seguro?

“Quando comeis em excesso, verificais que isso vos faz

mal. Pois bem, é Deus quem vos dá a medida daquilo de

que necessitais. Quando excedeis dessa medida, sois punidos.

Em tudo é assim. A lei natural traça para o homem o

limite das suas necessidades. Se ele ultrapassa esse limite,

é punido pelo sofrimento. Se atendesse sempre à voz que

lhe diz —

 

basta, evitaria a maior parte dos males, cuja

culpa lança à Natureza.”

634.

Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do

mal moral. Não podia Deus ter criado a Humanidade

em melhores condições?

“Já te dissemos: os Espíritos foram criados simples e

ignorantes

 

(115). Deus deix

 

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